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A Bíblia é mais que um livro. Ela é a Palavra de Deus

Imagem: Freepik
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Agenor Duque

por Agenor Duque

Publicado em 11/12/2022, às 09h37


A Bíblia é o livro mais importante de toda a história! É o mais lido, traduzido e vendido de todos os tempos, com mais de 5 bilhões de cópias vendidas/distribuídas, disponível em mais de 2 mil linguagens diferentes!

Ao longo dos séculos muitos poderosos tentaram destruí-lo e/ou desacreditá-lo; como exemplo, temos: o rei Antíoco Epifânio, que enviava seus subordinados com autoridade para rasgar e queimar os rolos da Lei e até matar aqueles que os possuíssem. No entanto, judeus esconderam cópias das Escrituras em suas sinagogas; Diocleciano, que em 303 A.D. ordenou que fossem queimados todos os exemplares da Bíblia; em 1543, num esforço dos romanizantes para eliminar a Bíblia inglesa, houve um decreto proibindo o uso da versão de Tydale e qualquer leitura do livro sagrado em assembleias, sem a devida permissão real.

Religiosos e políticos muitas vezes empenharam seus mais intensos esforços para impedir que o povo tivesse acesso à Palavra de Deus, usando de sua posição privilegiada para proibir que a Sagrada Escritura fosse produzida ou traduzida, ameaçando quem insistisse em possuir um exemplar dela. Na Idade Média, alguns líderes católicos, irritaram-se com o fato de pessoas comuns pregarem a Bíblia, chegando a rotulá-los de hereges ou rebeldes. Ateus, como Lênin, Stálin, Hitler, Mao Tsé Tung e muitos mais, além de países como a China, o Vietnã, Coreia do Norte, Cuba e tantos outros, fizeram e ainda fazem de tudo para destruir as Escrituras Sagradas.

Entretanto, todas as iniciativas de aniquilação da Bíblia foram frustradas. Apesar da perseguição, os que amavam as sagradas letras não cessaram de traduzi-la e fazer cópias do livro sagrado; o movimento iniciado a partir de 1450, com a invenção da impressora, vem sendo cada vez mais forte e, ainda hoje, a Bíblia continua sendo traduzida, impressa, lida e estudada, e distribuída em larga escala. Vale ressaltar que uma parte muito pequena de livros sobrevive durante um quarto de século, menor ainda é a porcentagem dos que resistem a um século e raríssimos são os exemplares que resistem por um milênio. A Bíblia resiste ao tempo e às perseguições. Ela é inigualável. Indestrutível!

Em sua essência, a Bíblia é um livro diferente de todos os que já existiram e ainda existirão, até pelo fato de que pessoas não apenas podem lê-lo, mas também terem sua vida e história transformadas e ressignificadas, à medida que, enquanto a leem, a Escritura Sagrada também os lê. O Espírito Santo traz revelação das santas letras ao coração faminto por Deus e pela verdade, e essa revelação promove transformação, possibilita que o leitor de coração submisso e sincero seja uma nova criação e vá sendo conformado à imagem de Cristo depois de exposto ao texto bíblico.

Por essas e outras tantas razões, há muito o que se comemorar quando se fala da Bíblia.

O Dia da Bíblia foi criado em 1549, pelo Bispo Cranmer, na Grã-Bretanha, e é considerado um dia muito especial no mundo ocidental. No Brasil, a data só passou a ser celebrada com a chegada dos primeiros missionários evangélicos europeus e americanos em 1850. Em 1948, o Dia da Bíblia teve sua primeira celebração pública, com a fundação da Sociedade Bíblica do Brasil (SBB). Desde então, a data vem sendo comemorada todos os anos, no segundo domingo do mês de dezembro. Além disso, passou a fazer parte do calendário oficial do país através da Lei Federal nº10.335, em 2001.

Cabe, então, a pergunta: O que esse livro repleto de histórias dos mais variados temas tem de tão especial, que a diferencie das demais grandes obras literárias universais e que justifique que lhe seja reservado um dia em sua homenagem? A seguir, uma breve abordagem dessa diferenciação do ponto de vista literário e do ponto de vista da fé cristã.

