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Ginecologista denuncia preconceito dentro e fora da comunidade LGBTQIA+: ‘Acham que pessoas bissexuais nem existem’

A ginecologista e obstetra Mariana Ferreira, de 36 anos, moradora do Rio de Janeiro, diz entender-se como uma mulher cisgênero e bissexual. Mesmo fazendo

GINECOLOGISTA
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Redação Publicado em 27/06/2021, às 00h00 - Atualizado às 12h46


“As pessoas acham que você está vivendo uma fase”, revela Mariana Ferreira, que é bissexual. Médica explica aos impasses que pessoas LGBTQIA+ enfrentam no atendimento médico ginecológico.

A ginecologista e obstetra Mariana Ferreira, de 36 anos, moradora do Rio de Janeiro, diz entender-se como uma mulher cisgênero e bissexual. Mesmo fazendo parte da comunidade LGBTQAI+ (o B é de bissexual, pessoas que se envolvem com homens e mulheres), ela revela que costuma ser invisibilizada.

MAIS QUE UMA LETRA: no mês do orgulho LGBTQIA+, o G1 ouve pessoas da comunidade para explicar o que significa cada uma das letras, falar sobre seu processo de descoberta e os desafios que enfrentam.

Mais que uma letra: entenda o que significa a sigla LGBTQIA+

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“Existe uma questão de acharem que as pessoas bissexuais nem existem. Ainda existe isso porque, óbvio, uma pessoa bissexual não vai se relacionar 50% com mulher, 50% com homem. Então, eventualmente, essa pessoa pode se relacionar mais com homens, mais com mulher”, explicou a médica.

“Quando você é bissexual, a maioria das pessoas acha que você está vivendo uma fase: ou que você está em um caminho para se tornar lésbica, ou você está vivendo uma fase e vai regredir dessa fase e vai se tornar uma pessoa heterossexual de novo”.

Mas a mistificação em torno das pessoas bissexuais ocorre também dentro da comunidade LGBTQIA+.

“As pessoas LGBTs, ao contrário, acreditam que: ‘ah, agora sim ela se encontrou, talvez ela seja lésbica’”, completou.

A ginecologista Mariana diz que, mesmo na comunidade LGBT, se sente invibilizada: 'Acham que bissexualidade é uma fase' — Foto: Marcos Serra Lima/G1

A ginecologista Mariana diz que, mesmo na comunidade LGBT, se sente invibilizada: ‘Acham que bissexualidade é uma fase’ — Foto: Marcos Serra Lima/G1

Questão de saúde

Em suas consultas médicas, Mariana atende pessoas LGBTQIA+. Ela explica que uma das demandas deste grupo é um atendimento médico que leve em consideração a orientação sexual do paciente.

Sendo ginecologista, ela pode atender qualquer pessoa com útero, sejam mulheres cisgênero, homens transgênero, pessoas intersexo, não-bináries, etc. Muitos pacientes deste grupo relataram a ela situações constrangedoras que sofreram em consultas anteriores.

“Em relação aos homens trans, por exemplo, acreditar que ele sempre vai se relacionar com uma mulher. Não! Ele pode, por exemplo, estar se relacionando com homem. E acham que não precisa de nenhum método contraceptivo”, explicou Mariana.

A médica bissexual Mariana Ferreira conta que pessoas LGBT relatam preconceitos ou atendimentos inadequados em consultas ginecológicas — Foto: Marcos Serra Lima/G1

A médica bissexual Mariana Ferreira conta que pessoas LGBT relatam preconceitos ou atendimentos inadequados em consultas ginecológicas — Foto: Marcos Serra Lima/G1

Mulheres cisgênero que se relacionam com outras com a mesma identidade de gênero também costumam ter dificuldades no atendimento ginecológico, quando falam abertamente da própria sexualidade ao profissional de saúde.

“Ela pode sofrer outros problemas. Por exemplo: se ela estiver se relacionando com uma mulher, aí já entra no estereótipo da lésbica, que não precisa fazer exame preventivo, que não é necessário. Não passa, necessariamente, pelo fato da pessoa com quem ela se relaciona ou não.”

Estigmas

A bissexualidade é uma orientação sexual que ainda é cercada por estigmas. Muitas pessoas acreditam que o fato de a pessoas se interessar por homens e mulheres a torna uma pessoa promíscua.

“As pessoas acreditam que, por uma pessoa ser bissexual, por ela se interessar por mais de um gênero, elas acreditam que possam ser atraídas com mais facilidade, ou que essa pessoa, ou que é uma pessoa indecisa, que tem uma cabeça bagunçada”, explica a ginecologista que deixou claro: é uma pessoa monogâmica – isto é, relaciona-se afetivamente somente com uma pessoa por vez.

Por esse motivo, também há ideia equivocada que pessoas bissexuais também têm mais infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).

“As pessoas acreditam, aqui eu estou falando do ponto de vista de estereótipo também, as pessoas bissexuais têm mais ISTs. Eventualmente a gente ouve isso dentro da própria comunidade.”

A médica Mariana Ferreira fala sobre estigmas vividos como bissexual: as pessoas têm adeia de promiscuidade e indecisão — Foto: Marcos Serra Lima/G1

A médica Mariana Ferreira fala sobre estigmas vividos como bissexual: as pessoas têm adeia de promiscuidade e indecisão — Foto: Marcos Serra Lima/G1

Machismo

O preconceito contra pessoas LGBTQIA+ é vivenciado de forma diferente por cada letra. A violência contra mulheres da comunidade que se relacionam com outras é muito influenciada pelo machismo da sociedade, como expõe a ginecologista.

“A sociedade, pelo machismo que a gente vive, ela tem uma dificuldade de entender aquilo e aceitar a legitimidade daquela relação. Como se ali faltasse alguma coisa, como se as mulheres precisassem de um homem. ‘Ah, não teve um homem de verdade’, ou ‘não teve uma experiência que foi bacana’”, contou.

“Toda vez que uma mulher se relaciona com outras mulheres, existe a ideia de que está faltando alguma coisa ali”, complementou a médica.

Orgulho

Ao G1, Mariana contou que vem de uma família normativa, mas, que ainda assim, sempre percebeu que gostava de homens e mulheres. Ela explicou ainda que não teve muitos problemas dentro de casa – até por ter tido um casamento com um homem cisgênero.

“Me casei com meu segundo namorado. E houve um momento em que eu tive uma perda na família, e isso serviu meio que como um gatilho para eu repensar se eu estava fazendo tudo o que eu gostaria de fazer, se eu estava vivendo a vida da maneira como eu gostaria. Como essa ideia, essa vontade de ficar com meninas sempre foi algo presente, foi o momento que eu comecei a me relacionar com mulheres também”, revelou.

“Pra mim, ser bissexual é uma questão de liberdade, de não me prender, e conseguir vivenciar minha sexualidade de uma forma mais ampla, da forma que eu acredito. Me sentir livre nesse sentido.”

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Fontes: G1 – Globo.

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