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O vazamento de fotos do corpo de Marília Mendonça vai além da questão moral e social

O vazamento de fotos do corpo de Marília Mendonça vai além da questão moral e social - Imagem: Reprodução | Redes Sociais
O vazamento de fotos do corpo de Marília Mendonça vai além da questão moral e social - Imagem: Reprodução | Redes Sociais
Amilton Augusto

por Amilton Augusto

Publicado em 17/04/2023, às 08h16


Na última quinta-feira, dia 13 de abril, diversos veículos de imprensa divulgaram a informação sobre o vazamento de fotos da autópsia do corpo da cantora Marília Mendonça, que teriam sido extraídas do inquérito policial que trata do acidente aéreo que a vitimou, ocorrido em 5 de novembro de 2021. Por mais absurdo possa parecer, não é a primeira vez que isso acontece, envolvendo um artista famoso, tendo o mesmo ocorrido com o cantor Cristiano Araújo, que faleceu em acidente com sua namorada, quando, então, um vídeo e diversas imagens do corpo foram compartilhadas.

Diante de tais fatos, para além do desrespeito moral e emocional para com as famílias enlutadas, bem como da própria responsabilidade para com o próprio espírito que transcendeu, fica a indagação acerca da possibilidade de responsabilização dos agentes que deram causa ao vazamento e, ainda, daqueles que compartilharam o conteúdo adiante, além, por certo, da própria responsabilidade do Estado, que deveria garantir e preservar todo e qualquer documento que esteja sob sua guarda.

Por certo que, na seara criminal, diversos crimes podem ser imputados nesses casos aos agentes que deram causa ao vazamento, assim como àqueles que repostaram o conteúdo vazado, assim como na seara cível, cabe, ainda, a responsabilizaçãopor danos morais aos familiares atingidos, e, como dito, a própria responsabilização do Estado, uma vez que responde de modo objetivo pelos danos causados por praticado por seus agentes. Desse modo, de início podemos verificar a ocorrência dos crimes de vilipêndio de cadáver e violação de sigilo funcional, ambos constante do Código Penal.

Em síntese, o artigo 212 do Código Penal, que trata do crime de vilipêndio de cadáver, especifica que é crime, com pena de detenção de um a três anos e multa, vilipendiar caso ou suas cinzas, cujo termo vilipendiar deve ser entendido como ato de desrespeitar, profanar, aviltar, depreciar, desprezar, ultrajar o cadáver ou ter ação idêntica em relação às cinzas do mesmo, podendo ser praticado por diversas formas e por qualquer pessoa, tendo como vítima a coletividade, especialmente a família do morto e amigos próximos, em suma, o crime de vilipêndio de cadáver é a prática de qualquer ato que desrespeite o ser humano sem vida.

Nesse sentido, ainda que as redes sociais e as novas tecnologias sejam algo recente em relação ao texto do Código Penal que trata do crime de vilipêndio de cadáver, tendo vista que vilipendiar é toda forma de desrespeito ao ser humano sem vida, por certo que a exposição de imagens de cadáveres nas redes sociais ou por qualquer outro meio é uma forma ultraje, sendo, para além da reprovação social e moral, verdadeira ofensa jurídica, perfeitamente enquadrada no crime em questão, devendo responder todo aquele que divulgou e/ou compartilhouo referido conteúdo.

Cumpre esclarecer que, embora juridicamente a personalidade termine com a morte, o direito de imagem, que decorre dos direitos da personalidade, projeta efeitos jurídicos para além da morte, o que faz com que o ordenamento jurídico brasileiro garante especial proteção a tais direitos, não necessitando, assim, diferente do que alguns afirmam, de lei específica para regular essa questão no âmbito digital, uma vez que o crime de vilipêndio de cadáveré amplo e visa resguardar o sentimento de respeito, honra e veneração aquele que faleceu.

Por sua vez, o tipo do artigo 325, do Código Penal, trata da violação de sigilo funcional, que traz expresso que é crime “revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação”, cuja pena é de “detenção de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave”, que é crime funcional, ou seja, imputado ao funcionário público que divulgue ou facilite a divulgação de segredo que tenha ciência em razão do cargo, tendo como objetividade jurídica a proteção à Administração Pública.

Embora o crime do artigo 325 do Código Penal trate de crime funcional, ou seja, imputado ao funcionário público que detinha a informação, no caso de terceiros que compartilharam o conteúdo, para além de responderem pelo crime de vilipêndio de cadáver, tendo conhecimento de que se tratava de informação sigilosa, poderão ser corresponsabilizados pelo vazamento, respondendo com partícipe, em razão da previsão constante do artigo 30 do Código Penal, que trata das elementares do crime, o que acaba sendo de difícil comprovação.

Cabe ainda, diante de tais fatos, a notificação e, a depender da negativa, eventual ação de obrigação de fazer contra provedores de sites e redes sociais para que as imagens não sejam divulgadas e/ou sejam imediatamente removidas, retiradas do ar, que é o chamado “take down”, sob pena de responsabilização cível e, até mesmo, criminal, de seus administradores, em caso de descumprimento.

Por fim, ainda que o Estado não possa ser, em tese, responsabilizado criminalmente pelo ato praticado por seus agentes, a responsabilidade civil é plenamente aceitável e, diante da responsabilidade objetiva, torna-se verdadeira regra, podendo, a família e, até mesmo, amigos próximos do morto ingressarem com ação indenizatória contra o Estado da Federação a que o agente causador do dano esteja vinculado, assim como contra toda e qualquer pessoa comum que tenha compartilhado indevidamente o referido conteúdo, conforme previsão dos artigos 186 e 927 do Código Civil, que preveem que “aquele que, por ação ou omissão intencional, negligente ou imprudente, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” e “aquele que, por ato ilícito, causa dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

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Fonte:

-https://andrearnaldopereira.jusbrasil.com.br/artigos/229905329/divulgar-fotos-de-pessoas-falecidas-nas-redes-sociais-e-crime

-https://gaumb.jusbrasil.com.br/artigos/190272042/a-responsabilizacao-criminal-mediante-veiculacao-de-imagens-de-cadaveres-nas-midias-sociais

-https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/entenda-quais-sao-os-crimes-envolvidos-no-vazamento-de-fotos-de-marilia-mendonca/

-https://www.migalhas.com.br/quentes/384836/vazar-fotos-de-marilia-mendonca-no-iml-e-crime-advogados-respondem

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