Diário de São Paulo
Siga-nos

“Eu precisava ser eu mesma, ou aquela pessoa morreria antes de ser feliz”, diz Tifanny

Desde que os holofotes foram ao encontro de Tifanny Abreu, sua visibilidade fez crescer o debate sobre mulheres trans no esporte feminino, no Brasil e no

“Eu precisava ser eu mesma, ou aquela pessoa morreria antes de ser feliz”, diz Tifanny
“Eu precisava ser eu mesma, ou aquela pessoa morreria antes de ser feliz”, diz Tifanny

Redação Publicado em 28/12/2021, às 00h00 - Atualizado às 10h31


Desde que os holofotes foram ao encontro de Tifanny Abreu, sua visibilidade fez crescer o debate sobre mulheres trans no esporte feminino, no Brasil e no mundo. E devido a importância do tema, em diversos setores da sociedade, para que seja sempre perceptível, presente e debatido, essa entrevista se fez necessária.

Tifanny não é apenas a precursora de uma comunidade trans que busca mais representatividade no ambiente esportivo. É muito mais. Tifanny representa uma mulher trans que alcança seus sonhos e se torna tudo o que sempre almejou – mesmo numa sociedade em que poucas de nós têm oportunidades. Ela é pioneira não apenas como trans no vôlei, mas também entre as futuras pessoas trans advogadas, médicas, engenheiras, cantoras, jornalistas e outras que ocuparão os espaços na sociedade com mais naturalidade. Como eu, Marcela Maeve Marques, estagiária e primeira mulher trans a trabalhar no esporte da Globo.

Em nossa conversa, Tifanny foi sincera sobre sua transição, desde os medos que sentiu até os efeitos dos hormônios no próprio corpo. Desabafou sobre declarações transfóbicas e também falou sobre as suas ambições profissionais.

Tifanny iniciou a transição de gênero em 2015, com 30 anos. Chegou a abandonar a carreira (no vôlei), assim como muitas de nós. Ela não imaginava que poderia exercer o que tanto ama sendo a mulher que sempre sonhou, e que sempre se sentiu. Jogou pelo Palmi, da Itália, até chegar à Superliga em 2017, com a camisa do Bauru. Em sua primeira temporada pelo Osasco, a oposta foi uma das principais jogadoras na conquista do Campeonato Paulista em 2021. Hoje, aos 37 anos, é a principal pontuadora da atual Superliga feminina, com 225 pontos em 38 sets jogados, com média de 5,92 pontos a cada parcial. Nenhuma outra jogadora tem média melhor até agora.

– As pessoas gostam de nos perguntar quando descobrimos que somos trans, mas no fundo sempre sabemos. Quando foi o momento que você olhou e percebeu que não dava mais para lutar contra? Que era a hora de ser quem você realmente é?
– Olha, desde novinha eu já sabia que eu era menina, eu só não entendia o que havia de errado. Quando eu fui jogar fora pela primeira vez, a depressão veio muito forte, era algo diferente, a depressão começou a me matar, eu não sabia o porquê. Eu fui entender que eu precisava colocar a Tifanny para fora, ou aquela pessoa morreria antes de ser feliz, então eu escolhi ser feliz, ser eu mesma; eu só não imaginava que eu ainda poderia ser eu mesma praticando o esporte que eu tanto amava, fazendo o meu trabalho. E hoje estou aqui, muito feliz, podendo dar essa entrevista e falando que eu venci, sim! Venci o preconceito! Venci a vida! Venci a depressão! Hoje sou uma mulher guerreira, que persegue seus sonhos sempre!

– Você se sente acolhida no vôlei brasileiro?
– Muito! Muito! Até porque os haters estão atrás da tela, na internet, geralmente atrás de perfis fakes, e a gente só espera que um dia a polícia pegue eles.

– O que a Tifanny de hoje diria para a Tifanny de alguns anos atrás, começando a transição, começando a lutar para ser quem realmente era e sonhava ser?
– Não tenha medo… Você vai vencer! Eu sei que você terá muitos dias de choro, mas cada lágrima que caiu será recompensada no futuro! Então continue trabalhando duro, não dê ouvido às pessoas ruins, elas vão tentar te parar, mas você vai seguir em frente, porque você é uma boa pessoa e Deus sabe do seu coração… Por isso você será uma grande vencedora!

– Quais as diferenças que você encontrou jogando no masculino e no feminino?
– É totalmente diferente. São dois vôleis completamente diferentes. Quando se fala que mulher trans tem vantagem é uma visão preconceituosa. Existem estudos, médicos que estudam os corpos trans, pessoas que têm propriedade para falar e que liberaram as mulheres trans no esporte. Quando se fala em biologia e em corpo, você está sendo preconceituoso, pois parte de quem não estudou a fundo, que não sabe o que é ser uma mulher trans por inteira, passar por uma transição (hormonal), às vezes por cirurgia de redesignação, viver 24 horas dentro do hormônio. Para o esporte é mais rigoroso, não basta ser trans, tem que estar nos níveis exigidos pelas federações, e ainda estar no patamar de competir com as atletas de alto nível, porque não estamos competindo com qualquer uma, estamos competindo com supermulheres, todas que estão ali são de alto nível. Então, o preconceito traz esse estigma, e as pessoas acreditam que é assim. Enquanto as pessoas não enxergarem os nossos irmãos e irmãs, seremos sempre tachados e sofrendo preconceito diariamente.

ENTENDA AQUI:Tifanny, de 1,94m, perdeu potência e explosão durante a terapia hormonal. Antes da transição, saltava 3,60m. Agora, alcança 3,15m. Esses números foram divulgados pelo técnico Pasqualino Giangrossi, que comandou a brasileira no Palmi, time da segunda divisão italiana que ela defendeu após a transição. A título de comparação, a bicampeã olímpica Thaisa, de 1,96m, salta 3,16m. Já duas das melhores jogadoras do mundo, a italiana Egonu (1,93m de altura) alcança 3,36m e a chinesa Zhu (1,98m) chega a 3,27m.

– Quais as maiores diferenças que você sentiu depois que você passou a tomar os hormônios? O que mudou na Tifanny conforme eles agiam?
– A gente não sabe realmente o que o hormônio faz com nosso corpo antes de usá-lo, então fica o pensamento “será que a gente vai ficar só bonita?”. Algumas meninas pensam que precisam do hormônio pelo padrão estático, mas o hormônio vai mudar completamente o seu corpo, começando pela sua força física. Para ser atleta, é preciso usar também o bloqueador de testosterona, que reduz o nível no organismo, é quase como uma cirurgia, tem pessoas que acreditam que seja fácil, mas o bloqueador é um pré-cirúrgico, uma cirurgia química, o que faz com que você tenha níveis de testosterona que te permitem competir. Com o bloqueador, o estradiol vai agir mais ainda no corpo, deixando formas mais femininas.

.

.

.

.

.

GE

Compartilhe  

últimas notícias