Kleber Carrilho Publicado em 24/12/2022, às 08h13
Uma das características mais interessantes que a humanidade tem é o poder de representação. Coisas reais passam a ser contadas, mostradas, estudadas em pequenos tabuleiros, mesas, quadras e campos. Na minha percepção (e de muita gente), foi para isso que inventamos os jogos.
O xadrez, o mais nobre dos jogos, é sempre associado com quem tem capacidade de olhar para o longo prazo, para o futuro, para um grande número de jogadas que estão por vir. Ele é jogado com paciência, tempo controlado e silêncio. O que vale é a estratégia. Há um único elemento de sorte, no início da partida, quando se decide quem vai jogar com as brancas, e por isso tem o primeiro movimento. O resto é competência.
Usando o mesmo tabuleiro, mas com muito menos necessidade de pensar estrategicamente, está o popular jogo de damas. Não há pensamento de longo prazo, somente a ideia de chegar ao outro lado, atropelando o que tem pela frente. Na política brasileira, pouca gente joga xadrez, muita gente joga damas.
Mas existem elementos na política que fogem dos jogos anteriores, e aí vale a pena falar das cartas. Uso dois aqui para comparar: o pôquer e o truco. Tanto um quanto o outro têm uma necessidade: o blefe. Porém, no pôquer, o jogo é tenso, dramático, enigmático. A ideia é sempre entender, pelos olhos e pelas atitudes do oponente, se ele realmente tem as cartas que parece dizer que tem. Claro que o elemento estratégico e a capacidade de observar o cenário (as cartas) é importante, mas o essencial é saber ler o adversário.
Já o truco é o jogo amigável, de boteco, em que vale gritar, bater a carta na testa do adversário, e o blefe é quase sempre acompanhado por uma cerveja. Joga-se e bebe-se, e por isso o blefe nem sempre é tão blefe assim.
Na política brasileira, tanto o pôquer quanto o truco são jogados. O pôquer, nas altas rodas de Brasília, costuma cobrar caro pelas derrotas. Se não houver competência na leitura do cenário e das atitudes dos adversários, a possibilidade de perder tudo é grande.
Por isso, não adianta blefar sem cartas e achar que o adversário vai acreditar. Dilma Rousseff apostou alto contra Eduardo Cunha, sem conhecer as regras do jogo em uma mesa de profissionais, e perdeu o cargo. Lula, um exímio jogador de truco e damas, que sempre teve ao lado grandes jogadores de xadrez e pôquer (com quem aprendeu muito), compreendeu as regras, mas está pressionado para fazer apostas mais arriscadas.
Veremos o que pode acontecer nos próximos meses. Embora pareça estar em vantagem, o limite que o novo-antigo presidente tem para apostar não é tão alto. Portanto, a não ser que acerte muito nas rodadas iniciais do governo, pode ter surpresas desagradáveis. Afinal, Lira, Alexandre de Morais e Alckmin estão jogando. E, embora sejam agora parceiros, podem se virar contra Lula se houver oportunidade.
Ficamos aqui de olho nos próximos lances.