O torcedor do Corinthians mal tinha digerido a aposentadoria de Ronaldo em 2011, anunciada cerca de um mês antes, e já ganhava outro astro internacional para chamar de seu. Há exatos dez anos, em 31 de março de 2011, Adriano Imperador chegava ao Timão.

Numa passagem marcada por pouco futebol e muitas polêmicas.

Da apresentação do atacante no CT Joaquim Grava ao anúncio da rescisão de contrato dele se passaram 347 dias. Em menos de um ano, Adriano disputou apenas oito partidas e marcou dois gols, um deles inesquecível, contra o Atlético-MG, decisivo para a conquista do título brasileiro de 2011.

Este, porém, foi um dos raros momentos em que o Imperador ganhou destaque pelo Corinthians dentro de campo. Na maior parte do tempo em que esteve no clube, ele foi notícia por atos de indisciplina, sobrepeso e dificuldades para voltar a jogar.

Abaixo, com depoimentos de pessoas que conviveram com Adriano, o ge relembra a passagem do jogador pelo Timão e conta dez curiosidades e bastidores daquele período. Confira!

Adriano recebeu coroa de imperador em chegada ao Corinthians — Foto: Marcos Ribolli

Adriano recebeu coroa de imperador em chegada ao Corinthians — Foto: Marcos Ribolli

1. Padrinho fenomenal

A chegada do Imperador ao Corinthians muito provavelmente não seria possível sem a ajuda de Ronaldo. Recém-aposentado, o Fenômeno trabalhou arduamente para convencer o amigo a jogar no Timão.

Então com 29 anos, Adriano estava infeliz na Roma-ITA e pensava em voltar para o Flamengo, chegando a manifestar esse desejo até em entrevistas. Porém, Vanderlei Luxemburgo, técnico rubro-negro na época, não desejava contar com o atacante e vetou a contratação.

Assim, após rescisão de contrato na Itália e meses de conversas com o Corinthians, Adriano enfim fechou com o Timão por um ano.

– Ronaldo disse que aqui era uma família, e eu achei por bem fechar com o Corinthians – declarou o Imperador, em sua apresentação.

Sala de imprensa lotada em apresentação de Adriano no Corinthians — Foto: Daniel Augusto Jr/Ag.Corinthians

Sala de imprensa lotada em apresentação de Adriano no Corinthians — Foto: Daniel Augusto Jr/Ag.Corinthians

O Fenômeno fez questão de estar ao lado de Adriano em sua chegada a São Paulo. Além de participar da apresentação do amigo, ele emprestou ao Imperador um apartamento que tinha no bairro de Higienópolis, deu dicas sobre a capital paulista e também indicou uma equipe de seguranças para acompanhá-lo.

Além dos vínculos de amizade, a dupla construiu uma relação comercial. Adriano rompeu com Gilmar Rinaldi, seu antigo empresário, e fechou com a 9ine, agência de marketing que tinha o Fenômeno como sócio. A empresa, porém, negou participação na transferência.

Adriano e Ronaldo, acompanhados por Andrés Sanchez, na apresentação do Imperador — Foto: Marcos Ribolli

Adriano e Ronaldo, acompanhados por Andrés Sanchez, na apresentação do Imperador — Foto: Marcos Ribolli

2. Outro modelo

– A contratação do Adriano não tem nada a ver com a do Ronaldo. Era um cenário totalmente diferente. A gente estava rico na época, todo mundo queria jogar no Corinthians! Era bem diferente de aceitar o desafio de jogar num clube recém-promovido da Série B.

A frase acima é de Luis Paulo Rosenberg, ex-diretor de marketing do Corinthians, que alega que a negociação para a chegada do Imperador ao Timão não teve participação do departamento de marketing e “foi a reboque”.

Rosenberg avalia que o impacto midiático de Adriano no Corinthians foi menor até mesmo do que o do chinês Zizao, e que para o marketing do clube ele “foi neutro, nem bom nem ruim”.

– O que ficou foi a sensação de que poderíamos resgatar um grande jogador do futebol mundial e não conseguimos – opina o economista.

Adriano cercado de crianças em apresentação no Pacaembu — Foto: Daniel Augusto Jr/Ag.Corinthians

Adriano cercado de crianças em apresentação no Pacaembu — Foto: Daniel Augusto Jr/Ag.Corinthians

3. Guerra Mental

Quando retornou ao Brasil, Adriano se recuperava de uma cirurgia no ombro. Ele e os membros da comissão técnica do Corinthians acreditavam que a estreia do Imperador poderia ser em maio, diante do Grêmio, na primeira rodada do Brasileirão. Porém, em pouco tempo, tudo mudou.

