Diário de São Paulo
Siga-nos

Economia em 2019: Ajuste fiscal dos Estados pode precisar de medidas radicais, diz Marcos Lisboa

A agenda fiscal dos Estados a partir de 2019 vai se revelar muito mais difícil que a do governo federal, na visão do economista e presidente do Insper, Marcos

Economia em 2019: Ajuste fiscal dos Estados pode precisar de medidas radicais, diz Marcos Lisboa
Economia em 2019: Ajuste fiscal dos Estados pode precisar de medidas radicais, diz Marcos Lisboa

Redação Publicado em 27/12/2018, às 00h00 - Atualizado às 12h22


Para o economista e presidente do Insper, não há uma fórmula clara e conhecida para equilibras as finanças estaduais.

A agenda fiscal dos Estados a partir de 2019 vai se revelar muito mais difícil que a do governo federal, na visão do economista e presidente do Insper, Marcos Lisboa. A crise nas finanças estaduais chegou a um ponto tão grave, avalia ele, que não há uma fórmula clara para endereçar o problema.

A solução, de acordo com o economista, deve exigir dos novos governadores a adoção de medidas radicais e não somente as ações que já estão no radar, como reforma da Previdência, por exemplo.

“Eu consigo imaginar uma agenda fiscal para o governo federal”, afirmou Lisboa, ex-secretário de Política Econômica no primeiro governo Lula, em entrevista concedida ao G1 para a série “O que esperar da economia em 2019”. “A agenda fiscal dos Estados e municípios é muito mais difícil. Eu acho que a gente vai assistir a uma situação cada vez mais grave, que até pode ser postergada com medidas paliativas. Mas de novo: quando passa o efeito da morfina, a doença volta mais grave.”

G1 publica, nestes últimos dias do ano, uma série de entrevistas com o objetivo discutir o discutir o quadro econômico do Brasil em 2019.

  • 27/12: Marcos Lisboa, presidente do Insper
  • 28/12: Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna
  • 29/12: Eduardo Giannetti, economista e filósofo
  • 30/12: Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda
  • 31/12: Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco
Marcos Lisboa, presidente do Insper — Foto: Celso Tavares/G1

Marcos Lisboa, presidente do Insper — Foto: Celso Tavares/G1

A seguir os principais trechos da entrevista.

Qual é a avaliação do quadro da economia?

Os problemas são graves e a demora em enfrentá-los está levando a uma piora do quadro. O país enfrenta a crise fiscal dos Estados, tem os problemas com a Previdência e lida com a desorganização da microeconomia com incentivos tortos. O Brasil tem um ambiente muito prejudicial para a solvência das contas públicas e para a expansão do setor privado, o que gera esse quadro de baixo crescimento e um risco de grave crise lá na frente.

Qual é a agenda que se coloca daqui para frente?

O governo que termina fez uma bela arrumação da casa e dos problemas. Os números estão transparentes, há vários projetos prontos – alguns aprovados. A discussão amadureceu. A dúvida é se vamos conseguir fazer uma reforma da Previdência que ataque os problemas estruturais que levam a um forte crescimento do gasto e se vamos começar uma agenda microeconômica que permita a redução das distorções para o país voltar a crescer.

E qual é a avaliação da equipe econômica?

Eu prefiro não entrar em nomes. O importante é a complexidade da agenda. Tem um novo ministério (da Economia) com uma agenda interna muito pesada porque várias decisões do setor privado passam pelo governo.

Marcos Lisboa, presidente do Insper — Foto: Celso Tavares/G1

Marcos Lisboa, presidente do Insper — Foto: Celso Tavares/G1

As medidas de ajuste vão depender do Congresso…

O Congresso é um poder independente. Precisa do diálogo porque há uma quantidade imensa de projetos que permanentemente são debatidos e deliberados com muitas sutilezas que, se o governo não acompanha, pode ser surpreendido com medidas na contramão do esperado. É preciso uma relação de confiança de longo prazo e transparente, clara dos técnicos com a política.

Isso também é necessário com o Judiciário. O que em outros países são decisões puramente de políticas públicas, no Brasil elas são judicializadas, com resultados muito negativos. Vou dar exemplo de algumas: a cláusula de barreira e recentemente a tabela do frete dos caminhoneiros. Onde já se viu o tabelamento de frete, com reserva de mercado? É impensável, é um retrocesso imenso.

Por que essas medidas com resultados negativos são adotadas?

Às vezes tem uma ansiedade em resolver o problema e aí decisões meio estapafúrdias são tomadas. Eu tenho dito: o Brasil não é um país pobre à toa. A gente faz um esforço imenso para isso. Há uma série de leis bem intencionadas, mas que atrapalham e dão o efeito contrário ao pretendido. O Brasil está ficando para trás há muitos anos, perdeu o bonde do crescimento em 2011.

O Brasil nunca foi um país muito arrumado. Tivemos sempre as nossas dificuldades, mesmo nos bons momentos. Mas nos últimos sete anos nos descolamos da América Latina e ficamos muito para trás. E o pior é que o bônus demográfico está acabando. Quer dizer que aquele crescimento que vinha pelo aumento do número de trabalhadores vai acabar, já está acabando. Nosso potencial de crescimento será cada vez menor. E a única forma de compensar isso é com uma agenda de melhora no ambiente institucional para permitir o aumento recorrente da atividade.

As agendas micro e macro são possíveis de serem levadas adiante?

