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Amoralidade e Corrupção

Por Marcus Vinicius de Freitas

Amoralidade e Corrupção
Amoralidade e Corrupção

Redação Publicado em 11/05/2022, às 00h00 - Atualizado às 08h21


Por Marcus Vinicius de Freitas

Amoralidade e Corrupção

A eleição de Ferdinand “Bongbong” Marcos, filho do antigo ditador filipino, Ferdinand Marcos, um dos mais corruptos da história global, que ficou no poder por 21 anos e foi deposto há trinta e seis anos, e cuja esposa, Imelda Marcos, ficou reconhecida internacionalmente pela coleção recordista de mais de três mil sapatos de marcas luxuosas, evidencia uma tendência global quanto ao posicionamento do eleitorado sobre corrupção.  Esperava-se que a família Marcos entrasse para o lixo da história depois da revolução popular. Não ocorreu. Além disso, Imelda logrou eleger-se quatro vezes como membro do parlamento filipino.

A eleição de Iris Xiomara Castro Sarmiento, esposa do corrupto ex-presidente hondurenho, Manuel Zelaya, em 2021, instalada no poder desde janeiro de 2022, também comprova o fato de que, apesar dos escândalos que culminaram com a deposição do marido, também na América Latina se repete o fenômeno de elegerem-se pessoas envolvidas com escândalos de corrupção.  É folclórico o caso do mexicano, Hilário Ramirez, que até mesmo admitiu haver roubado “só um pouco”, quando prefeito de San Blas, entre 2008 e 2011. Em sua candidatura à reeleição em 2014, Ramirez chegou a afirmar que “o que ele roubou com uma mão, ele deu aos pobres com a outra”.

Estes são alguns dos vários relatos mundo afora quanto à corrupção. A impressão é de que o eleitor, independemente do posicionamento ideológico, tem uma elevada flexibilidade moral, aceitando eleger ou reeleger candidatos reconhecidamente corruptos. No passado, acreditava-se que tal fenômeno ocorria por falta de informação do eleitor quanto ao candidato corrupto. No entanto, com o advento da Internet e das mídias sociais a alegação do desconhecimento não é suportada pela realidade atual.  Trata-se de um dos paradoxos da política: embora a corrupção seja altamente criticada, políticos corruptos, por outro lado, conseguem eleger-se e reeleger-se com relativa facilidade em razão do perdão coletivo do eleitorado.

Três são as possíveis explicações relativas a esta situação. Em primeiro lugar, a corrupção não constitui um elemento fundamental na cabeça do eleitor na hora em que ele vai votar. Nos Estados Unidos, candidatos reconhecidamente corruptos, perderam, no máximo cinco a dez porcento da sua base eleitoral comparada a anos anteriores. Isto se deve a um certo grau de cinismo do eleitor que parte do pressuposto equivocado de que como todos os políticos são corruptos, o candidato que está recebendo o voto não poderia ser diferente da máquina na qual atuará. Como prova disso,  nota-se a situação de baixa penetração eleitoral que candidatos símbolos do combate à corrupção obtém, com enormes dificuldades para se viabilizarem eleitoralmente.

Em segundo lugar, diante da polarização observada em vários pleitos eleitorais, a alegação de corrupção parece ser mais uma estratégia política de difamação e de ataque pessoal. Na perspectiva do eleitor, trata-se mais de uma alegação do que a realidade dos fatos, apesar de judicialmente comprovados, em muitos casos. Em terceiro, o eleitor adota uma postura de barganha, em que leva em consideração mais os resultados do candidato do que o seu comportamento corrupto. É o famoso “rouba mas faz”, de Ademar de Barros, que se perpetuou como uma realidade não somente no Brasil, porém global.

É esta terceira perspectiva uma das mais prevalentes na decisão eleitoral. Ao comparar cenários, o eleitor – muitas vezes saudosista de um momento econômico melhor – escolhe aquele que, por maior que tenha sido o seu passado corrupto, entende que os resultados alcançados no período poderiam reproduzir-se, uma vez mais, no presente e futuro. O eleitor não busca santos ou incorruptiveis para eleger, mas sim políticos pragmáticos e que resolvam seus problemas. Para tanto, o eleitor está disposto a pagar o custo da corrupção.

É muito raro que políticos que tenham sido descobertos em suas falcatruas corruptas venham a distanciar-se da atividade política. De fato, acontece até um maior enraizamento, com a criação de dinastias políticas, que passam a tratar da coisa pública como se privada fosse, com um forte senso de direito adquirido. A questão da honra – muitas vezes observada em alguns casos na Ásia, raramente encontram eco no mundo ocidental.

Assim, é fato, que o eleitor ignora o enorme custo que a corrupção representa para um país, não levando em consideração o desgaste de imagem global e até na moralidade familiar. A corrupção, que tem um impacto enorme sobre a a administração pública ameaça a qualidade do desenvolvimento dos países.

O ideal seria os partidos políticos criarem um processo de depuração na apresentação dos seus candidatos, inclusive com punição às legendas que não se preocupassem em apresentar melhores quadros à disputa eleitoral. O pecado dos partidos é a repetição constante de nomes em razão do reconhecimento do eleitorado: corrupto ou não, o que importa é a votação é não o caráter do candidato. O eleitor parece apaixonado pelo político corrupto. É similar à síndrome de Estocolmo, só que ao invés de sequestradores, o relacionamento afetivo é com o político corrupto.

As sociedades têm-se lentamente tornado amorais, a corrupção aceita, e com o passar do tempo até mesmo banalizada. Nesta distorção de valores  tolo é aquele que deixa passar a oportunidade para locupletar-se com dinheiro público e levar vantagem. É assim que os Marcos retornam ao poder nas Filipinas. E outros iguais vão retornando ao poder em outras partes do mundo. A honestidade, que é uma das maiores virtudes, está morrendo de inanição.

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*Marcus Vinícius De Freitas
Professor Visitante, China Foreign Affairs University
Senior Fellow, Policy Center for the New South
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