por Marcus Vinícius De Freitas
Publicado em 19/04/2023, às 08h41
Durante a recente visita do Presidente Lula da Silva, muito se comentou a respeito da desdolarização da economia mundial. Trata-se de um fenômeno que vem ocorrendo há alguns anos e que se tornou mais intenso após as crises financeiras de 2007 e 2008, quando os Estados Unidos desvalorizaram a sua moeda num processo de flexibilização quantitativa, quando o governo norte-americano aumentou a oferta de dinheiro em circulação, com o objetivo de estimular a atividade econômica no país, sem levar em consideração o impacto global da medida.
Desde a abertura ao comércio exterior, investimento e reformas de livre mercado em 1979, a Chinatem sido uma das economias de mais rápido crescimento global, numa média anual de 9,5% até 2017. Isso permitiu que o país asiático se tornasse a maior economia mundial (em Paridade do Poder de Compra - PPP) e também na maior fabricante, comerciante e detentora de divisas e reservas.
O país, atualmente, enfrenta mais um período de transição fundamental – de fábrica global para o maior mercado consumidor da história da humanidade. Este processo de transição foi desacelerado pela pandemia da Covid-19 e também pela Guerra na Ucrânia, que tiveram impacto no país, porque também afetaram os principais consumidores dos seus produtos.
O contexto global atual preocupa o governo chinês, afinal o sucesso no desempenho econômico – ensinou Deng Xiaoping – é essencial para que o establishment político permaneça no poder. A fim de garantir resultados positivos, o presidente Xi Jinpinglançou duas importantes iniciativas: a Iniciativa do Cinturão e Rota (também conhecida como Nova Rota da Seda) e o Plano “Made in China 2025”, ambos com o objetivo de promover um incremento substancial da renda per capita do país.
Os esforços chineses para expandir sua economia e influência global, no entanto, têm encontrado oposição crescente e persistente dos Estados Unidos, que, como atual superpotência mundial, vem utilizando todos os meios e instrumentos disponíveis – positivos e negativos – para conter a China. Uma das áreas em que a China mais sentiu o peso e a mão forte dos Estados Unidos tem sido na repetição de técnicas utilizadas na Guerra Fria contra União Soviética. O momento global, no entanto, é diferente e a China nada tem a ver com a União Soviética.
A China tem buscado impulsionar o processo de internacionalização sua moeda, o Renminbi (RMB) – ou Yuan – nas últimas décadas, para enfrentar o uso de dólar, como instrumento recorrente de sanções econômicas. Este sentimento negativo – o privilégio exorbitante do dólar – não é restrito à China. Além da moeda, com o domínio do Sistema SWIFT para transferências e pagamentos internacionais, os Estados Unidos ampliaram, de modo inexplicável, e – em muitos casos inaceitável – a extraterritorialidade de sua jurisdição. Adicionalmente, também se reconhece que os norte-americanos têm manipulado o sistema para beneficiar seus interesses, num exagerado exercício de imposição hegemônica.
Para diluir o domínio dos Estados Unidos no sistema financeiro global, os chineses têm tomado uma série de medidas domésticas, que incluem: (i) a redução nas restrições do sistema financeiro; (ii) a redução na interferência governamental na gestão da taxa de câmbio; e (iii) o fortalecimento da economia e das instituições financeiras chinesas para consolidar uma visão mais confiável do sistema financeiro daquele país.
É importante enfatizar que a China não pretende substituir o dólar como uma das moedas internacionais de troca, até mesmo porque os Estados Unidos são os maiores compradores de produtos chineses e a China detém uma quantidade enorme de investimentos e de títulos de dívida dos Estados Unidos. O que a China começou a fazer, nas últimas décadas, foi construir uma base para que o RMB seja uma das moedas preferenciais, como o dólar e euro, no cenário global. Para tanto, oferece como alternativa a possibilidade de um comércio mais intenso não somente com a China, mas também com os mais de 140 países e territórios em que o gigante asiático é o principal parceiro comercial. É claro que a entrada de uma terceira moeda amplamente utilizada reduzirá o espaço ocupado pelo dólar e euro.
A perspectiva chinesa é clara, no entanto. Por certo, um dos marcos importantes deste processo será deslocar o dólar como moeda única do setor petrolífero, o que garante aos Estados Unidos uma demanda constante por sua moeda, por parte de todos os países do mundo. Se o acordo mediado pela China entre Irã e Arábia Saudita eventualmente abrirem a porteira para comercialização do petróleo em RMB, a China terá acelerado – e muito – o processo de transformação de sua moeda em uma reserva de valor global.
O objetivo chinês de internacionalizar o RMB, portanto, é proteger o país – e seus parceiros comerciais, dentre os quais o Brasil é um dos principais – de eventuais estrangulamentos provocados pelos Estados Unidos em razão da utilização do dólar e do SWIFT como mecanismos de pressão internacional.
O caminho a percorrer ainda é longo. No entanto, a China está firme em seu propósito de tornar o RMB uma moeda internacional. Os desafios são grandes e incluem, principalmente, a construção da confiança no RMB e na política monetária chinesa. O processo será gradual. No entanto, nunca se pode retirar dos processos o elemento fortuito, que pode acelerar o processo ainda mais. Foram as duas guerras mundiais que retiraram da libra esterlina a primazia internacional. Embora os Estados Unidos se tornaram a maior economia mundial em meados de 1850, em 1947 a libra esterlina ainda representava 87% do câmbio global. Tempo e elementos fortuitos, além do abuso do instrumento aceleram a degradação da perceção. A transformação do RMB numa moeda global representará uma nova transição na governança global, num mundo em que o BRICSserá mais relevante que o G7.
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