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Por que meu trabalho como prostituta me levou a ser contra a descriminalização da prostituição

Durante a maior parte de sua vida como prostituta na Nova Zelândia, Sabrinna Valisce fez campanha pela descriminalização do sexo pago.

Por que meu trabalho como prostituta me levou a ser contra a descriminalização da prostituição
Por que meu trabalho como prostituta me levou a ser contra a descriminalização da prostituição

Redação Publicado em 06/10/2017, às 00h00 - Atualizado às 08h02


Durante a maior parte de sua vida como prostituta na Nova Zelândia, Sabrinna Valisce fez campanha pela descriminalização do sexo pago.

Mas quando a prostituição foi finalmente legalizada no país, ela mudou de opinião e agora argumenta que homens que pagam pelos serviço deveriam ser processados.

Julie Bindel, da BBC, conta sua história:

Quando Sabrinna Valisce tinha 12 anos, seu pai se suicidou. A morte mudou sua vida completamente. Num espaço de dois anos, sua mãe se casou novamente e sua família se mudou da Austrália para Wellington, capital da Nova Zelândia, onde ela diz ter entrado em depressão.

“Fiquei muito infeliz”, diz Valisce. “Meu padrasto era violento, e não havia ninguém com quem podia falar”, acrescenta.

Valisce sonhava em tornar-se uma dançarina profissional e chegou a dar aulas de balé clássico durante a hora do almoço na escola, que eram tão populares que eram frequentadas por um grupo de dança local famoso, chamado Limbs.

Mas, em poucos meses, Valisce viu-se nas ruas, fazendo sexo para sobreviver.

Caminhando pelo parque ao voltar para casa da escola, um homem ofereceu-lhe US$ 100 (R$ 314) por um programa.

Valisce aceitou e usou o dinheiro para fugir de Auckland, onde se hospedou na filial local da Associação Cristã de Moços (YMCA em inglês), ONG internacional dedicada aos jovens.

“Tentei pedir ajuda para alguém de uma cabine telefônica, mas a linha estava ocupada, então esperei do lado de fora”, recorda ela.

“A polícia me parou e me perguntou o que eu fazia. Respondi: ‘Estou esperando para usar o telefone'”, acrescenta.

Os policiais disseram que ninguém estava usando o telefone, então não havia razão para que eu esperasse do lado de fora.

“Eles me revistaram, buscando camisinhas em meus pertences. Achavam que eu era prostituta porque a YMCA ficava atrás da Karangahape Road, uma famosa área de prostituição.”

Valisce foi até a Karangahape Road e pediu ajuda a uma das prostitutas.

Ela apontou dois becos onde Valisce poderia trabalhar. “Ela também me deu uma camisinha, me falou sobre os valores e me aconselhou a fazer com que os homens tivessem de lutar pelos serviços que eu estava preparada para fazer, para evitar ter de lutar contra os serviços que não estava preparada para fazer. Ela foi muito gentil. Era natural de Samoa (ilha no Pacífico), muito jovem para estar ali, mas claramente trabalhava como prostituta havia muito tempo.”

Em 1989, depois de dois anos nas ruas, Valisce visitou o Coletivo de Prostitutas da Nova Zelândia (NZPC, na sigla em inglês) em Christchurch.

“Estava buscando apoio, talvez para abandonar a prostituição, mas tudo o que me ofereceram foram camisinhas”, diz ela.

Ela também foi convidada para participar do happy hour de queijos e vinhos do coletivo realizado nas noites de sexta-feira.

“Elas começaram a falar como se incomodavam com o estigma contra as trabalhadoras do sexo e que a prostituição era um trabalho como outro qualquer”, lembra Valisce.

Isso deu certa paz de espírito a Valisce.

Ela tornou-se a coordenadora da sala de massagem do coletivo e uma aguerrida defensora da campanha pela descriminalização completa de todos os aspectos da prostituição, incluindo o proxenetismo (conhecido popularmente como cafetinagem).

“Para mim, era como se uma revolução estivesse acontecendo. Estava tão empolgada sobre como a descriminalização tornaria as coisas melhores para as mulheres”, diz Vanisce.

A prostituição acabou legalizada em 2003, e Valisce compareceu a uma festa organizada pelo coletivo.

Mas, em pouco tempo, ela ficou desiludida.

A lei permitiu a bordéis operar como negócios legítimos, um modelo frequentemente considerado como a opção mais segura para mulheres envolvidas em sexo pago.