Eu consigo imaginar uma agenda fiscal para o governo federal. Não acho que ela está muito distante. Eu acho que a gente tem uma dívida de gratidão com a equipe (econômica do Temer) porque a agenda está pronta. Agora, é conseguir conduzir e negociar adequadamente. A agenda fiscal dos Estados e municípios é muito mais difícil. A situação ficou tão grave, deixou-se a situação chegar a um extremo, que caminhamos para a um quadro que pode precisar de medidas muito radicais. Não sei se vamos assistir a uma crise severa nos próximos anos.

Qual pode ser o desenrolar dessa crise dos Estados?

Com a crise de 2015 e 2016 e sem dinheiro para contratar policial, comprar remédio, eu achava que os governantes iriam falar: ‘opa, temos de mudar, temos de fazer alguma coisa, privatizar estatais, rever a previdência do servidor público e o regime das carreiras especiais, de policial e professor, que é quem consome a grande parte da aposentadoria precoce dos Estados’. A sociedade viu a degradação da política pública, com aumento da violência, piora da saúde e educação e agora começa a cair viaduto. E aparentemente tenta-se um novo truque para empurrar o problema por mais três meses.

Marcos Lisboa, presidente do Insper — Foto: Celso Tavares/G1

Marcos Lisboa, presidente do Insper — Foto: Celso Tavares/G1

E qual a consequência de não resolver o problema dos Estados?

Cada vez que você empurra o problema para frente, ele fica mais sério. Pelas regras atuais, aposenta-se muito rapidamente. Então, os servidores vão se aposentando muito rapidamente, os gastos com a folha ficam constante, mas tem menos pessoas trabalhando e há pouco dinheiro para investir. E isso leva à crise. Aparentemente a sociedade, os órgãos de controle, os tribunais de conta estão achando que dá para empurrar um pouco mais com a barriga. Do jeito que vai, o que a gente viu até agora de piora da violência, da saúde e queda de viaduto é só o prólogo de uma crise mais severa.

Mas como resolver o quadro dos Estados?

A coisa está tão séria que eu não sei como resolver. Tem de fazer a reforma da Previdência? Tem. Tem de mexer nos regimes especiais de policiais militares e professor? Tem. Mas vai ter de fazer muito mais. Nós vamos ter de discutir o que é direito adquirido ou os servidores vão ficar sem receber. Não sei o que fazer. Vamos olhar os dados, pegar os dados dos Estados em situação mais grave, como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, e tentar achar uma fórmula para equilibrar. Eu não conheço, não sei como fazer. Eu acho que a gente vai assistir a uma situação cada vez mais grave, que até pode ser postergada com medidas paliativas. Mas de novo: quando passa o efeito da morfina, a doença volta mais grave.

A agenda do governo federal também parece bastante clara na sua avaliação. Qual será a consequência de não endereçar as principais questões?

Pode ter a volta da inflação alta. Se não fizer o ajuste é um cenário muito possível. Tem sempre as opções paliativas e os remédios milagrosos, mas em geral, é meio conto do vigário. A gente está vendo o que aconteceu com a Argentina, por exemplo, que resolveu não fazer o ajuste fiscal. O déficit fiscal é o mesmo desde a posse do Macri (Mauricio Macri, presidente do país). De repente começa a piorar, piorar. A preocupação é a volta da inflação. A outra preocupação é a falência dos serviços públicos e o grau de confronto que isso pode gerar na sociedade, a reação dos grupos de interesse.

Marcos Lisboa, presidente do Insper — Foto: Celso Tavares/G1

Marcos Lisboa, presidente do Insper — Foto: Celso Tavares/G1

O novo governo tem de ser rápido para conseguir aprovar a reforma da Previdência?

A reforma da Previdência envolve muitos itens, são muitas distorções. Não é simples. É uma agenda complexa e é preciso ter clareza: onde nós queremos chegar e qual seria o ideal de justiça. Para evitar que o país quebre, como os Estados que já estão quebrando, o governo precisa ter uma agenda clara de qual é o ponto de chegada, quais são os caminhos e tem de ter as contas arrumadas para saber quais são os diversos cenários. A boa notícia é que o time mais recente que foi para a Previdência entende do riscado, o que pode permitir uma discussão bastante profunda. Mas é uma pena não terem aprovado a que estava lá, já teria tirado metade do problema da frente.

A última proposta do governo para a Previdência?

A versão recente do Arthur Maia (deputado federal e relator da reforma da Previdência). Não é a versão ideal, mas seria um belo passo. Não tinha nenhuma grande obstrução. Quer dizer, a única restrição da versão do Arthur Maia, de dezembro do ano passado, foi só o embate da política, de muita gente não querer aprovar uma reforma do governo Temer, o que foi lamentável. Pela política miúda, permitiram um agravamento da crise do país. Todo mundo que se opôs vai ter de se explicar algum dia os motivos.

O novo governo falou em fatiar a reforma da Previdência. Faz sentido?

O termo fatiar quer dizer muita coisa. Em princípio, é muito preocupante esta palavra. A gente tem dois aspectos dela: dá para fazer a leitura pessimista e otimista dela. A otimista é que vamos transformar tudo do que é hoje constitucional em tema de lei complementar e vamos tratar dos problemas.

E a leitura pessimista?

Vamos fazer uma coisa bem pequenininha, como a idade mínima, e depois fazer o resto. O país não tem mais tempo para esperar. Eu acho que passou do tempo. A gente já desperdiçou os anos do bônus demográfico, os Estados estão em crise severa e muitos órgãos públicos estão em estado terminal. Se esse problema continuar por mais algum tempo, quantos mais viadutos vão cair, quanto de saneamento vai ser agravado, quanto mais o Brasil vai perder o bonde da ciência e tecnologia? A nossa irresponsabilidade e oportunismo populista já foi longe demais.

Compartilhe  

últimas notícias