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COLUNA

Polêmica papal: críticas do Papa Francisco ao aborto provocam reações intensas na Itália

Críticas do Papa Francisco ao aborto provocam reações intensas na Itália - Imagem: Divulgação / Vatican News
Críticas do Papa Francisco ao aborto provocam reações intensas na Itália - Imagem: Divulgação / Vatican News
Agenor Duque

por Agenor Duque

Publicado em 04/10/2024, às 08h46


As recentes declarações do Papa sobre o aborto reacenderam o debate na Itália, polarizando opiniões entre defensores e críticos da interrupção voluntária da gravidez. A posição da Igreja Católica em relação ao aborto sempre foi clara e inflexível, mas as palavras do pontífice desta vez geraram uma reação particularmente forte de diversos setores da sociedade italiana.

Para muitos, as palavras do Papa refletem o tradicional ensino católico que defende a vida desde a concepção, uma postura que busca proteger os mais vulneráveis. Em resposta às críticas ao posicionamento do pontífice, representantes do clero argumentam que seu discurso não difere dos ensinamentos anteriores da Igreja e que ele está apenas reiterando os valores que ela defende há séculos.

Compreendemos as razões do Santo Padre. O respeito por cada pessoa, pelas suas opiniões, pelas suas crenças, pelas suas escolhas é a parte mais nobre da nossa profissão, que de alguma forma se aproxima do convite à misericórdia repetidamente referido pelo Santo Padre, bem como aos valores expressos pela nossa Constituição. (Declaração de um porta-voz da Igreja em defesa do Papa).

Contudo, para aqueles que estão na linha de frente da defesa dos direitos reprodutivos, as palavras do pontífice soaram como um ataque direto aos profissionais de saúde e às mulheres que optam pelo aborto. Silvana Agatone, membro do comitê científico de uma associação italiana de ginecologistas, classificou as críticas do Papa como "violentas". Segundo ela, os médicos que atuam de acordo com a Lei 194 — que regula a interrupção voluntária da gravidez na Itália — estão, na verdade, salvando vidas. Agatone explicou que, com a implementação dessa lei, o número de abortos e de complicações associadas à prática caiu consideravelmente. Agatone afirmou que:

Aqueles que aplicam a lei 194 estão efetivamente aplicando um dispositivo que salva vidas. Na Itália, há uma redução contínua dos abortos e de complicações em virtude da aplicação da norma. Tudo isto foi possível através dos profissionais que aplicam a lei para a coletividade, não só com a interrupção da gravidez, mas também com a promoção eficaz da contracepção.

O debate sobre o aborto na Itália, como em muitos outros países, envolve uma complexa teia de questões morais, religiosas, políticas e de saúde pública. Além dos profissionais de saúde, diversos políticos também manifestaram seu descontentamento com as declarações papais. Alfredo Antoniozzi, vice-líder dos Irmãos da Itália (FdI) na Câmara, bem como as senadoras Alessandra Maiorino (M5S) e Valeria Valente (PD), expressaram suas críticas abertamente, vendo nas palavras do Papa um retrocesso na luta pelos direitos das mulheres.

O impacto dessas declarações foi ainda mais profundo entre grupos de defesa dos direitos femininos. A fundação italiana Una Nessuna Centomila, que luta pela proteção e pelos direitos das mulheres, expressou surpresa e preocupação com o tom das palavras do Papa, declarando que "a Igreja sempre se opôs ao aborto certamente não é novidade para nenhuma mulher, mas que um Papa em 2024 possa expressar palavras tão violentas contra as mulheres não só nos surpreende, mas nos dói e nos preocupa profundamente", afirmou a fundação que, fazendo eco com outros defensores da prática indiscriminada do aborto, sequer esboçam qualquer preocupação com o outro corpo, o do bebê, corpo este que pertence não à grávida, mas a uma outra pessoa, e que sofre os horrores das formas violentas do assassinato contra si ainda no útero, em nome, muitas vezes, da comodidade e irresponsabilidade daqueles que se expõem à uma gravidez indesejada.

Essa reação negativa é um reflexo de um movimento mais amplo de defesa dos direitos das mulheres (e nunca do bebê, que não pediu para nascer) na Itália e na Europa, onde o direito à interrupção voluntária da gravidez é visto como uma conquista fundamental da autonomia feminina. Para muitos, a crítica do Papa não se limita ao ato do aborto em si, mas é entendida como uma tentativa de controlar o corpo e as decisões das mulheres. E aqui, o corpo do outro, ou seja do bebê, não importa, não é...

Enquanto o pontífice reafirma a posição tradicional da Igreja, os defensores da lei 194 continuam a argumentar que o acesso seguro ao aborto legal é uma questão de saúde pública e que, sem essa proteção, as mulheres correm o risco de recorrer a práticas perigosas e ilegais. Não seria o caso de lançar mão dos recursos contraceptivos bastante diversos atualmente, em vez de irresponsavelmente (como ocorre na maioria das vezes) se expor aos riscos de uma gravidez que não deseja nem pretende levar adiante.

Esse embate entre a moralidade religiosa e os direitos reprodutivos continua a ser uma questão espinhosa e polarizadora, não apenas na Itália, mas no mundo todo. O futuro desse debate dependerá em grande parte de como a sociedade italiana, suas instituições políticas e a Igreja Católica conseguirão encontrar um equilíbrio entre os princípios religiosos e os direitos civis.

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