Há professores que costumam confrontar alunos dizendo: “Vocês ainda acreditam em fábulas onde as serpentes falam?” Uma óbvia referência ao Gênesis, à fé, e à frequente disposição dos discentes em acreditar nas Escrituras. Soa como: “Ei garotos e garotas, vocês precisam crescer e deixar de acreditar em historinhas!” De alguma forma, a dúvida e a autoacusação de irracionalidade assaltam os jovens estudantes. Tal frase costuma produzir crises de fé que, graças a Deus, alguns superam. Com o tempo, encontram alguma literatura que demonstre exatamente o contrário do que aqueles professores tencionavam transmitir.

Uma dessas literaturas é “O grande código”, de Frye Northrop. A primeira vez que nos deparamos com essa obra, fica clara a grandeza literária das Escrituras Sagradas. Mesmo que Northrop analise a Bíblia apenas do ponto de vista literário, a enormidade do aporte das Escrituras para a literatura de todos os tempos, a colocava num pedestal especial. Não havia nada que na literatura universal não tivesse sido já inaugurado nos cânones bíblicos. Por isso, Northrop se referia à Bíblia como: “O Grande Código”, no caso, um código literário.

Além disso, Northrop também faz uma análise mitológica da Bíblia. Ele destaca que a Bíblia deve ser analisada desde um ponto de vista mitológico que por si mesmo faria um cristão fugir de uma aproximação. Isso porque, sob a perspectiva do leigo, um mito é algo inexistente, fantasioso, falso, sem conexão como a realidade, uma espécie de delírio. Mas não é isso que a antropologia entende por mito. Os mitos, do ponto de vista antropológico, podem ser mais reais que a própria realidade, mais verdadeiros que histórias soltas. Como isso é possível? É possível porque eles condensam milhares de histórias reais, numa história breve, de maneira que esta acaba sendo, na realidade, a história de todos nós.

É por isso que as histórias da Bíblia são perenes. Milênios passaram e elas continuam ressoando poderosamente. A Bíblia é a história de todos nós, a história da humanidade. É a história do ser humano tentando se erguer do pó, é a história de seus tropeços e fracassos enquanto tenta se livrar das misérias da sua existência. Resumidamente, trata-se da história humana sendo construída e consumada. Tudo isso é denominado, na literatura e no cinema, “estruturas antropológicas”. Por isso, certos filmes são mais atrativos do que outros, porque exploram essas estruturas que estão no âmago da nossa humanidade. A Bíblia abrange todas elas e as descreve com maestria.

Jorge Luís Borges, o maior poeta da hispano-américa, colocava a Bíblia neste patamar, mesmo sendo ele um agnóstico. Rodney Stark, em “A Vitória da Razão”, tenta mostrar que a vitória do cristianismo, sob a condução da Bíblia, contrariamente àquilo que os detratores pensam, foi a vitória da razão contra a irracionalidade pagã. Dalmacio Negro, em “Aquilo que a Europa deve ao Cristianismo”, descreve vinte ideias/crença que emanam da Bíblia, sem as quais o ocidente seria ininteligível. Zigmunt Bauman ― que está longe de ser um cristão ― quando em seu livro “Amor Líquido” escreve sobre: “amar ao próximo como a si mesmo”, diz que este mandamento bíblico é aquele que nos tirou da nossa animalidade; tirou-nos do instinto animal, da sobrevivência egoísta, e nos elevou em direção do outro, para que nosso instinto não fosse mais importante que nossa convivência. Bauman considera ser este mandamento, um dos maiores elementos civilizatórios.

Mas não só isso, a máxima de Cristo, “a Cesar, o que é de César; e a Deus, o que é de Deus”, é a origem da maior e mais radical divisão do poder na tradição ocidental. Esta divisão tomou forma na célebre “Guerra das investiduras”, que coloca de um lado a “autoridade” e de outro, a “potestade”. Uma divisão tão radical e pedagógica que nos torna conscientes de quando um poder estabelecido se transforma em um poder totalitário.

É surpreendente, dizia René Girard, que algo tão frágil como um livro chamado Bíblia ou algo tão frágil como uma breve história de 12 linhas, como certas parábolas de Cristo, tenha se transformado na rocha sobre as quais muitas civilizações se ergueram. Também é surpreendente como algo materialmente frágil como um livro tenha resistido ao tempo enquanto impérios, monumentos de pedra e reinos poderosos já não existem mais.

