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COLUNA

O Drama do Erro Judiciário na Era Digital

Justiça no âmbito criminal. - Imagem: Reprodução | Freepik
Justiça no âmbito criminal. - Imagem: Reprodução | Freepik
Cristiano Medina da Rocha

por Cristiano Medina da Rocha

Publicado em 06/03/2024, às 05h44


Numa cidade onde o sol se põe tingindo os arranha-céus de dourado, vivia um empresário bem-sucedido chamado Michael Carter. Michael, conhecido por sua integridade e pelo sucesso de sua rede de lojas de tecnologia, era respeitado na comunidade empresarial. No entanto, sua trajetória de sucesso o colocou na mira de indivíduos menos escrupulosos. Certo dia, um policial chamado Jack Robinson, conhecido por suas práticas corruptas, tentou extorquir Michael, exigindo uma quantia substancial para "garantir" que a empresa de Michael não enfrentasse problemas com a justiça. Michael, firme em seus princípios, recusou-se a ceder à extorsão. Furioso com a recusa, Robinson anunciou uma vingança elaborada. Criou uma denúncia anônima, acusando Michael de estar envolvido com tráfico internacional de drogas. O caso foi parar nas mãos do Delegado Thomas Hill, que, levando a denúncia a sério, solicitou ao juiz uma ordem de busca e apreensão na casa e no escritório de Michael.

Quando os policiais executaram o mandado, "intrujaram" um pen drive com documentos que falsamente provavam a ligação de Michael com um notório traficante internacional. Baseado nesses documentos falsos e no testemunho de desafetos de Michael, que, motivados por inveja e disputas empresariais, corroboraram a falsa narrativa, Michael foi preso preventivamente. A acusação se baseou inteiramente nos documentos forjados e nos testemunhos falsos. O impacto dessa trama foi devastador não apenas para Michael, mas também para sua família. Seus filhos, antes vistos como parte de uma família respeitável, foram repentinamente marginalizados pela sociedade, vítimas de um estigma que não tinham como combater. A injustiça perpetrada contra Michael se estendeu, infectando a vida de seus inocentes familiares. Apesar da falta de perícia nos documentos e das evidentes falhas nas investigações e no processo, o juiz decidiu condenar Michael. Desesperado e incapaz de suportar a humilhação e a injustiça, Michael tirou sua própria vida na prisão após tomar conhecimento de sua condenação. Esta narrativa é uma obra de ficção, mas ressalta um problema real e grave: os erros judiciários. A história de Michael Carter, embora inventada, reflete as tragédias que podem ocorrer quando o sistema falha. No Brasil, como em muitos lugares, a necessidade de seguir rigorosamente a cadeia de custódia das provas é crucial para garantir a justiça. Muitas pessoas têm suas vidas devastadas por condenações baseadas em testemunhos duvidosos e provas ilícitas.

Em uma decisão, reminiscente das tramas de romances policiais, a Quinta Turma do STJ estabeleceu um marco para as investigações digitais. Sob a luz do RHC 77.836, o ministro Ribeiro Dantas delineou a importância da "cadeia de custódia", uma série de procedimentos destinados a manter a prova digital intacta desde sua coleta até a análise pelo juiz. É como se cada byte fosse uma peça de um quebra-cabeças meticulosamente preservado para o escrutínio da justiça. No entanto, desvelou-se que, em um caso de supostos furtos eletrônicos, a polícia não manteve a integridade dessa cadeia, deixando de registrar o caminho que as provas percorreram. Tais descuidos - a falta de documentação sobre o manuseio e o armazenamento dos dados, quem os tocou, quando e como - foram considerados fatais para anular o processo.O ministro destacou que não se pode garantir a autenticidade dos dados se as precauções básicas, como documentar o processo de coleta e preservação, não são seguidas. Em um veredito que sublinha a cautela necessária no novo mundo da criminalidade digital, foi decidido que as provas obtidas sem o devido cuidado são inúteis. A decisão reverbera um princípio antigo em um contexto moderno: sem a preservação meticulosa do caminho que a prova percorre, a verdade fica vulnerável, e a justiça, por sua vez, cega.

A história fictícia de Michael nos lembra da importância de um sistema judicial transparente, justo e baseado em provas concretas e legítimas. É um apelo para que os agentes do Estado -delegados, promotores e juízes - respeitem as regras legais evitando injustiças. Somente assim poderemos esperar que tragédias como a de Michael Carter, permaneçam no mundo da ficção.

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