Menos de um mês após chegar ao Corinthians, o Imperador sofreu uma grave lesão. Durante um treino leve no CT Joaquim Grava, enquanto corria ao redor do campo, ele rompeu o tendão de Aquiles do pé esquerdo e teve de ser operado. A notícia caiu como uma bomba. O atacante ficaria no mínimo cinco meses longe dos gramados.

Adriano Imperador em cadeira de rodas, após cirurgia, em 2011 — Foto: Daniel Augusto Jr/Ag.Corinthians

Adriano Imperador em cadeira de rodas, após cirurgia, em 2011 — Foto: Daniel Augusto Jr/Ag.Corinthians

– Adriano nunca tinha passado por um processo daquele na carreira. Era também uma guerra mental de disciplina, para ter uma constância e uma dedicação a tudo que se exigiria dele no processo de reabilitação – analisa Bruno Mazziotti, fisioterapeuta que atualmente está no Arsenal, da Inglaterra, e acompanhou a recuperação do Imperador no Corinthians.

Mazziotti evita dar detalhes dos deslizes de Adriano em seu tratamento, mas admite que “faltaram alguns cuidados”.

O ex-atacante chegou a ser flagrado andando com o pé imobilizado por gesso quando o recomendado pelos médicos era realizar repouso total. Também faltou a dezenas de sessões de fisioterapia (veja mais abaixo).

Os comportamentos inadequados fizeram com a que a volta de Adriano aos campos demorasse mais do que o esperado. Em vez de cinco ou seis meses, como previsto inicialmente, ele demorou quase oito para estrear.

– O que eu acho que faltou para ele foi disciplina para manter a recuperação e os níveis de performance para ser um atleta profissional – avalia Mazziotti.

Adriano passou quase oito meses em recuperação de lesão no Corinthians — Foto: Daniel Augusto Jr/Ag.Corinthians

Adriano passou quase oito meses em recuperação de lesão no Corinthians — Foto: Daniel Augusto Jr/Ag.Corinthians

4. Embriaguez e 67 faltas

Ao fechar com Adriano, a diretoria corintiana tentou se proteger contra o já conhecido histórico conturbado do jogador e incluiu no contrato cláusulas que tratavam de eventuais atos de indisciplina dele. Os cartolas só não imaginavam que seriam tantos…

Relatório formulado pelo Corinthians, quando o Imperador deixou o clube, apontou que o atacante teve 67 faltas a treinos. Em algumas delas houve multa com o recolhimento de parte dos salários, e o próprio jogador as assinou. Ele recebia R$ 380 mil mensais.

Além disso, segundo cartolas do Timão, Adriano se apresentou algumas vezes embriagado, fato que irritou profundamente o técnico Tite e a comissão dele.

– A gente sempre teve uma situação muito clara, cobrávamos e alertávamos o Adriano para os perigos que existiam naquela falta de cuidado, mostrávamos que aquilo impactava de alguma forma no processo de recuperação. A gente deixava claro, principalmente na figura do Joaquim (Grava, consultor médico do Corinthians), que sempre foi muito presente e exercia grande autoridade perante o elenco. Isso não quer dizer que todos os dias eram perfeitos, sempre que ele se descuidava na questão do peso ou do tratamento, a gente chamava atenção. E ele entendia, não era rebelde – recorda o fisioterapeuta Bruno Mazziotti.

Adriano com camisa levantada em treino do Corinthians — Foto: Daniel Augusto Jr/Ag.Corinthians

Adriano com camisa levantada em treino do Corinthians — Foto: Daniel Augusto Jr/Ag.Corinthians

O Imperador esteve visivelmente acima do peso durante toda a passagem pelo Corinthians. Inclusive, o estopim para a diretoria alvinegra romper o contrato dele foi quando Adriano se recusou a participar da pesagem de rotina dos atletas depois de ficar fora de uma viagem de Libertadores.

Até mesmo no melhor momento de Adriano no Corinthians a forma física do atacante incomodou ao técnico Tite e à comissão dele. Após o gol sobre o Atlético-MG, na reta final do Brasileirão de 2011, Adriano tirou a camisa e deixou evidente a sua barriga avantajada.

– Ganhamos, fomos campeões, mas no jornal do dia seguinte ao jogo saiu uma foto do Adriano que fez o Fábio Mahseredjian (preparador físico) me dizer: “Eu fiquei com vergonha”. E eu falei: “Eu também” – contou Tite, em 2015, ao diário “LANCE!”.

