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Transplantes no RJ

Seis pacientes contraem HIV após receberem órgãos contaminados

Incidente está sendo investigado detalhadamente por diversas entidades, incluindo o Ministério da Saúde e o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ)

Seis pacientes contraem HIV após receberem órgãos contaminados - Imagem: Reprodução / Agência Brasil / Rovena Rosa
Seis pacientes contraem HIV após receberem órgãos contaminados - Imagem: Reprodução / Agência Brasil / Rovena Rosa

William Oliveira Publicado em 12/10/2024, às 07h56


Em um incidente sem precedentes e inédito na história dos transplantes de órgãos do Estado do Rio de Janeiro, seis pacientes que estavam na fila para receber órgãos através da Secretaria Estadual de Saúde (SES-RJ) foram infectados pelo vírus HIV. Os órgãos, provenientes de dois doadores, passaram por exames que falharam em detectar a presença do vírus.

A revelação foi feita pela BandNews FM e posteriormente confirmada pela Secretaria à TV Globo e ao portal G1. No momento, o ocorrido está sob investigação minuciosa por várias entidades, incluindo o Ministério da Saúde, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), a Polícia Civil e o Conselho Regional de Medicina do estado (Cremerj).

A SES-RJ manifestou perplexidade diante do ocorrido, ressaltando o histórico de sucesso e excelência do programa estadual de transplantes, que já salvou mais de 16 mil vidas desde sua criação em 2006. O erro teria se originado em testes realizados pelo laboratório privado PCS Lab Saleme, situado em Nova Iguaçu, contratado pela secretaria no final do ano passado para realizar sorologias nos órgãos doados. Este contrato foi estabelecido por meio de um pregão eletrônico no valor de R$ 11 milhões.

Como resposta imediata ao incidente, a Coordenadoria Estadual de Transplantes e a Vigilância Sanitária Estadual interditaram o laboratório. Além disso, a Delegacia do Consumidor (Decon) da Polícia Civil está conduzindo investigações aprofundadas. O MPRJ também abriu um inquérito civil para apurar possíveis irregularidades no processo.

Em comunicado oficial, o MPRJ expressou seu compromisso em atender às famílias impactadas pelo caso e encorajar a apresentação de denúncias por parte dos afetados. Investigações preliminares da Anvisa revelaram que o laboratório não possuía os kits necessários para os exames ou comprovações de sua aquisição, levantando suspeitas sobre a veracidade dos testes realizados.

"O MPRJ ressalta que está à disposição para ouvir as famílias afetadas, receber denúncias de quem se sentir lesado e prestar atendimento individualizado às partes envolvidas", diz a nota.

O PCS Lab Saleme declarou ter iniciado uma sindicância interna para investigar as falhas apontadas, afirmando que todos os testes foram conduzidos conforme recomendações oficiais.

HIV positivo

O incidente foi revelado no início do mês de setembro, quando um paciente que havia passado por um transplante apresentou sintomas neurológicos e testou positivo para HIV, apesar de não ter o vírus antes da cirurgia. Este paciente recebeu um coração no final de janeiro, o que levou as autoridades a revisarem o processo de triagem e testes realizados pelo laboratório PCS Lab Saleme.

No dia 23 de janeiro, uma coleta inicial foi realizada para avaliar a compatibilidade dos órgãos doados – rins, fígado, coração e córnea – todos testaram negativo para HIV, conforme os resultados divulgados pelo laboratório. Entretanto, amostras são rotineiramente guardadas e, ao realizar uma contraprova, a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ) detectou a presença do vírus HIV.

Subsequentemente, os outros receptores dos órgãos foram testados. Os indivíduos que receberam cada um dos rins também apresentaram resultado positivo para o vírus. A receptora da córnea, menos vascularizada e, portanto, menos suscetível à transmissão, não contraiu o HIV. Infelizmente, a paciente que recebeu o fígado faleceu logo após o transplante; contudo, sua morte não foi atribuída ao HIV devido ao seu estado crítico pré-existente.