No Brasil, desde 2002, a prostituição não é considerada um crime. A atividade é reconhecida pelo Ministério do Trabalho como uma ocupação profissional, mas ainda não é regulamentada.

Na Nova Zelândia, no entanto, diz Valisce, a legalização da prostituição foi um desastre, beneficiando apenas cafetões e clientes.

“Achei que isso empoderaria as mulheres”, diz ela. “Mas percebi que nada disso aconteceu”.

Um dos problemas da lei é que ela permitiu aos cafetões oferecer aos clientes um pacote ‘completo’, por meio do qual eles pagariam uma determinada quantia para fazer o que quisessem com as mulheres.

“Uma das coisas que nos prometeram e que não aconteceu foi o pacote completo”, diz Valisce. “Porque isso significa que as mulheres não podem definir o preço ou determinar quais serviços sexuais querem oferecer ou recusar – que era o cerne da descriminalização.”

Aos 40 anos, Valisce pediu emprego em um bordel de Wellington, e ficou chocada com que viu.

“Durante meu primeiro turno, vi uma menina que havia acabado de fazer sexo com o cliente ter um ataque de pânico, tremendo e chorando, incapaz de falar. A recepcionista estava gritando com ela, dizendo-lhe para voltar a trabalhar. Eu peguei minhas coisas e fui embora”, recorda.

Pouco tempo depois, ela disse ao coletivo das prostitutas de Wellington o que havia testemunhado. “O que vamos fazer sobre isso?”, perguntou ela.

Valisce diz que foi completamente “ignorada”, e finalmente optou por deixar o coletivo.

Até então, a organização era sua única fonte de apoio, um lugar onde ninguém a julgava por ser prostituta.

Foi como voluntária ali, no entanto, que ela começou sua jornada para se tornar uma “abolicionista”.

“Um das minhas funções na NZPC era fazer o clipping de imprensa. E em uma das reportagens que eu li vi uma menina falando que foi só quando ela deixou de ser prostituta que entendeu por que vivia chorando pelos cantos.”

“Passei pela mesma coisa por anos. Imediatamente, me identifiquei com ela.”

Para Valisce, não havia outra saída.

Ela abandonou a prostituição no início de 2011 e se mudou para Gold Coast, em Queensland, na Austrália, buscando um novo sentido para a sua vida, mas estava confusa e depressiva.

Foi quando sua vizinha tentou recrutá-la para fazer sexo virtual, mas Valisce recusou a oferta, educadamente.

“Senti como se ‘puta’ estivesse estampada na minha testa. Como ela sabia? Agora sei que era apenas por eu ser mulher”, diz Valisce.

Depois disso, a vizinha passou a insultá-la toda vez que a via.

Valisce começou, então, a encontrar mulheres virtualmente, feministas que eram contra a descriminalização da prostituição e que se descreviam como abolicionistas – em referência ao ‘modelo abolicionista’, que criminaliza cafetões e clientes enquanto legaliza a atividade de sexo pago.

Ela fundou um grupo conhecido como Australian Radical Feminists (Feministas Radicais Australianas, em tradução livre) e acabou convidada a participar de uma conferência.

Realizada na Universidade de Melbourne no ano passado, foi o primeiro evento do tipo na Austrália, onde muitos Estados legalizaram o proxenetismo.

Melbourne já tinha bordéis legalizados desde a metade da década de 80 e o assunto continua a dividir opiniões.

Valisce descreve esse período, quando ela se tornou uma ativista feminista contra a prostituição e começou a abandonar seu passado, como o “começo da minha nova vida”.

“Abandonei a prostituição emocionalmente, então fisicamente e, por último, intelectualmente”, diz ela.

Depois da conferência, Valisce foi diagnosticada com Transtorno de Estresse pós-traumático (TEPT).

“Foi resultado de meu período na prostituição – que me afetou de forma muito negativa, mas consegui camuflar os resultados”, afirma.

“Vai demorar um tempo considerável para me sentir plena de novo”, acrescenta.

Para Valisce, a melhor terapia é trabalhar com mulheres que entendam como é ser prostituta, bem como com aquelas que fazem campanha para expor os efeitos negativos da prostituição.

Ela também está determinada em garantir que mulheres que são frequentemente silenciadas por seu abusadores terem voz.

“Não é meu objetivo manter ninguém nesta profissão ou dizer a ninguém para sair dela”, afirma Valisce. “Mas quero fazer diferença, e isso significa falar o máximo que puder, para ajudar outras mulheres”, conclui.

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