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COLUNA

Rainha Elizabeth II e sua relação com os judeus

Rainha Elizabeth II. - Imagem: Reprodução | Sinagoga Edmond J. Safra - Ipanema
Rainha Elizabeth II. - Imagem: Reprodução | Sinagoga Edmond J. Safra - Ipanema

Rav Sany Sonnenreich Publicado em 12/09/2022, às 09h16


O mundo inteiro, em geral, e a nossa comunidade judaica, em particular, entristeceram-se com a notícia do falecimento da rainha Elizabeth II. Ela foi a monarca com o reinado mais longevo da história da Grã-Bretanha. Mais de três quartos dos britânicos relatam sentir admiração e aprovação por sua rainha. De fato, uma pesquisa recente descobriu que o sonho mais popular na Grã-Bretanha era tomar chá com a rainha. No aniversário de 90 anos da monarca, em 2016, o então rabino-chefe da Grã-Bretanha nomeado cavaleiro pela rainha Elizabeth II, rabino Jonathan Sacks, observou que: “o respeito que ela demonstrou por todas as religiões enriqueceu nossas vidas”. Em seus 70 anos no trono, sua alteza real encorajou muitos, incluindo os judeus de sua nação. Sua sogra, a princesa Alice de Battenberg, salvou judeus durante o Holocausto abrigando-os em sua casa em Atenas ocupada pelos nazistas. É uma história incrível que deveria ser mais conhecida. A princesa Alice era bisneta da rainha Vitória. Ela era surda, fato que a família real escondia, e aprendeu a ler lábios quando criança. Os historiadores especulam que isso pode ter tornado a princesa Alice mais sensível a outras pessoas que eram diferentes do convencional de alguma forma.

Quando o irmão de Alice, Edward, foi coroado rei Edward VII, em 1902, um dos convidados em sua coroação foi um arrojado príncipe grego chamado Andrew. Os dois se apaixonaram e se casaram. Alice mudou-se para a Grécia, onde teve três filhas e um filho, Philip (marido da rainha Elizabeth II). A família estava cheia de disfunções. Suas três filhas tornaram-se ardentes defensoras de Hitler e cada uma se casou com nazistas seniores. Apenas seu filho, o príncipe Philip, se parecia com ela, evitando o nazismo e passando tempo com amigos judeus e seus parentes britânicos. Quando a Segunda Guerra Mundial estourou, o príncipe Philip se ofereceu para a marinha britânica e lutou contra os nazistas com distinção. Certa vez, a princesa Alice chegou a ser interrogada, mas ela se recusou a divulgar o fato de estar abrigando judeus em sua casa. Após a guerra, a princesa Alice fundou uma ordem de freiras. Ela retornou a Londres em 1967 e lá morreu em 1969. Ela pediu que seus restos mortais fossem enterrados em Jerusalém sendo que, em 1988 seu desejo foi respeitado eles foram sepultados no Monte Sião.

Em 1993, a princesa Alice foi declarada “Justa entre as Nações” pelo Yad Vashem (Museu do Holocausto).

O príncipe Philip viajou para Jerusalém para a cerimônia, onde plantou uma árvore em memória de sua mãe. “O Holocausto foi o evento mais nefasto e horrível de toda a história judaica e permanecerá na memória de todas as gerações futuras", disse na ocasião e complementou: “É, portanto, um gesto muito generoso que também lembra aqui os muitos milhões de não-judeus, como minha mãe, que compartilharam de sua dor e angústia e fizeram o que puderam em pequenas formas para aliviar o horror. Suspeito que nunca lhe ocorreu que sua ação fosse de alguma forma especial. Ela teria considerado uma reação humana perfeitamente natural a outros seres em perigo”.

Voltando à rainha Elizabeth II, uma curiosidade é que ela contratou um mohel (rabino especialista em circuncisão) ortodoxo para circuncidar seu filho, o príncipe Charles, hoje vossa majestade Rei Charles III. A tradição da realeza britânica de pedir aos mohels judeus que circuncidassem seus filhos remonta ao rei George I, que nasceu em Hanover, na Alemanha, e reinou na Inglaterra de 1714 a 1727. Anos depois, sua bisneta, a rainha Vitória, contratou mohels judeus para circuncidar todos os seus filhos. Diz-se que ela acreditava que sua árvore genealógica remontava diretamente ao rei de Israel, David!