Em 3 de outubro, outro caso similar emergiu quando mais um paciente transplantado apresentou sintomas neurológicos e testou positivo para HIV, novamente sem histórico prévio do vírus. Investigando este caso específico, os dados apontaram para outro teste incorreto realizado em 25 de maio deste ano.

Diante dessa situação preocupante, a Secretária Estadual de Saúde, Cláudia Mello, anunciou medidas corretivas imediatas. A primeira delas foi a transferência dos testes sorológicos dos doadores do laboratório envolvido para o Hemorio, uma instituição estadual reconhecida.

A partir de 13 de setembro, todas as amostras de doação foram redirecionadas para lá. O Hemorio se encarregará de retestar material armazenado de 286 doadores na tentativa de garantir a precisão dos diagnósticos e evitar novos incidentes similares.

O que dizem os envolvidos?

Nota da Secretaria de Saúde:

"A Secretaria de Estado de Saúde (SES) considera o caso inadmissível. Uma comissão multidisciplinar foi criada para acolher os pacientes afetados e, imediatamente, foram tomadas medidas para garantir a segurança dos transplantados.

O laboratório privado, contratado por licitação pela Fundação Saúde para atender o programa de transplantes, teve o serviço suspenso logo após a ciência do caso e foi interditado cautelarmente. Com isso, os exames passaram a ser realizados pelo Hemorio.

A Secretaria está realizando um rastreio com a reavaliação de todas as amostras de sangue armazenadas dos doadores, a partir de dezembro de 2023, data da contratação do laboratório.

Uma sindicância foi instaurada para identificar e punir os responsáveis. Por necessidade de preservação das identidades dos doadores e transplantados, bem como do encaminhamento da sindicância, não serão divulgados detalhes das circunstâncias.

Esta é uma situação sem precedentes. O serviço de transplantes no Estado do Rio de Janeiro sempre realizou um trabalho de excelência e, desde 2006, salvou as vidas de mais de 16 mil pessoas".

Nota do PCS Lab:

"O laboratório PCS Lab abriu sindicância interna para apurar as responsabilidades do caso envolvendo diagnósticos de HIV em pacientes transplantados ocorridos no Estado do Rio de Janeiro. Trata-se de um episódio sem precedentes na história da empresa, que atua no mercado desde 1969.

O laboratório informou à Central Estadual de Transplantes os resultados de todos os exames de HIV realizados em amostras de sangue de doadores de órgãos entre 1º de dezembro de 2023 e 12 de setembro de 2024, período em que prestou serviços à Fundação de Saúde do Governo do Estado. Nesses procedimentos foram utilizados os kits de diagnóstico recomendados pelo Ministério da Saúde e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O PCS Lab dará suporte médico e psicológico aos pacientes infectados com HIV e seus familiares; e reitera que está à disposição das autoridades policiais, sanitárias e de classe que investigam o caso."

Nota de Cláudio Castro:

"É uma situação inadmissível e sem precedentes a falha no serviço de transplantes no estado. Determinei total rigor e celeridade nas investigações. Além das sindicâncias em andamento na Secretaria de Saúde e na Fundação Saúde, a Polícia Civil já abriu inquérito para chegar aos responsáveis. Desde o início, tomamos todas as medidas necessárias e vamos até o fim para que este erro jamais se repita.

Quero prestar solidariedade aos transplantados que foram afetados e assegurar apoio irrestrito a todos. Um grupo de profissionais especializados está prestando atendimento a esses pacientes.

Logo que foi notificada do primeiro caso, a Secretaria Estadual de Saúde suspendeu as atividades do laboratório que era responsável pelas análises entre dezembro de 2023 e setembro deste ano, contratado por licitação pela Fundação Saúde. Ele já foi interditado.

O Hemorio assumiu a realização dos exames e está retestando todas as amostras armazenadas dos doadores nesse período. Com isso, reforço que todos os procedimentos estão ocorrendo em absoluta segurança. O Ministério da Saúde e a Anvisa estão atuando em sintonia conosco.

Reitero meu compromisso em preservar a segurança do sistema estadual de transplantes, que já salvou as vidas de mais de 16 mil pessoas."

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