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COLUNA

O Caso Henry Borel e a Superação da Súmula 208 do STF: Transformações na Justiça Penal e o Fortalecimento dos Direitos das Vítimas

Cristiano Medina da Rocha - Imagem: Reprodução | Facebook - Medina da Rocha Advogados Associados
Cristiano Medina da Rocha - Imagem: Reprodução | Facebook - Medina da Rocha Advogados Associados
Cristiano Medina da Rocha

por Cristiano Medina da Rocha

Publicado em 20/03/2024, às 02h00


Na comunidade internacional a figura do assistente de acusação é contemplada em diversas legislações, como na Itália, onde se permite que a parte ofendida pelo crime (parte civile) participe ativamente do processo penal; na Alemanha, "Nebenklager" (acusador secundário); na França "partie civile"; na Espanha "acusación particular" e "acusación popular; nos Estados Unidos, em alguns estados há procedimentos que permitem que vítimas tenham algum nível de participação, principalmente no que tange ao (plea bargaining); em Portugal; e na Argentina com a figura do "querellante particular".

No Brasil, o assistente de acusação tem sua figura prevista no CPP (artigos 268 a 273), podendo ser habilitado a partir do início da ação penal, podendo atuar até o trânsito em julgado. Após o pacote anticrime de 2019, suas funções foram ampliadas, passando a ter legitimidade de requerer a decretação de prisão preventiva.

Entretanto, a novatio legis encontra obstáculo nos mandamentos da Súmula 208 do STF, editada em 13/12/63, que estabelece que o assistente do MP não pode recorrer extraordinariamente de decisão concessiva de habeas corpus.

Esse evidente conflito entre o mens legis do legislador de 2019 e os mandamentos do STF de 1963, reflete negativamente na vida das diversas vítimas e seus familiares diariamente no Brasil.

Na condição de assistente da acusação no caso de Henry Borel, enfrentei a dura realidade da Súmula 208 do STF. Isso ocorreu quando desafiei a liberação de Monique Medeiros pelo STJ. O recurso não foi conhecido sob o fundamento de que não teria legitimidade para recorrer.

Diante do posicionamento do STJ, não tive alternativa, senão a de agravar da decisão demonstrando a imprescindibilidade da superação da Súmula 208.

Para tanto, sustentei que o ofendido ou seus sucessores podem intervir como assistentes da acusação não apenas para obter um título executivo – a sentença

condenatória –, mas também para garantir e zelar pela correta observância e aplicação das leis penais e processuais, como medida de justiça.

Demonstrei que a doutrina moderna e majoritária entende de modo diverso da Súmula 208. Guilherme de Souza Nucci sustenta que “(...) deve-se garantir que o ofendido, querendo, tenha papel relevante na instrução, podendo recorrer de todas as decisões contrárias ao que considera legítimo e justo. (...) particularmente, o disposto no § 2.º: ‘o ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem’. Para que saber que o acusado saiu da prisão se não pode recorrer contra essa decisão? Parece-nos ilógico. Ademais, após a modificação introduzida pela Lei 12.403/2011, o ofendido, por seu advogado, pode, inclusive, requerer a prisão preventiva (ou medidas cautelares) contra o acusado. Outra razão para poder recorrer no tocante à soltura do réu. (...)".

O Min. Gilmar Mendes do STF, em decisão histórica em defesa de todas as vítimas do Brasil, no RE 1.441.912, superou a Súmula 208 e reconduziu Monique Medeiros ao cárcere, ressaltando que “(...) há que se ter em mente que a recorrida é acusada de, ao tolerar o sofrimento e a tortura de seu filho HENRY BOREL DE MEDEIROS, um menino de apenas 4 anos de idade, ter concorrido eficazmente para a consumação do crime de homicídio, supostamente praticado por seu companheiro, JAIRO SOUZA SANTOS JÚNIOR, uma vez que, sendo conhecedora das agressões que o menor de idade sofria do padrasto e estando ainda presente no local e dia dos fatos nada fez para evitá-las. (...)".

Essa evolução no entendimento jurisprudencial, que alinha a atuação do assistente de acusação com tendências internacionais de justiça participativa, reflete uma progressiva humanização do direito penal. Com isso, o processo penal brasileiro não apenas segue a tendência de fortalecimento dos direitos das vítimas observada em muitas jurisdições ao redor do mundo, mas também responde a uma demanda interna por sistemas de justiça mais inclusivos e representativos.

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