Segundo Dalmacio Negro, em 1942, Benedetto Croce recebeu de presente um Novo Testamento. Tempos depois, o filósofo e historiador italiano agradeceu o presente, com as seguintes palavras: “Tenho quase terminado de ler o Novo Testamento [...] Estou profundamente convencido e persuadido de que o pensamento e a civilização moderna são cristãos, uma prossecução do impulso dado por Jesus e por Paulo [...] O cristianismo é a maior revolução que a humanidade já fez”.

Mas, para um homem e uma mulher de fé, esta abordagem literária e de contribuição civilizatória da Bíblia, não bastam para expressar todo o significado das Escrituras, mesmo que as considerações de tal abordagem sejam de tirar o fôlego. Para o discípulo de Jesus, a Bíblia é o registro da Revelação. Além disso, ela é a mesma Palavra de Deus, a logos thou theou. Tal é o apego da pessoa de fé às Escrituras, que bastou que o ilustre teólogo Karl Barth expressasse que “A Bíblia contém a palavra de Deus”, para que isso fosse colocado em questão.

Mas, como o crente chega ao convencimento de que a Bíblia é a Palavra de Deus? Trata-se, segundo Paulo de Tarso, de um dom divino, o mesmo dom dado ao crente referente à pessoa de Cristo. Paulo descreve este ato nos seguintes termos: O Deus que disse: “Que da escuridão brilhe a luz” é o mesmo que fez a luz brilhar no nosso coração. E isso para nos trazer a luz do conhecimento da glória de Deus, que brilha no rosto de Jesus Cristo. Paulo de Tarso está dizendo que, para que Jesus de Nazaré, o menino da manjedoura, o carpinteiro, o mestre itinerante, aquele que morreu numa Cruz, se transforme naquele que revelou a própria essência de Deus, é necessária uma “iluminação interior”. Assim, o Jesus da história se transforma no Cristo da fé.

Idem com as Escrituras. F. Northrop, J.L.Borges, R.Stark, B.Croce, D.Negro e tantos outros enxergam a Bíblia como um livro magnífico; entretanto, o crente, o cristão verdadeiro, contempla nela a própria Palavra de Deus, um livro tão humano e tão divino que somente pode-se chegar à esta certeza por uma iluminação, por um ato criativo interior do próprio autor.

No entanto, não se trata de uma crendice, nem de uma superstição. Bem dizia Anselmo de Canterbury, que a fé não se fundamenta na razão, mas que ela é racional e que a fé sem entendimento é crendice. O crente se depara com indícios racionais que lhe demonstram que aquele livro tão singelo é muito mais do que um livro, assim como aquele carpinteiro de Nazaré é muito mais que um carpinteiro.

O crente percebe essa racionalidade na sua transformação interior, à medida em que crê nas Escrituras como Palavra de Deus e a percebe na sabedoria que lhe impregna, no sentido de eternidade que transmite, na maneira como ela rima com a vida, na forma como transforma o entorno. Do contrário, o que seria do nosso mundo se apenas ignorássemos os Dez Mandamentos? Seria o retorno à barbárie! Então, a Bíblia é racional pela forma como a história vai se encaixando em seu projeto que culmina no Apocalipse, pela forma como a história parece ter sido antecipada em suas folhas, desde a promessa e chegada do Messias, até a consumação da história prevista em seu último livro.

Enfim, Deus seja louvado pela sua Palavra! Celebremos a Bíblia por sua força civilizatória; por seu registro realista da nossa humanidade; pela sua força capaz de gerar civilizações; pela sua precisão em descrever o início, o meio e o fim da história; pelo seu poder em transformar a vida de pessoas em todo o mundo ao longo da história... Celebremo-la, sobretudo, por ser o registro da maior revelação de Deus na história: Cristo. O mundo pode ou não acreditar nele. Mas nós, cristãos, sabemos que Ele é o centro da história de todos nós e sua Palavra, lâmpada para nossos pés e luz para o nosso caminho.

Celebremos a incorruptível, indestrutível, sempre viva Palavra de Deus ― a Bíblia Sagrada!!!

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