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Ex-funcionária da CBF disse ao Ministério Público que Caboclo a assediou durante voo para Madri

"Sentiu novamente a mão de Rogério Caboclo acariciando seu braço, para cima e para baixo", a cena narrada faz parte do depoimento de uma das três mulheres que

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Redação Publicado em 30/08/2021, às 00h00 - Atualizado às 14h12


“Sentiu novamente a mão de Rogério Caboclo acariciando seu braço, para cima e para baixo”, a cena narrada faz parte do depoimento de uma das três mulheres que afirmam terem sido vítimas de assédio sexual do presidente afastado da CBF, Rogério Caboclo. Ela foi secretária do dirigente e disse em depoimento ao Ministério Público que pediu demissão por não aguentar o comportamento “instável” do chefe .

Não se trata de uma nova denúncia. Ela já havia prestado depoimento na condição de testemunha do primeiro caso.

Segundo seu relato ao MP, o episódio que mais lhe marcou foi a bordo de um voo comercial, quando ela, Caboclo e o diretor de Comunicação da CBF, Douglas Lunardi, viajavam para Madri, onde acompanharam a final da Champions League de 2019, entre Liverpool e Tottenham. No depoimento, ela detalhou o caso.

– Que dias antes da final da Champions League de 2019, estava viajando na companhia do presidente Rogério Caboclo e do diretor Douglas Lunardi; que o voo se destinava a Madri e estavam os três em assentos da classe executiva, salvo engano da Iberia, sendo que estavam numa fileira de três poltronas, estando o presidente numa extremidade, Douglas no meio e a depoente na outra extremidade; que durante o voo o presidente Rogério Caboclo pediu para que a declarante trocasse de lugar com Douglas, o que foi feito, sem que a depoente pensasse que poderia haver alguma má intenção; que o investigado inferiu vinho durante o voo, todos reclinaram suas cadeiras, a depoente de costas para o investigado, momento em que declarante pôde sentir que a mão do presidente tocou em seu braço e ficou encostada, acreditando a depoente que tivesse ocorrido por acaso e que o mesmo deveria estar dormindo; que tirou o braço do investigado – relatou ela ao MP.

A ex-funcionária contou no depoimento que Caboclo insistiu mesmo depois de ela ter afastado o contato da mão do dirigente.

– Logo em seguida sentiu novamente a mão de Rogério Caboclo acariciando seu braço, para cima e para baixo, entendendo a depoente que não era movimento involuntário ou sem querer e imediatamente sentou e olhou para Rogério, indagou ao mesmo o que estava ocorrendo, que ele estaria confundindo as coisas; que era casada, que a relação da depoente com o investigado era estritamente profissional; que o investigado estava acordado, olhou para a depoente, porém não falou nada; que a depoente voltou a deitar em sua cadeira, mais próxima da cadeira do diretor Douglas, momento em que sentiu novamente a mão do presidente Rogério tocar em seu braço, tendo a depoente reagido imediatamente e retirado a mão de Rogério e pediu para Douglas trocar de lugar, alegando que estava passando mal e precisava ficar no assento do corredor para ficar perto do banheiro, sem explicar o que havia ocorrido – prosseguiu ela no depoimento.

Segundo a ex-secretária da CBF, ao chegar a Madri, ela explicou o que havia ocorrido para Lunardi, que “foi solidário, prestou apoio à depoente”, passando a acompanhá-la durante toda a viagem para que ela ficasse em segurança. A companhia do diretor à jovem passou a incomodar Caboclo, segundo a depoente.

– Foram várias piadinhas lançadas pelo presidente, inclusive porque Douglas passou a acompanhar a depoente frequentemente, para evitar qualquer abordagem do presidente; que o investigado dizia que ele estavam formando um “casalzinho”.

A reportagem procurou o diretor para que se manifestasse sobre o depoimento da ex-funcionária da CBF. Ele confirmou o que foi narrado por ela. “Essa é a verdadeira história”, disse Lunardi. Também procurado, Rogério Caboclo afirmou que “não cometeu crime de assédio contra nenhuma funcionária da entidade” (veja íntegra da nota no fim deste texto).

A mesma conduta de Caboclo foi relatada pelas outras duas mulheres que afirmam serem vítimas dele. Segundo elas, ao buscarem a companhia de algum colega para não ficarem sozinhas com o dirigente, o então presidente da CBF passava a insinuar um relacionamento conjugal.

Ligações insistentes

O episódio do avião foi o que mais marcou a então secretária. Mas a depoente narrou condutas semelhantes às ocorridas nos outros dois casos já revelados, entre elas que recebia ligações insistentes do chefe fora do horário de trabalho. Ela também afirmou ao MP que Caboclo estava constantemente embriagado durante o expediente na CBF.

