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A Extrapolação dos Prazos de Investigações e a Dignidade da Pessoa Humana: O Caso Ney Santos

Ney Santos. - Imagem: Divulgação
Ney Santos. - Imagem: Divulgação
Amilton Augusto

por Amilton Augusto

Publicado em 26/06/2023, às 09h19


O atual Prefeito de Embu das Artes, Ney Santos, fora investigado por, supostamente, ter envolvimento em lavagem de dinheiro para uma das maiores e mais conhecidas quadrilhas de crime organizado do Brasil, o Primeiro Comando da Capital – PCC. Segundo consta do noticiário geral, o Departamento Estadual de Investigações Criminais – DEIC, abriu inquérito em agosto de 2012, a partir de requisição do Ministério Público de São Paulo. Tais fatos fizeram com que o Prefeito Ney Santos, como é conhecido, passasse a ser rotulado como chefe de facção criminosa, etc., o que maculou seu nome e sua imagem, seja enquanto cidadão comum, seja enquanto agente político.

Ocorre que, entre idas e vindas, seja no que concerne ao procedimento investigatório, seja nos impactos causados na seara política, após cerca de 11 (onze) anos, a Justiça paulista determinou o trancamento do inquérito policial, através de decisão do Juiz da 2ª. Vara de Crimes Tributários, Organizações Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital, Dr. Guilherme Eduardo Martins Kellner, uma vez que as investigações não foram suficientes a comprovar as acusações imputadas. Segundo entendeu o magistrado, é “inadmissível que um indivíduo seja investigado por tempo indefinido, tendo-se em conta que o ordenamento jurídico vigente tem como um dos princípios basilares a razoável duração do processo [...]. Assim, evidente que o excesso de prazo na conclusão de inquérito policial resulta em constrangimento ilegal, que deve coibido (sic) pelo Judiciário.”¹

E, ainda, o magistrado concluiu, afirmando que “a demora na conclusão das investigações em nada se deve a eventual conduta por parte dos investigados, de modo que não pode se admitir que sejam prejudicados pela ineficiência e/ou falta de estrutura do Estado, nada havendo de concreto a se justificar os onze anos de investigação. Ainda que o paciente (investigado) encontre-se solto, a mera existência de inquérito policial que perdura por mais de ONZE anos, sem que sequer haja previsão para o término das investigações, é motivo suficiente para configurar excesso de prazo e o evidente constrangimento ilegal que encontra-se (sic) submetido, mormente pela estigmatização de pairar contra si a suspeita de prática de grave conduta delituosa.”

Como se vê, após cerca de 11 (onze) anos de uma investigação que se arrastava no âmbito policial, nada ficou provado e sequer a autoridade policial conseguiu explicar o andamento do inquérito e previsão de prazo para sua conclusão, como bem afirmou o magistrado, ao destacar que “a informação é prestada de forma genérica, vez que não especifica quais seriam essas pessoas, quais diligências faltam, e qual tempo necessário para conclusão das investigações.”, o que conduz a conclusãológica da extrapolação dos prazos e evidente ilegalidade na condução do caso, ofendendo diretamente os ditames constitucionais do devido processo legal, ampla defesa, contraditório, presunção de inocência e dignidade da pessoa humana, situação que ocorre em tantos outros casos pelo país a fora e já se tornou corriqueira.

É cediço que a extrapolação dos prazos, seja no processo judicial, seja no decorrer de investigações criminais, causa impactos gravíssimos na presunção de inocência, um dos pilares fundamentais do sistema jurídico criminal, gerando efeitos nefastos na vida do cidadão que se encontra sob uma acusação “ad eternum”, sem que se comprove devidamente as alegações estatais que se levantam sobre a sua conduta. A presunção de inocência estabelece que todo indivíduo é considerado inocente, até que sua culpa seja devidamente comprovada, de forma até irrefutável, perante um tribunal competente, princípio esse que busca garantir um julgamento justo e equitativo, onde uma pessoa que seja acusada de algum crime tenha o direito de ser tratada como inocente, tendo sua dignidade totalmente resguardada, até que se prove o contrário.

Justamente por isso que a demora em investigações e na tramitação de processos que se arrastam por longos períodos gera um ambiente pernicioso e propício para a formação de opiniões prévias e preconceituosas, tanto por parte da sociedade em geral como da mídia. A exposição prolongada do acusado na mídia, muitas vezes seguida de especulações e suposições cria um estigma que dificulta o exercício pleno da sua cidadania, o que vai na contramão do que exige a dignidade da pessoa humana. Não bastasse, à medida que as investigações se arrastam, para além das questões ligadas à apuração em si e da afetação a capacidade de se estabelecer adequadamente a verdade dos fatos, prejudica, inclusive, o próprio trabalho da defesa, em evidente desrespeito ao cidadão envolvido nas acusações que, como já afirmado, com base no que determina a Constituição da República, é inocente até que haja uma condenação por juízo competente que não caiba mais recurso.

Além disso, a dignidade da pessoa humana exige que o cidadão acusado seja tratado de forma justa e igualitária, sem discriminações de qualquer natureza, implicando na garantia de condições de defesa, como acesso à assistência jurídica, direito à produção de provas, julgamento imparcial, e, certamente, um dos pontos mais importantes, respeito aos prazos processuais e à integridade, evitando-se, ainda, tratamentos degradantes, torturas psicológicas ou de qualquer forma de violência física ou moral, afinal, a finalidade de todo processo penal é a busca da verdade e aplicação da justiça, não sendo permitido, como muito se viu no âmbito da Operação Lava-Jato, como ficou devidamente reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, procedimentos não previstos na legislação e excessos ilegais.

Diante desse cenário, é fundamentalque as autoridades responsáveis pela condução de investigações e processos judiciais criminais atuem com respeito ao que determina o processo penal, em especial observando a celeridade e diligenciado para que não haja extrapolação indevida e ilegal, respeitando-se, assim, as garantias constitucionais do cidadão acusado, devendo-se, ainda, que o Estado garanta estruturas eficientes, capacitação adequada e recursos qualificados para evitar que essas situações se tornem corriqueiras e que justifiquem indevida transferência de responsabilidade da pessoa da autoridade para o ente estatal, além do que, os casos que sejam devidamente reconhecidos devem ser indenizados à altura, uma vez que os dados causados são, muitas vezes, irreversíveis.

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¹ https://noticias.uol.com.br/colunas/josmar-jozino/2023/06/21/inquerito-contra-prefeito-ney-santos-de-embu-durou-11-anos-e-sem-desfecho.htm

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