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Denúncia

Acesso da Paper Excellence à florestas brasileiras é "preocupante", diz Greenpeace

O relatório 'Papering over corporate control', produzido por 4 Organizações Internacionais, traz denúncias alarmantes sobre a companhia

Paper Excellence está ligada à empresa com inúmeros casos alarmantes de violações ambientais e de direitos humanos - Imagem: Freepik
Paper Excellence está ligada à empresa com inúmeros casos alarmantes de violações ambientais e de direitos humanos - Imagem: Freepik

Redação Publicado em 02/03/2023, às 19h06


O relatório 'Papering over corporate control', produzido com base em registros corporativos de 10 países, documentos obtidos pelo ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo) e ONGs Internacionais, denuncia que há vínculo entre a Paper Excellence, gigante canadense do setor florestal, com a empresa da Indonésia Asia Pulp & Paper (APP), de papel de celulose, acusada de causar desmatamentos gravíssimos em florestas do país asiático.

O documento foi criado por pesquisadores de quatro entidades de fiscalização ambiental: Environmental Paper Network, Greenpeace, Rainforest Action Network e Woods & Wayside International. Ele mostra que as duas companhias (Paper Excellence e Asia Pulp & Paper) também têm envolvimento em incêndios criminosos em florestas e conflitos com comunidades locais. A denúncia também foi publicada no portal oficial do ICIJ.

"É muito preocupante ver a concentração do controle corporativo e o crescente poder da Paper Excellence sobre o futuro das florestas no mundo, inclusive das incríveis florestas do Brasil que são territórios de povos Indígenas e de tamanha importância global", aponta Shane Moffatt, porta-voz de Florestas do Greenpeace em Toronto em entrevista ao Diário de S. Paulo.

Shane defende que as comunidades locais é que devem decidir o futuro das florestas, não megacorporações que estão ligadas a atos criminosos como é o caso da Paper Excellence.

No Brasil, a Paper Excellence está em uma briga judicial de R$15 bilhões pelo controle total da empresa Eldorado Brasil Celulose que possui mais de 100 mil hectares de reserva de mata preservada e aproximadamente 230 mil hectares de florestas plantadas no estado do Mato Grosso do Sul.

Os especialistas apontam para a preocupante entrada da gigante canadense no mercado de celulose brasileiro tendo em vista sua evidente relação com a companhia APP que produz desmatamento no continente asiático

O porta-voz do Greenpeace comenta sobre a necessidade das empresas e países conhecerem as "profundas conexões entre o império Sinar Mas e a Paper Excellence". "Acho que o governo do Brasil merece saber - quais são as intenções a longo prazo da Paper Excellence? Especialmente dada a notória reputação do império Sinar Mas de desmatamento e conflitos sociais", aconselha.

Shane diz que deve ser uma preocupação dos órgãos brasileiros garantirem que qualquer companhia que entrar no mercado de celulose apoie os interesses das comunidades florestais, respeitem os direitos indígenas, protejam as florestas e mantenham a biodiversidade. Se já foi comprovado que há uma relação profunda entre a Paper e uma empresa que não cumpre esses requisitos, devem ficar com pé atrás.

"O governo deve cobrar a Paper Excellence transparência sobre o impacto que pretende ter, para que as autoridades possam tomar decisões sabendo o que está acontecendo", explica o especialista.

Shane comenta que o relatório feito pelas Organizações sobre a Paper foi compartilhado com comunidades locais "para que possam estar mais conscientes sobre a propriedade da Paper Excellence e o que esperar da empresa". O documento inclui registros de lobbies, contratos de empréstimo, demonstrações financeiras e comunicados corporativos que indicam que as duas empresas (Paper Excellence e Asia Pulp & Paper) são controladas pela família indonésia Widjaja.

Dada a gravidade da situação, a APP perdeu sua certificação em 2007, retirada por um órgão internacional de monitoramento de compliance ambiental após constatarem que a empresa estava "associada a práticas florestais destrutivas".

"A ocultação torna a prestação de contas mais enganosa se uma parte do conglomerado está causando emissões [de carbono] em grande escala e está em conflito com as comunidades, e outra parte opera em padrões mais altos para acessar mercados, investimentos e reconhecimento, mas ninguém sabe que estão conectadas", comentou Joshua Martin, porta-voz da Environmental Paper Network, uma das Organizações envolvidas no relatório, em entrevista ao Poder 360˚.

Essa não foi a primeira vez que as empresas na Indonésia são acusadas de ocultar suas conexões empresariais. Em 2017, a Associated Press denunciou ligações entre a Asia Pulp & Paper e outras 27 companhias de plantio que tinham afirmado serem independentes. 

Para chegar a essa conclusão a AP analisou mais de mil páginas de registros corporativos que comprovaram as ligações. De acordo com a publicação, as empresas que queriam ser desvinculadas da APP estavam tentando fazer uma "greenwash" (lavagem verde, em tradução literal) para o mercado global. 

“Como a Paper Excellence agora está emergindo como uma grande empresa de celulose no Canadá, Estados Unidos e Brasil, é cada vez mais importante que as partes interessadas perguntem: 'Quem possui, controla e se beneficia da Paper Excellence?'”, argumenta Joshua.

Mais denúncias

Outra investigação recente da Sociedade Civil da Indonésia descobriu que as plantações de madeira para celulose da APP têm conflitos de terra com mais de 100 comunidades. A denúncia mostra que em 2001, a Asia Pulp & Paper teve a maior inadimplência de dívida corporativa de todos os tempos em mercados emergentes, e o processo subsequente de reestruturação da dívida envolveu uma série de práticas duvidosas apontadas pelos credores.

"Apesar de uma estrutura corporativa multifacetada com holdings em várias jurisdições, temos fortes evidências de que a Paper Excellence é controlada pelo Sinar Mas Group. Este grupo, junto com a Asia Pulp & Paper, desmatou mais de dois milhões de hectares de floresta tropical na Indonésia, incluindo o habitat de orangotangos, tigres de Sumatra e elefantes de Sumatra e causou conflitos com mais de cem comunidades locais", comenta Sergio Baffoni, porta-voz global da Environmental Paper (outra Organização que fez parte do relatório, em entrevista ao Diário de S. Paulo.

Sergio explica que as plantações de madeira para celulose dos fornecedores dessa empresa, desenvolvidas com turfa seca, causam uma média de 86 milhões de toneladas de emissões de CO2 e por ano, mais do que as emissões totais anuais de Cingapura. "Eles também são uma das principais causas e multiplicadores de grandes incêndios florestais recorrentes, afetando a atmosfera e a saúde pública em toda a região, inclusive nos países vizinhos".

O documento também aponta para registros de lobbies canadenses, contratos de empréstimo, demonstrações financeiras e comunicados corporativos para a imprensa de meados dos anos 2000 até 2021 da Paper Excellence e APP, que são provas de que as duas empresas são filiadas e até compartilham diretores.

O porta-voz do Greenpeace, Shane Moffatt, também disse que a Organização pediu ao governo canadense que interrompesse o acordo comercial Canadá-Indonésia que está em processo de negociação. "Pedimos uma revisão independente completa de todo o negócio para garantir que ele não avance ainda mais os interesses e o poder de corporações como a Paper Excellence".

O canadense afirma que por fim, estão pedindo ao governo do Canadá que aprove leis mais rígidas para proteger as florestas e a natureza em todo o país, "dado o enorme impacto que megacorporações e gigantes madeireiras com práticas como a Paper Excellence têm sobre a biodiversidade".

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