COLUNA

População armada é sinônimo de insegurança pública

Imagem ilustrativa - Imagem: Reprodução / Freepik

Adriana Galvão Publicado em 28/08/2024, às 08h39

É infundado o argumento de que armar as pessoas lhes garante segurança. Trata-se de uma dedução falsa, que mal disfarça a intenção de transferir para o cidadão a responsabilidade estatal da segurança pública. Facilitar e estimular a aquisição de armas parece-nos, também, uma dentre muitas ações em curso que objetivam transformar o Brasil num país de justiceiros. Note-se que os arautos do armamento da população, em geral, são os mesmos que apregoam a desgastada frase “bandido bom é bandido morto”, que defendem a pena de morte e que cogitam cadeia para meninas que abortam.

Pouco se viu na imprensa sobre a aprovação, no dia 14 de agosto, pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, de um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que anula partes do Decreto 11.615 / 2023, o qual restringe a aquisição, a posse e o porte de armas, em oposição às facilitações decretadas pelo governo anterior. O decreto que a CCJ quer derrubar - via PDL relatado pelo senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) - é fruto de intenso debate entre Governo Federal, Polícia Federal, Exército, Ministério Público, organizações de segurança pública e CACs (caçadores, atiradores desportivos e colecionadores).

Importante destacar que, após o Decreto 11.615, os novos registros de armas no país caíram de 114.044 em 2022 para 20.822 em 2023. A marca deveria ter sido efusivamente comemorada por todos que acreditam que menos armas significam menos mortes - e isso resta cientificamente comprovado por pesquisas desenvolvidas no Brasil, constantes de relatórios de credibilidade como Mapa da Violência, Atlas da Violência e Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Armas matam, menos armas matam menos, mais armas matam mais. O mundo toma tal consciência. Nos Estados Unidos, onde os estados possuem autonomia legislativa sobre a questão, após 10 anos da adoção de leis permissivas o aumento dos crimes violentos foi 15% maior nos estados mais flexíveis quanto à posse de armas, segundo estudo do National Bureau of Economic Research. Em 2017, o Injury Prevention Journal publicou o resultado de um trabalho baseado nas respostas a questionários por sociólogos, criminologistas e pesquisadores da área da saúde de vários países sobre o tema “armas de fogo e violência” - dos 109 respondentes, 90% discordaram da afirmação de que o porte de armas por cidadãos comuns tem efeito positivo sobre a segurança pública.

Números são frios, mas por trás deles escondem-se tragédias humanas. Uma arma dentro de casa pode potencializar casos de violência doméstica, especialmente contra mulheres. Um amplo estudo divulgado em março de 2024 pelo Instituto Sou da Paz, baseado em dados do Sistema Único de Saúde, cobrindo 10 anos - 2012 a 2022 -, mostrou que cerca de 40% das mulheres assassinadas por arma de fogo sofreram o crime dentro de casa. Diante da constatação, a diretora-executiva do Sou da Paz, Carolina Ricardo, declarou: “A gente sabe que a maior flexibilização de circulação, essas armas nas residências, elas acabam contribuindo, sim, para a morte de mulheres. Portanto, reduzir a circulação de armas de fogo é um fator importante. O machismo, aliado a situações de violência doméstica, aliado à arma de fogo, só aumenta a vulnerabilidade da mulher, a violência doméstica”.      

Uma arma em casa também pode significar um desfecho triste na vida de um adolescente, este cada vez mais vulnerável a grupos de ódio na internet, tanto mais quando objeto de bullying na escola ou em outros ambientes em que preconceitos recrudescem.

Vale lembrar o ocorrido em outubro de 2023 na Escola Estadual Sapopemba, na Zona Leste de São Paulo, na qual um aluno entrou com um revólver calibre 38 nas mãos, matou uma estudante de 17 anos e feriu outras três pessoas. A arma e a munição foram obtidas numa gaveta na casa do pai pelo jovem ensandecido.  Aos 16 anos, ele era vítima frequente de bullying por ser homossexual, já tendo registrado boletins de ocorrência na Polícia por agressões sofridas e ameaças pela internet.

Porte de Armas Arma brasil COLUNA Adriana Galvão

Leia também