Reinaldo Polito Publicado em 31/07/2022, às 08h20 - Atualizado às 10h47
Em agosto de 1977 eu já ministrava aulas de oratória nos cursos de Comunicação Verbal do querido e saudoso Professor Oswaldo Melantonio. Ele era apaixonado por política. Tanto assim que foi um dos fundadores do Partido Socialista. Por causa de seu ótimo relacionamento com as mais importantes lideranças políticas e acadêmicas do país, de vez em quando, levava um desses figurões para ministrar palestras em sua escola.
Foi assim que conheci Franco Montoro, Jânio Quadros, Fernando Henrique Cardoso, entre outros. Um dos que mais marcaram foi Goffredo da Silva Telles Junior, expoente no mundo do Direito. Bom orador. Dono de raciocínio brilhante e perspicaz. Culto. Experiente. Elegante. Só tratava de temas elevados. Podia assomar à tribuna por longo tempo sem cansar a plateia.
Foi nessa época que o eminente mestre do Direito leu a Carta aos Brasileiros. Aproveitando o período das comemorações do sesquicentenário de fundação dos cursos jurídicos no Brasil, no tradicional Largo de São Francisco se realizou o evento que marcaria para sempre a história do nosso país.
Muitos se perguntavam onde ele havia encontrado coragem para tomar aquela iniciativa. A mensagem combatia a falta de legitimidade do governo de turno, ocupado pelos militares. Pode parecer pouco hoje, mas as baionetas eram aterrorizantes. Criticava também o estado de exceção. Defendia a volta imediata do estado de direito e clamava pela instalação de uma Assembleia Constituinte.
Suas palavras foram ouvidas. Ainda que tardiamente, os militares deixaram o poder. E pouco depois, em 1988, foi promulgada nova Constituição. O Brasilvoltava a respirar o tão almejado estado democrático de direito. As garantias fundamentais dos brasileiros eram novamente respeitadas.
Vivíamos outros tempos. A democracia estava sendo desrespeitada, agredida, vilipendiada. Os direitos do nosso povo eram aviltados. Queríamos eleger os nossos representantes. Ansiávamos por liberdade. O tempo passou e fomos reaprendendo a ser livres e a praticar a já esquecida vontade popular. Erramos. Muito.
Alguns jovens estavam indo às urnas pela primeira vez. Como estávamos desacostumados aos processos eleitorais, escolhemos políticos que traíram a confiança da população. Pregavam com seus discursos, mas decepcionavam com as ações. Ainda estamos aprendendo. Talvez leve um bom tempo para que as pessoas saibam com consciência em quem votar.
Agora surge a ideia de uma segunda Carta aos Brasileiros. Dizem os idealizadores que se trata de uma homenagem ao ato de 1977. Centenas de milhares de pessoas, entre elas renomadas personalidades do mundo empresarial, jornalístico, político, jurídico e artístico assinaram o documento, que será lido, no dia 11 de agosto, na mesma Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.
Como homenagem à leitura da Carta feita pelo Professor Goffredo a iniciativa é louvável. Aquele foi um momento histórico que jamais poderá ser esquecido. Só pela notícia, já consegui me transportar àquele instante glorioso.
Pela permanente luta em prol da democracia também. Será, entretanto, que a nossa democracia está sendo atacada ou desconsiderada? Parece que não. As instituições, com todos os embates naturais de um país democrático, estão funcionando normalmente. A população está indo às ruas aos milhões, vestindo as cores nacionais, como nunca foi, para demonstrar, de forma ordeira e pacífica, a sua vontade. Nem os mais otimistas dos que subscreveram a Carta anterior poderiam sonhar com tamanha demonstração de amadurecimento e civilidade política. Deveria ser motivo de comemoração.
É desejo de todos nós também lutar cada vez mais para eliminar as desigualdades sociais, pela melhoria dos serviços públicos, para o constante crescimento econômico sustentável, pela igualdade racial, de gênero. Não conheço ninguém de bom senso que pense diferente.
Incluir no manifesto a defesa das urnas eletrônicas de votação, censurando aqueles que as contestam, porém, embora esse sistema eleitoral possa ser considerado confiável, não parece adequado. Afinal, discordar, criticar, divergir, mesmo que sem fundamento, foram exatamente os objetivos que se pretendeu conquistar naquela oportunidade. Talvez esse aspecto, portanto, esteja posto fora de contexto ali na atual Carta.
Alguns dos signatários têm dado entrevistas aos mais diferentes órgãos de imprensa. Quando são perguntados sobre os motivos que os levaram a aderir ao documento, quase todos falam com desenvoltura a respeito da homenagem ao ato liderado pelo grande professor. Ao serem instigados a dar exemplos de como a nossa democracia poderia estar sendo atacada, todavia, se perdem em evasivas.
Assim sendo, a lembrança dos acontecimentos de 1977 merece aplausos de todos nós. Eu seria o primeiro a incluir o meu nome no manifesto. Aproveitar esse momento para dizer que as opiniões contrárias devam se calar, contudo, parece ser, na essência, uma contradição. Eu que dediquei boa parte da minha vida aspirando pela liberdade de expressão, não gostaria de ter a minha voz calada porque não posso discordar. Ainda que pudesse ou não concordar. É só questão de princípio. Siga pelo Instagram: @polito
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