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Um giro sobre a Babel dos Tribunais e a Suprema Corte no Brasil

Um giro sobre a Babel dos Tribunais e a Suprema Corte no Brasil - Imagem: Reprodução | UOL
Um giro sobre a Babel dos Tribunais e a Suprema Corte no Brasil - Imagem: Reprodução | UOL
Fabiana Sarmento de Sena Angerami

por Fabiana Sarmento de Sena Angerami

Publicado em 01/11/2023, às 06h19


Ninguém nunca precisou ser especialista em matéria de Direito para saber que o princípio da imparcialidade dos juízes é o elemento que confere maior credibilidade nas decisões judiciais. Por esse motivo, durante muito tempo, os magistrados procuraram ficar distante das partes, se mantendo discretamente em Tribunais e Cortes.

No entanto, há algum tempo, fatores como a questionada atuação do então juiz Sérgio Moro na “Operação Lava Jato” acabou por colocar em dúvida a imparcialidade do judiciário; a pandemia e suas dificuldades obrigaram os magistrados a tomarem decisões imediatas acerca de problemas de saúde pública e a morosidade do Poder Legislativo em editar Leis de interesse coletivo acabou fazendo com que o Poder Judiciário agisse de forma cada vez mais proativa.

E, de repente, não mais que de repente, como diria Vinicius de Moraes, nos deparamos com o chamado Ativismo Judiciário, com Juízes, Tribunais e Cortes estampados em manchetes e palanques, em meio a um protagonismo temerário.

Nesse cenário, Tribunais e Cortes, antes pouco ou nada conhecidos, se tornaram verdadeiras estrelas, roubando a cena e despertando a curiosidade e o imaginário popular. Então, para que qualquer pessoa possa entender um pouquinho do funcionamento dos Tribunais passa-se a discorrer sobre alguns conceitos e peculiaridades.

A composição dos Tribunais no Brasil é realizada por meio do “quinto constitucional”, expressão vulgarmente utilizada para explicar o ingresso de advogados e membros do ministério público como magistrados em Tribunais sem o correlato concurso público. Os partidários desse sistema alegam que essa mistura de profissionais contribui para a oxigenação de ideias, o que pode resultar em sentenças mais democráticas.

De outro lado, existem aqueles que afirmam que o ingresso na magistratura por pessoas que não tenham passado em concurso público específico constitui verdadeira aberração. Argumentam que os requisitos de “notório saber jurídico” e de “reputação ilibada”, agregados a decisão final de caráter discricionário do Poder Executivo, revestem o instituto de extremo subjetivismo; o que cria brechas para ingerências políticas, apadrinhamentos e interesses de classes.

No entanto, esse sistema de composição hibrida nos tribunais, com magistrados que não são de carreira (geralmente advogados e promotores) está em vigor no Brasil desde a Era Vargas e pode ser considerado como uma tendência, estando presente, de uma forma ou de outra, em vários países do Mundo.

No caso do Superior Tribunal Federal - STF é importante explicar que seu modelo de participação é ainda mais curioso. Além dos requisitos constitucionais exige-se “notável saber jurídico” e “reputação ilibada”. O que significa dizer, que qualquer um do povo pode, em tese, ser ministro do STF, desde que nomeado pelo Presidente da República, depois de aprovado pelo Senado Federal. No entanto, desde a criação do STF, em 1890, não se tem notícia da participação no referido Tribunal Superior de membro que não seja oriundo da magistratura, da advocacia ou do ministério público. Em 1984, em razão de uma brecha constitucional, o Presidente Marechal Floriano Peixoto tentou indicar três ministros sem formação jurídica, porém todos foram vetados pelo Senado Federal.

Mas não se pode passar incólume pelos holofotes. A atuação constante e magnânima dos Tribunais e Corte Superior acabou gerando uma sensação de insegurança jurídica e de usurpação de atribuições do Poder Legislativo, o que em um Estado Democrático de Direito acabou provocando um resultado positivo. Isso porque a incerteza gerada fez com que a população acordasse de um estado letárgico e entendesse a importância de assuntos de natureza judiciária.

Neste contexto, recentemente, temas antes esquecidos e novas proposituras entraram em pauta no Congresso Nacional. Propostas como a Emenda Constitucional - PEC 184/2007 que propunha a inclusão dos Delegados de Polícia como magistrados não concursados nos Tribunais Superiores, a PEC 16/2019 que fala sobre fixação de mandato para os ministros do STF, a PEC 8/2021 que propõem a limitação de decisões monocráticas, a PEC 51/2023 que discute a questão da vitaliciedade dos ministros do STF, dentre outras, são temas que pululam pelo Congresso e alargam as conversas nos meios acadêmicos e jornalísticos.

A despeito das proposituras cotejadas serem ou não aprovadas, seu maior legado consiste na promoção do debate crítico e de interesse coletivo. É inegável a complexidade dos temas, que por si só, constituíram os ingredientes que formaram uma Babel no Poder Judiciário, mas que analisados de forma mais simplista, foram capazes de trazer ao homem comum conhecimentos que antes ficavam restritos as altas torres dos jurisconsultos.

O mais encantador nesse breve giro pelo universo dos Tribunais e a Suprema Corte no Brasil foi perceber que para que o Poder Judiciário possa alcançar o desejável e necessário apoio e credibilidade popular deverá passar pelo caminho tortuoso do enfrentamento com os demais Poderes, Legislativo e Executivo, sobretudo no que se refere as atribuições de cada um. Paralelamente, terá que encarar o embate com seus próprios pares, visando um ajuste interno, de modo que os julgadores consigam se libertar de preconceitos arraigados e opiniões preestabelecidas, a fim de que possam compreender a importância da criação derequisitos objetivos para a composição de seus Tribunais Superiores, a readequação para um sistema de justiça mais célere, humano, capaz de solucionar por meio de decisões técnicas e imparciais problemas contemporâneos, sem se esquecer do respeito e compaixão com as diferenças e peculiaridades de cada um dos brasileiros.

Enfim, para finalizar com um trocadilho, a Babel do Poder Judiciário pode ser o momento oportuno para que a Corte se aproxime de seus súditos e descubra de uma vez por todas seus reais anseios por justiça, particular e social.

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