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COLUNA

A distopia da hiperconectividade

A distopia da hiperconectividade - Imagem: Freepik
A distopia da hiperconectividade - Imagem: Freepik
Adriana Galvão

por Adriana Galvão

Publicado em 10/01/2024, às 07h54


A tecnologia cria facilidades, acelera processos, promove conforto e até saúde. Pode substituir o ser humano em várias situações, como a Inteligência Artificial tem demonstrado. Desde que seja atalho para uma vida melhor, a tecnologia é bem-vinda. Quando molda o comportamento das pessoas ao ponto de escravizá-las, passa a ser deletéria.

A face tecnológica mais proeminente certamente está no campo da comunicação. A internet concretizou e ampliou aquilo que o filósofo canadense Marshall McLuhan denominou “aldeia global” na década de 1960. Temos o mundo na palma da mão e esse mundo parece nos chamar ininterruptamente. É pelo smartphone que conversamos com amigos e familiares, fazemos contatos de trabalho, solicitamos serviços, fazemos compras, pagamos nossas contas, acionamos meios de locomoção, checamos as últimas notícias. A telinha contém tudo, até o poder de comprometer nossa saúde mental.

A dependência do smartphone - e em menor grau do tablet ou do desktop - alcança níveis pandêmicos. Convivemos com o medo de, por algum incidente, não termos o aparelhinho à mão e depararmos com uma situação de desconexão - o nome disso é nomofobia. Sofremos de hiperconectividade, fator causador de doenças mentais, se não ela própria uma psicopatologia.

Estar “disponível” - conectada - 24 horas por dia é a característica central da pessoa que sofre de hiperconectividade. Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, esse indivíduo sente necessidade de olhar a todo momento as notificações e responder mensagens, portanto seu celular é posicionado ao lado dos talheres na hora das refeições. Durante o sono, o aparelho fica ao lado da cama e é consultado no meio da noite.

Essa condição - uma clara forma de escravização -, como já demonstrado pela medicina e a psicologia, leva a estresse, irritabilidade, ansiedade, agressividade, falta de concentração, baixa qualidade do sono, dores de cabeça, desconforto nos olhos. Muitas vezes, a hiperconectividade relaciona-se com a depressão, potencializando-a.

As redes sociais são protagonistas dessa realidade doentia: sentimos medo de ataques e julgamentos por causa de nossas postagens, sentimo-nos cobrados para que permaneçamos on-line, sentimo-nos ansiosos por comentários em nossas postagens (a falta de elogios é frustrante), sentimo-nos diminuídos diante de “realidades” mais floridas, felizes e prósperas que a nossa. Vamos a um evento e, caso ele não se mostre “instagramável”, é como não tivesse acontecido.

Vivemos uma distopia, em que os prazeres e os contratempos da vida só de dão em ambientes virtuais? Estamos proibidos de um bate-papo olho no olho e condenados a conversar com os amigos apenas em grupos de WhatsApp? Seremos indivíduos obsoletos se dedicarmos algumas horas a ler um livro (de papel)?

Em nome da saúde mental, precisamos regular o tempo que passamos on-line, sem prejuízo das relações de trabalho, claro está. Fará bem à vida se realizarmos algumas tarefas fora da internet, frequentarmos mais o cinema e o teatro, deixarmos o smartphone em casa quando formos à academia ou correr na rua. Será salutar se consultarmos o celular depois do café da manhã, não no exato instante em que abrimos os olhos.

Não pode ser saudável um mundo em que pessoas atravessam a rua com a cara fixa no celular, sujeitas a tropeções e atropelamentos. A que ponto chegamos!


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