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Com corte de salário, Zanetti pode deixar São Caetano a 5 meses das Olimpíadas: “Desamparado”

O ginasta Arthur Zanetti pode deixar de treinar em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, a qualquer momento. Medalhista de ouro nos Jogos de Londres 2012 e

Zanetti
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Redação Publicado em 20/02/2021, às 00h00 - Atualizado às 09h22


Ginasta campeão olímpico e mundial, Arthur Zanetti teve 50% do salário cortado na pandemia e, às vésperas dos Jogos de Tóquio, Prefeitura de São Caetano do Sul faz nova redução

O ginasta Arthur Zanetti pode deixar de treinar em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, a qualquer momento. Medalhista de ouro nos Jogos de Londres 2012 e prata no Rio 2016, o campeão mundial das argolas soube nos últimos dias que vai ter um corte no salário que recebe da cidade onde nasceu e que defende desde os sete anos. Com a nova redução, que vem depois de um corte de 50% ano passado devido à pandemia, Zanetti e seu treinador Marcos Goto cogitam ir treinar em outra cidade ou defender outro clube na reta final de preparação para as Olimpíadas. Os Jogos de Tóquio começam em 23 de julho, ou seja, daqui a 5 meses. A Prefeitura se defende dizendo que não tem dinheiro para manter o investimento no esporte de alto rendimento na cidade.

– É um momento bem complicado. Faltando 5 meses para as Olimpíadas e a gente está meio desamparado, tendo situações bem complicadas com a Secretaria de Esportes de São Caetano. (…) Se a gente conseguir mais uma medalha nas Olimpíadas, agora, vou ser o primeiro atleta das argolas a conseguir três medalhas em Olimpíadas. Isso não tem na história, vou ser o primeiro da história da ginástica. (…) A gente fica bem chateado, bem triste, porque São Caetano sempre foi uma potência, não só na ginástica, mas, sim, uma potência no esporte. E, de uns tempos pra cá, a gestão veio cortando verbas, veio diminuindo esse investimento e fazendo com que o esporte caísse bastante. Está, vamos dizer assim, ridículo em questão de investimento, porque não tem como aceitar uma situação dessa – afirma Zanetti com exclusividade ao ge.

A situação, segundo apurou o ge, é a seguinte: em 2020, com a justificativa de que precisaria investir na saúde devido à pandemia, Zanetti e Goto tiveram um corte de 50% no salário que recebiam da Prefeitura de São Caetano. Aceitaram. No entanto, o salário de dezembro não foi pago. Assim como o de janeiro. A previsão é voltar a pagar a partir de maio. No início de fevereiro, a nova secretária de esportes da cidade, Renata Trevelin, chamou ambos para uma reunião. Goto foi com um representante de Zanetti. A portas fechadas e precisando deixar os celulares fora da reunião, eles souberam que haveria um teto para os salários de atletas e técnicos do alto rendimento da cidade: R$ 7 mil. No entanto, esse salário só seria pago em oito parcelas de 2021. Assim, os R$ 56 mil anuais, divididos em 12 meses, seriam, na verdade, R$ 4,6 mil mensais. Zanetti ganhava pouco mais de R$ 12 mil mensais antes dos cortes.

– É uma proposta indecente. A proposta que foi feita é indecente. Nenhum profissional na face da terra consegue viver com menos parcelas no ano e com menos salário. É uma proposta indecente para você ir embora. Mas eu não vou embora até me tirarem da cidade. Eu vou brigar – dispara Marcos Goto, que está em São Caetano do Sul há 24 anos e foi responsável pela formação de Zanetti desde 1998, quando o ginasta tinha pouco mais de 7 anos.

Arthur Zanetti e Marcos Goto, em São Caetano, antes dos Jogos Olímpicos do Rio em 2016 — Foto: Osvaldo F./Contrapé

Arthur Zanetti e Marcos Goto, em São Caetano, antes dos Jogos Olímpicos do Rio em 2016 — Foto: Osvaldo F./Contrapé

Zanetti treina em um ginásio da Prefeitura, junto com outros ginastas e outras 400 crianças. Goto é técnico do medalhista olímpico mas também de outros atletas. Todos os profissionais envolvidos terão os salários reduzidos e não receberão durantes estes seis meses. Zanetti e Goto ficarão com o teto salarial.

– Eu sou da seleção, faço parte do programa do Bolsa Atleta, tenho patrocinadores, então eu posso dizer que São Caetano tem uma parcela no que ganho para pagar minhas contas. Mas há profissionais do esporte do São Caetano, a maioria, não somente na ginástica, que dependem do salário da Prefeitura para pagar as contas, para botar comida em casa – diz Zanetti.