Mais um fato importante de salientar é que existe um costume judaico em todo o mundo de recitar uma oração no Shabat (sábado) para seus líderes governamentais. Na Grã-Bretanha, isso significa orar pelo bem-estar da rainha Elizabeth II e de sua família. Os judeus britânicos pedem a D'us que “preserve a rainha em vida, guarde-a e a liberte de toda tristeza”. A oração continua pedindo que o Divino “coloque um espírito de sabedoria em seu coração e nos corações de todos os seus conselheiros”.

Apesar de viajar por todo o mundo, inclusive para muitas nações com registros de direitos humanos condenáveis, a rainha Elizabeth II nunca fez uma visita oficial ao estado judeu. Ao longo das longas décadas de seu reinado, esse boicote passou a ser visto como uma omissão dolorosa por alguns judeus britânicos. Isso mudou em 2018, quando o neto da rainha Elizabeth, o príncipe William, fez uma visita oficial a Israel. Em 2000, seu filho, hoje rei, que na época possuía o título de príncipe Charles, representou a Grã-Bretanha no Fórum Mundial do Holocausto em Jerusalém. (Ele havia visitado Israel várias vezes anteriormente, mas nunca antes a título oficial.)

A família real  demonstrou um interesse particular no bem-estar dos sobreviventes do Holocausto nos últimos tempos. Em 27 de janeiro de 2005, no 60º aniversário da libertação de Auschwitz, a rainha Elizabeth recebeu um grupo de sobreviventes do Holocausto no Palácio de St. James, no centro de Londres. Notavelmente pontual, naquela ocasião a rainha jogou o protocolo ao vento. Enquanto ela se misturava aos sobreviventes, um de seus assessores a informou que era hora de encerrar o evento. Em vez disso, a rainha continuou a falar, ouvir e tranquilizar. O rabino Lord Jonathan Sacks estava presente e mais tarde contou:“Quando chegou a hora de ela sair, ela ficou. E foi ficando... Um de seus atendentes disse que nunca a vira demorar tanto tempo depois de sua partida programada. Ela deu a cada sobrevivente – que compunham um grande grupo - sua atenção concentrada e sem pressa. Ela ficou com cada um até que eles terminaram de contar sua história pessoal. Foi um ato de bondade que quase me fez chorar. Um após o outro, os sobreviventes vieram até Sacks numa espécie de transe, dizendo: 'Há sessenta anos eu não sabia se estaria vivo amanhã e aqui estou hoje conversando com a rainha'. Isso trouxe uma espécie de encerramento abençoado em vidas profundamente dilaceradas.

Em janeiro de 2022, o hoje nomeado Rei Charles III encomendou uma série real de retratos de sobreviventes do Holocausto. “À medida que o número de sobreviventes do Holocausto - infelizmente, mas inevitavelmente, diminui - minha esperança permanente é que essa coleção especial funcione como mais uma luz orientadora”, explicou ele. Os retratos são exibidos no Palácio de Buckingham, residência oficial da falecida rainha Elizabeth II.

A monarca figurou entre as grandes mulheres de seu tempo. Quero enfatizar também que seu pai, o rei Jorge VI, salvou muitos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. A nobre rainha sempre manteve bons laços com o nosso povo, nomeando, inclusive, o rabino-chefe da Grã-Bretanha, Rabi Jonathan Sacks, como Lord, além de ter recebido, com pompa e deferência, os então presidentes de Israel, Chaim Herzog e Ezer Weizman, além de conferir o título de Cavaleiro Honorário ao ex-presidente Shimon Peres. Resta-me abençoar: que o Eterno conforte a família e abençoe o legado da inesquecível e exemplar monarca”!

Rabino Sany Sonnenreich (Redes @BYRAVSANY) Contato Palestras: RAVSANY.COM

Sobre o autor 

Rabino Sany Sonnenreich é presidente do Instituto Rav Sany e diretor da entidade Olami Faria Lima que faz parte de uma rede com 320 unidades pelo mundo focadas em direcionar o público jovem a uma vida de valores. Ele apresenta o programa Rav Sany Live Show na Tv Gazeta e tem forte presença nas redes sociais Youtube, Instagram, TikTok e Facebook (@byravsany) com mensagens de vida rápidas, bem-humoradas e motivantes numa linguagem acessível a todos e constantemente é chamado para representar a comunidade judaica na imprensa.

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