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Não se pode tripudiar da fé alheia

Netanyahu - Imagem: Reprodução | Instagram - @efenews
Netanyahu - Imagem: Reprodução | Instagram - @efenews
Adriana Galvão

por Adriana Galvão

Publicado em 06/06/2024, às 08h20


O Brasil é um estado laico e a Constituição assegura liberdade de crença e culto. Não se pode afirmar que religiões são perseguidas aqui - em regra, não são. Tampouco é possível dizer que inexistam nestas terras manifestações de intolerância religiosa - elas existem e, na maioria das vezes, decorrem também do preconceito racial.

As vítimas mais frequentes da intolerância religiosa são pessoas negras, adeptas de religiões de matriz africana - o candomblé ou a umbanda. Chamadas pejorativamente de “macumbeiras”, essas pessoas carregam nas costas o peso quadrissecular da escravidão e de suas crenças.

São fartos os relatos de ataques a terreiros de candomblé em vários Estados brasileiros. O caso mais conhecido é do Terreiro de Pai Marcelo, em Dias D’Ávila, na Região Metropolitana de Salvador (BA), 10 vezes vandalizado. O babalorixá protestou diante da conduta das autoridades: “Quando a gente vai registrar uma queixa, eles não querem botar no laudo, na ocorrência, a intolerância religiosa. É um assalto? Uma casa foi invadida 10 vezes e eles não querem entender que isso é intolerância?”.

Ao agir dessa forma, a Polícia baiana parece compartilhar do preconceito que motiva os ataques. Sugere também pretender desenquadrar os autores dos crimes da Lei 14.532 / 23, que, além de equiparar injúria racial e racismo, protege a liberdade religiosa. Seu descumprimento é crime imprescritível e inafiançável.

O Disque 1000, serviço do governo que recebe denúncias desses casos, mostra que em 2018 foram registradas 615 denúncias de intolerância religiosa no país. Em 2023, os registros somaram 1.418, contra todas as religiões aqui praticadas. Os evangélicos, em número bem menor que candomblecistas e umbandistas, também têm sido alvo de preconceito, nem tanto mediante atos violentos, mas como objeto de linguagem pejorativa e piadas que atrelam sua fé à condição social: são, em grande número, moradores de periferias, de baixa renda, baixa escolaridade, e seriam suscetíveis a manipulações de motivação argentária.

Em escala global, de outra parte, muçulmanos e judeus seguem sua trajetória de intolerância mútua - nem falemos dos terríveis conflitos bélicos que se reeditam entre eles. No tocante aos islamitas, propaga-se, especialmente depois do 11 de Setembro nova-iorquino, a falsa relação entre sua religião e o terrorismo, algo extremamente cruel com os verdadeiros seguidores do Alcorão. O absurdo maior ocorre quando se toma organizações como Al-Qaeda e Estado Islâmico como representantes dos muçulmanos.

Quanto ao antissemitismo, a despeito de casos isolados e de declarações infelizes feitas sob o calor do atual conflito em Gaza, o Brasil não lhe tem sido terreno fértil. Diferente é na Europa, onde os judeus são alvo de ataques frequentes em vários países. Talvez a figura ao primeiro-ministro israelense, Benjamin Natanyahu, um político de extrema-direita, não colabore nos dias de hoje em favor dos judeus. Só que os judeus não são ”Netanyahus”. A fé desse povo que sofreu como nenhum outro na História precisa ser respeitada.

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