O ginásio da Agith (Associação de Ginástica di Thiene), onde treina o campeão olímpico e mundial, tem equipamentos cedidos em concessão pelo COB (Comitê Olímpico do Brasil) e pela CBG (Confederação Brasileira de Ginástica), parte é da associação de pais e outra parte foi doada por um patrocinador. Esses aparelhos cedidos estão em nome de Zanetti e Goto. Ou seja, eles poderiam levar para um novo local de treinamento, caso não renovem contrato com São Caetano. As argolas que Zanetti treina chegaram há cerca de três meses, diretamente do Japão, compradas pelo COB. A equipe masculina de ginástica artística do Brasil já está classificada para os Jogos Olímpicos de Tóquio e certamente Zanetti estará entre os quatro convocados da seleção.

– Estou lá há 24 anos já e temos duas medalhas olímpicas, indo para a terceira. Inúmeras participações em Pan-Americanos, Sul-Americanos, todas competições do mundo nós já fizemos. Com atletas de São Caetano. Atletas vindo da base. A base de São Caetano. A cidade que é berço do esporte amador no país. Então o que que eles querem que nós façamos mais?

Além do problema salarial, há a questão do investimento no local de treinamento. Zanetti e companhia deveriam ter recebido um centro de excelência em 2015, como preparação para os Jogos Olímpicos do Rio. A obra ainda não foi inaugurada quase seis anos após a licitação. O chamado Centro de Excelência Esportiva de Ginástica Artística e Ginástica Rítmica de São Caetano do Sul deve ser aberto em 90 dias, segundo a Prefeitura. Porém, segundo Goto, que só entrou uma vez no local desde o início das obras, não há equipamentos. O Ministério da Cidadania, onde está a secretaria de esportes do governo federal, foi quem financiou a construção nos últimos anos. O valor total da obra é de R$ 8,987 milhões.

Nos últimos dias, ginastas medalhistas olímpicos como Arthur Nory e Diego Hypólito compartilharam mensagens nas redes sociais em defesa de Zanetti e Goto. A esposa do ginasta, Jéssica Coutinho Zanetti, também publicou mensagem indignada com a situação. O próprio Zanetti publicou nesta sexta-feira um texto reclamando da administração pública de São Caetano.

OUTRO LADO

De acordo com a secretária de esportes de São Caetano do Sul, Renata Trevelin, não existe neste momento uma política pública específica para o esporte de alto rendimento, mas uma que engloba as 28 modalidades, coletivas e individuais, que a cidade atende. São Caetano começou 2021 em meio a incertezas em relação ao comando da cidade. O então prefeito José Auricchio Jr (do PSDB) foi reeleito no ano passado. No entanto, a candidatura foi questionada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e ele não assumiu após ter vencido a eleição de 2020. Então, o vereador Anacletto Campanella Jr. (do partido Cidadania), eleito presidente da Câmara Municipal, assumiu o posto vago de prefeito.

– Nós assumimos com contingenciamento econômico, que veio em função de um processo pandêmico. Desde 2020 nós estamos sofrendo esse processo de pandemia e esse contingenciamento já aconteceu no ano anterior. Hoje é possível desenvolver algumas coisas de alto rendimento e outras coisas que são prioritárias que é atender a população da nossa cidade no que tange a base, a estrutura de base da nossa cidade. Hoje nós temos um contingenciamento de 6%. Nós não temos dinheiro pra tudo, e vou um pouco além: nesse processo de pandemia é preciso que a gente tenha uma sensibilidade – diz Renata Trevelin.

A secretária explica que hoje há um processo de chamamento público, através da lei 13.019, no qual a Prefeitura oferece a algumas entidades da cidade a possibilidade de desenvolver as atividades esportivas. Desse chamamento sairá os valores pagos a Zanetti, Goto e companhia. Mas, segundo ela, o orçamento é de R$ 6 milhões para atender as 28 modalidades, não apenas a ginástica artística.

– Arthur Zanetti é fantástico, os meninos do taekwondo, que são medalhistas, são fantásticos. (…) Então há uma conversa não muito amistosa, não por minha parte. Porque pra mim, o menino nasceu aqui, cresceu aqui, atleta formado por aqui, o Arthur é um garoto fantástico. Mas precisamos ter sensibilidade. É um momento de dificuldade – conclui.

Placa do Governo Federal na frente do Centro de Excelência Esportiva de Ginástica Artística e Ginástica Rítmica de São Caetano do Sul  — Foto: Marcel Merguizo

Placa do Governo Federal na frente do Centro de Excelência Esportiva de Ginástica Artística e Ginástica Rítmica de São Caetano do Sul — Foto: Marcel Merguizo

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Fonte: GE – Globo Esporte.

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