Em meio a uma pandemia global, uma crise econômica devastadora, uma explosão sem precedentes no número de refugiados e o início de um novo normal de conflitos
Redação Publicado em 16/09/2020, às 00h00 - Atualizado às 08h21
Em meio a uma pandemia global, uma crise econômica devastadora, uma explosão sem precedentes no número de refugiados e o início de um novo normal de conflitos crescentes entre Estados Unidos e China na disputa pela hegemonia global, a Assembleia Geral das Nações Unidas se reúne esta semana para tratar dos grandes desafios mundiais durante a celebração dos 75 anos da Organização das Nações Unidas (ONU).
As circunstâncias não são muito diferentes daquele ano em que a ONU foi fundada. O final da Segunda Grande Guerra revelou as maiores atrocidades já praticadas na História. Do holocausto ao emprego letal de bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, o mundo sobreviviao seu período mais sombrio. Dos devaneios expansionistas de Hitler aos horrores impostos em campos de concentração, com a perseguição a judeus, ciganos, Testemunhas de Jeová, homossexuais, comunistas e maçons, não há dúvida de que o mundo retrocedera substancialmente na sua jornada.
Mas, como bem ensinou Victor Hugo, “até a noite mais escura vai acabar e o sol nascerá”. E assim foi: das ruínas da II Grande Guerra, nasceu aquela que seria a principal força motriz entre as nações amantes da paz. No auditório do Teatro Herbst, em São Francisco, no Estado da Califórnia, delegados de 50 nações assinaram a Carta das Nações Unidas em 26 de junho de 1945, que entrou em vigor em 24 de outubro do mesmo ano. Seu objetivo era evitar o flagelo da guerra. A ideia perseguida pelos Aliados era criar um sistema de colaboração internacional para manter a paz e segurança coletiva. Para tanto, cinco países atuariam como a polícia global – o conhecido Conselho de Segurança, composto por China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia – e evitar o mesmo destino de fracasso incorrido pela Sociedade das Nações, que lhe antecedera.
Este foi o princípio das Nações Unidas. Cristalizando três princípios fundamentais, como a renúncia à guerra por expansão territorial, a autodeterminação dos povos e a consolidação dos direitos humanos, aqueles 50 paísessignatários revolucionaram e reverteram o curso da História. Durante os próximos 75 anos, a ONU foi responsável por impedir que retrocessos maiores acontecessem. Nem sempre com sucesso. Mas com resultados incontestavelmente superiores ao passado.
A despeito dos desafios atuais, os 193 países-membros têm de manter acesa a missão das Nações Unidas, cuja contribuição tem sido essencial na construção dasociedade internacional. Infelizmente, no entanto, temos visto uma deterioração na efetividade e na relevância das Nações Unidas. Hoje, a ONU se encontra mais enfraquecida. Não deveria ser o caso. Mais do que nunca, há a necessidade de cooperação para o bem comum.
Os desafios atuais da humanidade, também conhecidos como problemas sem passaporte, como pandemias, segurança cibernética, terrorismo, pirataria, dentre outros, requerem concertação global, particularmente quando se busca a criação de bens públicos globais, com o seu compartilhamento equitativo.Qual país, sozinho e isolado, tem condições de enfrentar esses desafios?Como combater esses desafios que não respeitam fronteiras e atingem todas as camadas da sociedade?
Num momento assim, é uma lástima encontrarmos, no Brasil e no mundo, uma quantidade de lideranças políticas que tentam vilipendiar o impressionante legado das Nações Unidas sob a alegação de falta de legitimidade e do medo de uma eventual governança global. Estes rompantes contrários às Nações Unidasjamais vêm acompanhados por soluções que consigam alguma equivalência à contribuição fundamentalrealizada pela ONU. Até mesmo os mais críticos de outra instituição, a Organização Mundial de Saúde – em razão de equívocos cometidos durante a pandemia do COVID-19 – não oferecem ideias ou instrumentos que possam alcançar, ainda que minimamente, resultados que façam sombra às contribuições já realizadas.
Vivemos dias turbulentos e imprevisíveis. Disputas mais intensas estão reavivando. Desengajamentos estão ocorrendo. Guerras comerciais vêm-se tornando realidade. Grandes são os desafios e muitas asoportunidades. Para tanto, é necessário realinhar perspectivas, estratégias e alianças, com inovação e criatividade. Este é o papel fundamental das Nações Unidas no século XXI.
Nos Estados Unidos, o Chefe da Missão do país na ONU é uma posição do Gabinete Presidencial. Talvez fosse o caso de o Brasil fazer o mesmo para, efetivamente, começar a valorizar a organização. O Brasil deve ter claro o que pretende oferecer ao mundo como potência global, com uma agenda clara de seus objetivos, interesses e alianças. Além disso, deveria, efetivamente, ajudar a ONU a continuar em sua inestimável missão de manter a paz mundial. Certamente, esse seria um objetivo muito mais nobre, afinal, a paz é o que mais necessitamos.
Marcus Vinicius de Freitas:
Professor de Direito e Relações Internacionais, na Universidade de Relações Exteriores da China
Twitter/Instagram: @mvfreitasbr
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