– Ele ficou no banco naquele jogo por uma circunstância. Não tínhamos pivô. Mas a gente não pode deixar um atleta com sobrepeso. Existem algumas exigências. Eu posso estar (fora de forma), mas ele não – completou o treinador.

Adriano festeja gol do Corinthians sobre o Atlético-MG — Foto: Daniel Augusto Jr/Ag.Corinthians

Adriano festeja gol do Corinthians sobre o Atlético-MG — Foto: Daniel Augusto Jr/Ag.Corinthians

5. Refúgio na periferia

Se no Rio de Janeiro é na comunidade da Vila Cruzeiro onde Adriano se sente mais à vontade, em São Paulo ele adotou o Capão Redondo, bairro de periferia no extremo Sul da cidade, como um de seus principais refúgios.

Em fevereiro de 2012, num sábado de folga durante um período de dez dias em que ficou internado no CT para focar nos treinos e na alimentação, ele apareceu em fotos e vídeos em uma roda de samba na sede do Vila Fundão, time de várzea criado com o nome de uma das favelas do Capão. O Imperador estava acompanhado do meia Vitor Júnior.

– Ele foi liberado da concentração no sábado depois do almoço, então não fugiu de nada. Até porque não é presidiário. Na segunda se reapresentou e treinou em dois períodos – disse Fábio Mahseredjian em entrevista na época, negando um deslize.

Segundo relatos, Adriano se aproximou da comunidade graças ao rapper Mano Brown, criado no Capão Redondo, de quem se tornou amigo.

Adriano Imperador e Vitor Júnior em samba no Capão Redondo — Foto: Reprodução

Adriano Imperador e Vitor Júnior em samba no Capão Redondo — Foto: Reprodução

6. Bom coração

Adriano decepcionou muita gente no Corinthians. A dor maior daqueles que conviveram com “Didico”, como gostava de ser chamado, era por ver um jogador de tanta história num processo de autossabotagem.

– Era um cara de coração enorme, muito querido no CT, sempre disposto a ajudar. Adriano só foi ruim para ele mesmo. Foi uma convivência bem legal. Mas o que me marcou foi a bondade dele, o coração dele – afirma Fábio Carille, hoje técnico do Al-Ittihad, da Arábia Saudita, e então auxiliar de Tite.

O sentimento é o mesmo do zagueiro Chicão, que era o capitão da equipe corintiana em 2011.

– Ele era muito gente boa, fazia mal para ele só, aquela coisa de chegar atrasado. Tinha um coração enorme, queria ajudar todo mundo. Fazia mal para ele, mas se preocupava muito com os outros. Uma pena o que aconteceu com ele. Merecia muito mais no futebol – destacou o ex-zagueiro.

Lateral-esquerdo do Timão, Fábio Santos conta que a relação entre o elenco e Adriano era muito positiva. E lembra um fato ocorrido em 2012 como exemplo:

– A gente estava na pré-temporada. Todo mundo tinha terminado o trabalho físico e ele precisava fazer um trote a mais a mando do preparador físico. E ele já estava cansado pra caramba. Aí o cara falou: “Só mais duas voltinhas”. Lembro que todo mundo falou: “Pô, então todo mundo vai fazer contigo”. Aí todo mundo levantou e fez o trabalho com ele. Foi maneiro que ele conseguiu fazer e foi uma coisa que marcou no grupo – recorda-se o jogador, que voltou ao Timão em 2020.

Funcionários contam que Adriano sempre deu muita atenção às crianças que visitavam o CT Joaquim Grava, em especial àquelas que eram portadoras de alguma deficiência.

– Adriano se identificava muito com a história de vida das pessoas, trazia as dores dos outros pra ele próprio, muitas vezes sofria com essas condições, de tentar ajudar… A gente sempre ouvia que ele ajudava as pessoas, os mais jovens o viam como um ídolo e ele tratava em igualdade. Eu sempre vi o Adriano muito próximo de todos, era uma coisa que chamava a atenção de quem não o conhecia. Ele não fazia força para ser humilde, para ter um bom coração – relata Bruno Mazziotti

Um relato que virou lenda no CT é de uma história que teria acontecido com Adriano em sua comunidade. Numa visita à Vila Cruzeiro, o jogador teria passado num drive-thru de uma grande rede de fast food e lotado o porta-malas de lanches, que foram distribuídos para várias crianças.

