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Ex-dependente químico troca 20 anos de vício em crack por corrida: ‘Pensei no meu filho’

Quando se viu à beira da morte após 20 anos usando crack, um morador de São José do Rio Preto (SP) decidiu, literalmente, mudar de vida correndo.

Ex-dependente químico troca 20 anos de vício em crack por corrida: ‘Pensei no meu filho’
Ex-dependente químico troca 20 anos de vício em crack por corrida: ‘Pensei no meu filho’

Redação Publicado em 24/03/2018, às 00h00 - Atualizado às 19h34


Quando se viu à beira da morte após 20 anos usando crack, um morador de São José do Rio Preto (SP) decidiu, literalmente, mudar de vida correndo.

Há um ano longe da droga, o encanador Wagner Marques dos Santos, 40 anos, conta que encontrou na corrida de rua sua salvação. No esporte, ele está se superando e quebrando seus próprios recordes. O principal deles é o “mais um dia” sem consumir a droga.

Wagner lembra que a motivação para deixar as duas décadas de dependência química foi o mau exemplo que passava para o filho.

“No dia em que beirava a morte, no banheiro de casa, pensei no meu filho chorando e contando aos amigos que o pai havia morrido por fumar crack.”

Sem condições de pagar um tratamento, a alternativa que encontrou foi começar a correr. No início, o encanador conta que colocava uma das únicas peças de roupa que tinha e corria pelo Jardim Arroyo, zona norte de Rio Preto.

Ex-dependente químico supera 20 anos de vício em crack através do atletismo

Ex-dependente químico supera 20 anos de vício em crack através do atletismo (Foto: Marcos Lavezo/G1)

“Comecei a perceber que a sensação me fazia esquecer o crack. No entanto, ainda sentia vontade. ”

Segundo Wagner, conseguir transformar seu cotidiano sem um tratamento específico foi a conquista mais difícil. “Eu mal me alimentava. Não gostava de tomar banho, parecia um bicho. Agradeço muito ao esporte e aos amigos que continuam me ajudando.”

Ao G1 ele diz que depois de começar a correr diariamente, passou a se sentir melhor. E o passo seguinte foi competir pela primeira vez em uma corrida de rua.

Correndo de calça e botina

Wagner lembra que uma amiga pagou a inscrição para uma meia maratona e, no dia, os olhares voltados a ele eram de incompreensão, pois, por falta de condições financeiras, usava calça social e botina para percorrer uma distância de 21 quilômetros.

“Eu olhava o pessoal vestindo aquelas roupas “engraçadas” e não conseguia entender porque se vestiam daquela forma. Na minha cabeça a necessidade de usar roupas apropriadas era pura frescura”, brinca.

Durante a corrida, os outros competidores o incentivaram e torceram por ele. Ao terminar a prova, decidiu que iria continuar treinando para esquecer o crack.

“O pessoal olhava eu correndo e gritava: vai guerreiro, não desiste nunca. Parece que eles sabiam que eu precisava muito daquelas palavras”, relembra.

Foi entre as provas e os treinos de corrida que Wagner conheceu o seu atual educador físico, Rafael Santos, que o convidou a fazer parte de um grupo de corrida, formado pela assessoria esportiva que montou. “Sinto-me extremamente feliz, é como se fosse minha família. Estou rodeado de pessoas que querem meu bem e se preocupam comigo”, diz Wagner.

Perto da morte duas vezes

Wagner relata que os anos dedicados ao vício quase o levaram a morte. “Por duas vezes não morri porque não era a hora. Lembro como se fosse hoje. Na segunda, decidi tentar parar pelos meus filhos. Minha consciência pesou”, relembra.

Nascido em 1977, na cidade de São Paulo, ele nunca conheceu a mãe, tampouco o pai. Foi criado pela a tia-avó e desde pequeno trocou as brincadeiras de crianças pelos pedidos de esmola nos faróis e ruas. “Naquela época não havia alternativa. Tinha que conseguir dinheiro e levar para casa”, diz.

Ao passar mais tempo na rua do que em outro lugar, conviveu com usuários de drogas e chegou a ser internado em um orfanato, no entanto, conheceu o crack quando chegou a São José do Rio Preto.

“Comecei a usar por decisão minha, olhava todo mundo usando e pensei que não faria mal. Pior atitude que tomei em toda minha existência”, lamenta.

Wagner corre com seu educador físico e amigo na represa de Rio Preto (Foto: Marcos Lavezo/G1)

Wagner corre com seu educador físico e amigo na represa de Rio Preto (Foto: Marcos Lavezo/G1)

Resultados positivos

Hoje, Wagnão, carinhosamente apelidado pelos companheiros, sai da empresa onde trabalha como encanador e vai até a represa de Rio Preto treinar.

Os resultados refletem não apenas nos dias longe do crack, mas também nas premiações que ganhou competindo. “Já participei de muitas corridas. Inclusive duas meias maratonas e duas São Silvestre. Na São Silvestre consegui ficar entre os 700 primeiros de 30 mil inscritos”, relata.

Além das conquistas, o atleta construiu a própria casa, no Jardim Arroyo, com o dinheiro que ganhou trabalhando como encanador. “Eu fui construindo devagar. Ganhava um pouco de dinheiro e comprava os materiais.”

‘Quero mais’

Indagado sobre qual era seu sonho, ele nem precisou pensar muito para afirmar ao G1: “Um dos meus sonhos já está realizado. Estou longe das drogas, trabalhando. Agora, meu objetivo é começar a treinar para competir no triatlo.”

Contudo, permanecer sóbrio ainda é a maior competição de Wagnão. A vontade de fumar permanece quase intacta.

“É um processo difícil, o vício é muito grande. Luto um dia por vez. Estou correndo, estou suando, mas quando chego em casa, às vezes, ainda sinto vontade”, finaliza.

Wagner e  Rafael correm juntos na represa municipal de Rio Preto  (Foto: Marcos Lavezo/G1)

Wagner e Rafael correm juntos na represa municipal de Rio Preto (Foto: Marcos Lavezo/G1)

*Sob supervisão de Marcos Lavezo

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