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Arbitragem pode virar dor de cabeça

Ao mesmo tempo em que se populariza como ferramenta para resolução de conflitos no Brasil, a arbitragem está se transformando em um problema para muitas

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Redação Publicado em 18/08/2021, às 00h00 - Atualizado às 08h26


Renúncia de árbitro em caso bilionário expõe como conflitos de interesse enfraquecem “justiça privada”

Ao mesmo tempo em que se populariza como ferramenta para resolução de conflitos no Brasil, a arbitragem está se transformando em um problema para muitas empresas e até mesmo pessoas físicas. Para fugir da morosidade da Justiça e poder indicar árbitros especializados para julgar seus conflitos, muitos têm incluído cláusulas prevendo arbitragens para resolver eventuais disputas. Grandes empresas, no entanto, começam a evitar a inclusão dessa cláusula devido a fatores como a demora nos julgamentos e os constantes conflitos de interesse dos árbitros.

Um levantamento da consultoria Arbipedia, especializada em arbitragem, mostra que muitos desses processos estão sendo anulados depois pela Justiça: 19% das ações anulatórias foram julgadas procedentes em segunda instância.

As arbitragens já são comuns em grandes contratos, mas até mesmo grandes corretoras de imóveis estão adotando a arbitragem como padrão em seus contratos de aluguel de imóveis residenciais, entre pessoas físicas. Por isso, o impacto das anulações e a crise de confiança nas arbitragens pode afetar parcelas cada vez maiores da população.

Por trás das anulações, um dos maiores motivos é a suspeição de árbitros. Segundo levantamento realizado nas 1ª e 2ª Varas Empresariais da Justiça de São Paulo, 28% dos processos relacionados arbitragens são pedidos de anulação.

Essa tendência ganha força com a recente renúncia do árbitro Anderson Schreiber na disputa pela compra da Eldorado Brasil Celulose. Uma ação que pede a nulidade dessa arbitragem se baseia, entre outros argumentos, no fato de Schreiber ter omitido que mantinha escritórios conjuntos com a banca de advogados e testemunha de uma das partes do caso.

Segundo a revista Veja, que revelou a renúncia no domingo (15), o mercado de arbitragem está “em polvorosa”. “Sua renúncia é especialmente grave não apenas pelo tamanho da disputa, de R$ 15 bilhões, mas também pelo fato de Schreiber ser um dos árbitros mais ativos do país, participando de dezenas de arbitragens a cada ano”, afirma um advogado especializado em arbitragens, sob condição de anonimato.

Em sua carta de renúncia, apresentada no último sábado (14), Schreiber confirma os fatos apontados na ação anulatória, mas alega que não tinha obrigação de revelá-los. Pela Lei Brasileira de Arbitragem, os árbitros são obrigados a revelar às partes qualquer fato capaz de gerar dúvida sobre sua independência e imparcialidade. Para Schreiber, o fato de o escritório que levava seu nome ter dividido endereços, telefones, funcionários, despesas e casos com os advogados e testemunha de uma das partes no Rio de Janeiro e em São Paulo não seria capaz de gerar essa dúvida.

Além de ferir a lei de arbitragem, uma omissão de revelação de um árbitro pode configurar crime de falsidade ideológica, de acordo com o artigo 299 do Código Penal: “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar (…) com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.

Desde 30 de julho, uma liminar suspendeu a transferência de controle da Eldorado determinada pelo tribunal arbitral do qual Schreiber fazia parte. A decisão, da 2ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), foi unânime. Para os desembargadores, segundo acórdão publicado no Diário Oficial, “a nódoa imputada à atuação do julgador contratado ostenta caráter danoso objetivo e está sugestionada de forma suficiente”.

O mérito do processo, no entanto, ainda será julgado na 1ª instância. A fase de produção de provas e de depoimentos poderá trazer novos elementos ao caso, tanto em relação aos conflitos de interesse de Anderson Schreiber quanto a outros motivos do pedido de anulação.

Entenda o caso

A disputa que dá pano de fundo ao caso Schreiber começou em 2018. O grupo brasileiro J&F Investimentos havia firmado um contrato de venda da Eldorado Brasil Celulose com a empresa sino-indonésia Paper Excellence, em 2017. Decorridos os 12 meses previstos no contrato para a conclusão do negócio, os compradores não haviam liberado as garantidas dadas pela J&F nas dívidas da Eldorado, nem haviam pagado pelos 51% que ainda não tinham comprado na empresa. A J&F encerrou o contrato, mas a Paper Excellence alegou que os vendedores haviam dificultado a conclusão do negócio.

O contrato previa a resolução de conflitos em arbitragem. Cada parte indicou um árbitro e juntos, os dois indicaram um terceiro para ser o presidente do tribunal. A Paper Excellence indicou, por meio do escritório Stocche Forbes, o advogado Anderson Schreiber. Na ação anulatória, a J&F apontou que a banca Schreiber Domingues Lins e Silva (atual Domingues Cintra) dividia seus endereços em São Paulo e no Rio de Janeiro com o próprio Stocche Forbes, além de demonstrar que sócios dos dois escritórios atuavam constantemente juntos em vários casos judiciais.

Além disso, a J&F aponta na ação que a sentença arbitral extrapolou seus limites legais e que sofreu uma grave espionagem ao longo da arbitragem, por meio da qual os e-mails trocados internamente e com seus advogados foram ilegalmente acessados, o que impediu a sua defesa adequada no caso. A espionagem é investigada pela polícia.

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