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Biden e o conflito ucraniano

Por Marcus Vinícius de Freitas*

Biden e o conflito ucraniano
Biden e o conflito ucraniano

Redação Publicado em 16/03/2022, às 00h00 - Atualizado às 08h04


Por Marcus Vinícius de Freitas*

Biden e o conflito ucraniano

Estamos vivendo um período de transição global, com uma mudança nos paradigmas e eixos nas relações globais. Jamais houve na história um conflito tão televisionado, discutido e difundido globalmente. No entanto, as discussões, muitas vezes, refletem mais torcida do que análise, o que prejudica, substancialmente, uma reflexão mais aprofundada das estratégias a serem perseguidas.

Há muitos anos, foi-me ensinada uma história que pretendia retratar a diferença entre as expressões “estar envolvido” e “estar comprometido”. O exemplo dado era relativo ao café-da-manhã. Em muitos lugares, por tradição e cultura, servem-se ovos com bacon. A galinha, fornecedora dos ovos, está envolvida na refeição. Já o porco, fornecedor do bacon, está comprometido no café da manhã. Afinal, para o bacon, é necessário perder a vida. Para a galinha não.

Assim é neste conflito entre Rússia e Ucrânia, que têm sido parte corrente das discussões globais. Observamos países que estão envolvidos e outros que estão comprometidos com a situação. Não há dúvida de que a posição europeia, próxima ao conflito, é muito mais aflitiva, por exemplo, do que a posição norte-americana. Neste sentido, os países europeus, que assistem o conflito em seu quintal, estão, de fato, comprometidos por tudo aquilo que ocorrer. Já os Estados Unidos, por sua distância e isolamento geográfico, estão envolvidos na questão, o que lhes permite observar a situação, porém sem o mesmo nível de tensão. Obviamente que, caso um conflito global ocorresse – a 3ª guerra mundial – os Estados Unidos também seriam afligidos pela situação. Neste sentido, a postura do presidente Joe Biden – muito criticada por muitos quanto à sua inação – tem sido a apropriada neste momento. Biden compreende que qualquer escalonamento na tensão ou um passo errado, pode levar a seríssimas consequências. É um ponto positivo para Biden. Afinal, determinar uma linha vermelha para eventual engajamento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) poderia – se não executada – gerar um descrédito ainda maior desta que ainda é uma das relíquias da Guerra Fria.

Por outro lado, a postura dos Estados Unidos também apresenta ambiguidade. Ao estender a corda das sanções o máximo possível e impor medidas estranguladoras na Rússia – o que prejudicará no médio e longo prazos os países europeus, que são pequenos e vulneráveis – Biden tem o objetivo de inviabilizar o aprofundamento no relacionamento de Moscou e Beijing. Se, em tempos soviéticos, Rússia e China já estiveram juntos, no momento atual a situação – entendem os norte-americanos – é mais preocupante porque a China, com sua perspectiva milenar, é o parceiro sênior desta aliança. Para impactá-la, Washington tem recorrido aos instrumentos que entende necessários para diluir ou, se possível, eliminar toda e qualquer possibilidade de tal cooperação.

A ordem global jamais será a mesma. Indepentemente da estratégia adotada pela Rússia – anexação ou continuidade soberana da Ucrânia – o redesenho do tabuleiro global é irreversível.  Não é, portanto,  o momento para o Brasil comprar narrativas mas para reposicionar-se também. Para tanto, o País precisará de uma perspectiva clara e coerente sobre o papel que pretende desempenhar globalmente. Para manter suas ambições globais, compreender os ventos da mudança e buscar fortalecer os relacionamentos que lhe serão importantes no longo prazo é fundamental adaptar-se às mudanças para sobrevivência num mundo cada vez mais turbulento.

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*Marcus Vinícius De Freitas
Professor Visitante, China Foreign Affairs University
Senior Fellow, Policy Center for the New South
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