Adriano e Emerson Sheik, em 2011, pelo Corinthians — Foto: Daniel Augusto Jr/Ag.Corinthians

Adriano e Emerson Sheik, em 2011, pelo Corinthians — Foto: Daniel Augusto Jr/Ag.Corinthians

7. Churrasco liberado

Um caso que ilustra bem o lado amigável e generoso e Adriano aconteceu em 2012. Fora de uma viagem da Libertadores, o jogador se apresentou no CT Joaquim Grava para treinar junto de alguns garotos da base recém-promovidos e outros atletas sem espaço no elenco.

Animado naquele dia, o Imperador convidou os colegas e também diversos funcionários do clube para almoçar em uma churrascaria, com tudo pago.

Cerca de 20 pessoas compareceram ao restaurante, inclusive preparadores, seguranças, assessores de imprensa e outros profissionais do Timão.

Marquinhos, Edenílson, Adriano e Ralf na piscina do Corinthians — Foto: Daniel Augusto Jr/Ag.Corinthians

Marquinhos, Edenílson, Adriano e Ralf na piscina do Corinthians — Foto: Daniel Augusto Jr/Ag.Corinthians

8. Joia

Ao revisitar as fotografias dos treinos de Adriano no Corinthians, é possível notar algo brilhoso. Vaidoso, o Imperador treinava com brincos nas orelhas direita e esquerda. E não se tratava de bijuteria.

– Acho que devia custar o valor do meu carro – brincou o fisiologista Antônio Fedato.

Um dia, durante uma sessão de treinos, os brincos se perderam.

– Acabou o treino, todo mundo foi embora e ficamos eu e ele procurando no campo. Mas no fim deu certo, eu achei os dois (risos). Adriano jogava muito e foi um dos melhores que já vi – lembrou Fedato.

Adriano e seu brinco no treino do Corinthians — Foto: Daniel Augusto Jr/Ag. Corinthians

Adriano e seu brinco no treino do Corinthians — Foto: Daniel Augusto Jr/Ag. Corinthians

9. Marquinhos herdou camisa

Foi no dia 12 de março de 2012 que a passagem de Adriano pelo Corinthians se encerrou. Num ano em que o Timão seria campeão da Libertadores e do Mundial, quem se beneficiou foi o zagueiro Marquinhos, então com 17 anos.

Campeão da Copinha naquele ano e integrado ao elenco profissional, ele foi inscrito no torneio sul-americano a partir da fase de oitavas de final e herdou o número de Adriano. A camisa 10.

Adriano recebeu a camisa 10 do Corinthians — Foto: Daniel Augusto Jr/Ag.Corinthians

Adriano recebeu a camisa 10 do Corinthians — Foto: Daniel Augusto Jr/Ag.Corinthians

10. Na Justiça

O fim do casamento não foi amigável. Depois ver Adriano acumular casos de indisciplina, lutar contra a balança e sofrer com problemas físicos, as partes optaram por quebrar o contrato que ia até 30 de junho de 2012 alguns meses antes, na primeira quinzena de março.

A discussão financeira acabou no tribunal. Em junho, o estafe do jogador e o departamento jurídico do Corinthians acertaram um acordo de R$ 1,8 milhão, que seriam pagos em seis parcelas de R$ 300 mil.

Adriano chegou a cobrar R$ 50 milhões do Timão referentes ao fim do vínculo e pedindo indenização por danos morais. O Corinthians havia depositado apenas R$ 150 mil alegando demissão por justa causa pelas 67 faltas à fisioterapia.

Reportagem do jornal Lance sobre a saída de Adriano do Corinthians — Foto: Reprodução

Reportagem do jornal Lance sobre a saída de Adriano do Corinthians — Foto: Reprodução

Na ocasião, o clube acertou também R$ 800 mil que estava atrasados em direitos de imagem. O Timão alegou problemas por conta da falta de emissão de notas fiscais de Adriano.

A relação daí em diante ficou fria. Em 2018, porém, Adriano foi até a Neo Química Arena e acompanhou um jogo contra a Chapecoense ao lado do presidente Andrés Sanchez. Aos 36 anos, dizia que ainda voltaria a jogar, o que não aconteceu.

No mesmo ano, deu uma entrevista e disse que deveria ter feito coisas diferentes em sua passagem pelo Corinthians:

– (Me arrependo de) No Corinthians eu não ter seguido minha fisioterapia como devia. Tenho plena noção que realmente errei. E depois dali não consegui desenvolver mais meu futebol, o tendão me atrapalhou. Eu me arrependo, era para ter focado mais, eu estaria jogando no Corinthians ou em outro lugar. Tem de ter autocrítica, não adianta falar que não errei – declarou há três anos.

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Fonte: GE – Globo Esporte.