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COLUNA

O ano de 2024

Ano novo. - Imagem: Reprodução | Freepik
Ano novo. - Imagem: Reprodução | Freepik
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 27/12/2023, às 08h20


O fim de um ano e o início de um novo sempre constituem períodos de reflexão sobre aquilo que ocorreu ou não e o que se espera que aconteça no ano nascente. Talvez por essa razão que o deus Janus, aquele que tem a cabeça virada para os dois lados, seja o símbolo de mês. É tempo de olhar para trás e, também, vislumbrar a jornada adiante.

O ano de 2023 não foi um ano fácil para a humanidade. O efeito da pandemia – que muitos já parecem ter esquecido – ainda se faz presente. Houve, de fato, uma retomada do crescimento menor do que se esperava e a Guerra na Ucrânia tornou o processo ainda mais complicado. Tanto a Rússia quanto o Ocidente se equivocaram na sua capacidade de vitória rápida nessa guerra. A Rússia errou por acreditar que a resistência que encontraria seria menor. E o Ocidente, ao apostar amplamente nas sanções e em armar a Ucrânia, também notou que a sua capacidade de vencer a Rússia não é tão fácil. As bravatas de que o Exército Russo era um dos piores do mundo se revelaram ineficazes, particularmente ao observar a resiliência russa em manter os territórios conquistados e uma máquina de guerra ativa e eficaz.

A guerra em Gaza, resultante da abominável ação do Hamas em 7 de Outubro, revelou uma triste realidade da política internacional: suas inconsistências, incoerências e hipocrisias. Ao levar em conta somente a questão da ação e não o número de vidas humanas, a punição coletiva imposta por Benjamin Netanyahu à população civil em Gaza superou, em muito, as atrocidades praticadas na Guerra da Ucrânia. Além disso, a comunidade internacional descobriu que, apesar da pressão imposta globalmente, os Estados Unidos, que até pouco tempo atrás eram o bastião da democracia, transformaram-se num país que também perdeu os princípios que por tanto tempo apregoou na ordem internacional. O fato é que Netanyahu não age sem o apoio intrínseco dos Estados Unidos. E isto revela uma triste evidência da enorme necessidade que existe em alterar-se a atual governança global. É impossível a um país que defende o uso constante das armas ser o baluarte da paz e harmonia global.

Os dois conflitos – Ucrânia e Gaza – aceleraram muitíssimo o relógio nuclear. Nunca na história estivemos tão próximos a vermos a utilização de armas nucleares num confronto. Putin fez ameaças. E Netanyahu também, de modo mais velado. Este cenário é preocupante, afinal, como previra Richard Nixon, é muito mais provável que os armamentos nucleares sejam utilizados por um país que não seja membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Aliás, as Nações Unidas também se comprovaram incapacitadas para resolver os conflitos. Nunca se notou, por parte dos países membros, um distanciamento tão intenso daqueles princípios basilares de 1945, de “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra..., e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem.” Por falta de lideranças capazes de fortalecerem a busca da paz na ordem internacional, o fato é que a atual realidade global é muito mais insegura.

A interconexão, um dos maiores benefícios da globalização, acelerou o desenvolvimento. Este processo de globalização foi responsável por retirar milhões de indivíduos da linha da miséria e permitir a que vários países pudessem engajar-se e participar mais ativamente do concerto mundial. O crescimento econômico derivado da globalização permitiu ao mundo encontrar novas possibilidades de parcerias e arranjos econômicos. No entanto, termos como “near-shoring” (produção mais próxima dos centros consumidores), “friendly-shoring (produção em países aliados) e “de-risking” (redução de riscos) representam mais um ataque, por parte do Norte Global, à globalização – que favorece a todos – por situações que favorecem somente a alguns. Até mesmo a questão do aquecimento global – se os países do Sul Global não prestarem a devida atenção – poderá converter-se num instrumento para manter o status econômico global como se encontra, sem a possibilidade de ascensão econômica daqueles que são os mais vulneráveis, afinal a transferência de renda de países ricos para os menos desenvolvidos para a proteção ambiental tem sido pífia.

O ano de 2024 também será um ano de eleições importantes ao redor do mundo. Sem dúvida, a mais importante de todas ocorrerá nos Estados Unidos, onde, provavelmente, se o poder judiciário daquele país não quiser atuar fora de sua competência e pretender intervir na democracia sob a dúbia alegação de protegê-la, veremos a repetição eleitoral do certame Donald Trump e Joe Biden. Em que pese uma certa esquizofrenia global com relação a Donald Trump e, principalmente, pelos atos praticados contra a democracia norte-americana por ser um mau perdedor, o fato é que, a possibilidade de retorno de Trump à Casa Branca parece oferecer melhores perspectivas quanto à paz global e melhora na situação interna dos Estados Unidos. Pesquisas recentes, por exemplo, colocaram Trump à frente de Biden na preferência do público mais jovem que vê nas medidas econômicas de Trump melhores possibilidades de emprego e avanço pessoal.

Independentemente do resultado eleitoral, o declínio dos Estados Unidos como liderança única global parece inexorável. O desgaste provocado pelo distanciamento entre pregação e prática, além do abuso das sanções, da utilização belicosa do dólar e de um certo descaso internacional quanto aos Estados Unidos revelam que, não importa quem estiver na Casa Branca, a boa vontade global será muito reduzida para devolver àquele país a primazia global que já teve no passado recente.

Estes são alguns desafios que a agenda global apresentará no próximo ano. O Brasil, que desempenhará um papel condutor na agenda do G-20 em 2024, poderia pensar criativamente em maneiras de alterar um pouco desta dinâmica global. Porém, para tal atuação são necessárias três coisas importantes: estratégia, inovação e respeitabilidade global. Nos três casos, a impressão é que o País ainda está aquém das suas possibilidades.

Apesar disso tudo, que 2024 seja um ano de renovação de esperanças. Se o mundo não vai tão bem, que, ao menos, nossos familiares e amigos estejam bem. Feliz Ano Novo!

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