– Pôde presenciar o investigado bêbado durante várias oportunidades durante a viagem, o que foi uma surpresa para a depoente; que em vários eventos sociais viu o investigado fora de seu estado normal, que já chegava com cheiro de bebida e continuava bebendo, comumente via o investigado bebendo vinho.

Segundo o depoimento, Caboclo pedia para esconder bebida no banheiro da CBF — Foto: CBF

Segundo o depoimento, Caboclo pedia para esconder bebida no banheiro da CBF — Foto: CBF

Assim como denunciou a outra vítima, o dirigente pedia constantemente para que a então funcionária escondesse bebida no banheiro da sede da CBF.

– Que o investigado passou a ingerir muita bebida alcoólica, inclusive durante o horário de expediente na CBF; que o investigado pediu uma vez para a depoente colocar bebida alcoólica no banheiro, porém a depoente se recusou e disse que poderia até ser demitida, mas não colocaria bebida no banheiro do gabinete do presidente; que apesar da depoente não colocar bebida para o investigado, sabia que outras pessoas atendiam esse pedido e disponibilizavam bebidas alcoólicas no banheiro para Rogério; que com o passar do tempo o fato do presidente estar frequentemente embriagado, passou a ser comentário tanto internamente quanto externamente à CBF.

Secretária mulher

A conduta do dirigente incomodou a jovem a tal ponto que, segundo ela, não teve outra escolha a não ser pedir demissão. No depoimento, ela afirma que tentou pedir transferência para outra área e ressaltou sua experiência em projetos e em outras entidades ligadas à CBF, mas, segundo conta, Caboclo disse que ou ela trabalhava para ele ou sairia da entidade:

– E assim a depoente foi demitida fazendo acordo com o presidente para ser indenizada.

Segundo ela, o dirigente exigiu que sua substituta fosse uma mulher. Quem a substituiu na função foi justamente a funcionária que, dois anos depois, faria a primeira denúncia de assédio sexual contra o dirigente.

As denúncias contra Caboclo

No total são três mulheres que afirmam ter sido assediadas por Rogério Caboclo. Os três casos foram revelados. O dirigente nega todas as acusações.

No dia 4 de junho, uma funcionária o acusou de assédio sexual e assédio moral. O segundo caso, revelado em 9 de agosto, foi exatamente o da ex-funcionária que relatou o assédio no voo para Madri em depoimento ao Ministério Público. O terceiro caso foi publicado em 20 de agosto e incluiu também acusações de agressão.

Ednaldo Rodrigues assumiu a presidência interina da CBF — Foto: Tamires Fukutani

Ednaldo Rodrigues assumiu a presidência interina da CBF — Foto: Tamires Fukutani

Entre os fatos narrados pela primeira denunciante, estão constrangimentos sofridos em viagens e reuniões com o presidente e na presença de diretores da CBF. Na denúncia, a funcionária detalha o dia em que o dirigente, após sucessivos comportamentos abusivos, perguntou se ela se “masturbava” – o áudio desta conversa foi revelado pelo Fantástico em 6 de junho. Entre outros episódios, segundo a funcionária, Caboclo ofereceu a ela um biscoito de cachorro, chamando-a de “cadela”.

Esta primeira denúncia, que provocou o afastamento temporário de Caboclo no dia 6 de junho, teve desfecho na última semana. Os integrantes da Comissão de Ética entenderam não ser possível afirmar que houve assédio sexual por parte de Caboclo. Eles decidiram afastar o dirigente por 15 meses, o que permitiria seu retorno ao cargo em setembro de 2022. Para ter validade, este resultado precisa ser aprovado pela Assembleia Geral composta pelos 27 presidentes de federações.

A pena, considerada branda pelos dirigentes, fez com que eles publicassem uma carta pedindo a renúncia de Caboclo, mas o presidente afastado da CBF descartou a hipótese. Além disso, Ednaldo Rodrigues assumiu a presidência interina da entidade, em substituição ao Coronel Nunes.

Leia a nota da defesa de Rogério Caboclo:

“A defesa do presidente da CBF, Rogério Caboclo, afirma que ele não cometeu crime de assédio contra nenhuma funcionária da entidade e é vítima de uma armação conduzida por adversários para tirá-lo do cargo.

Em outro caso, a Comissão de Ética o afastou de forma sumária, sem direito à defesa, e, no fim, concluiu que não houve assédio.

A defesa de Caboclo também lamenta que esteja acontecendo o vazamento seletivo de peças do processo para prejudicar a honra de Caboclo e influenciar no resultado do seu julgamento pela assembleia formada pelos presidentes das federações estaduais.

O vazamento do depoimento tomado em procedimento sigiloso precisa ser investigado e punido com rigor.”

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Fontes: Ge – Globo Esporte.

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