A agenda fiscal dos Estados a partir de 2019 vai se revelar muito mais difícil que a do governo federal, na visão do economista e presidente do Insper, Marcos
Redação Publicado em 27/12/2018, às 00h00 - Atualizado às 12h22
A agenda fiscal dos Estados a partir de 2019 vai se revelar muito mais difícil que a do governo federal, na visão do economista e presidente do Insper, Marcos Lisboa. A crise nas finanças estaduais chegou a um ponto tão grave, avalia ele, que não há uma fórmula clara para endereçar o problema.
A solução, de acordo com o economista, deve exigir dos novos governadores a adoção de medidas radicais e não somente as ações que já estão no radar, como reforma da Previdência, por exemplo.
“Eu consigo imaginar uma agenda fiscal para o governo federal”, afirmou Lisboa, ex-secretário de Política Econômica no primeiro governo Lula, em entrevista concedida ao G1 para a série “O que esperar da economia em 2019”. “A agenda fiscal dos Estados e municípios é muito mais difícil. Eu acho que a gente vai assistir a uma situação cada vez mais grave, que até pode ser postergada com medidas paliativas. Mas de novo: quando passa o efeito da morfina, a doença volta mais grave.”
O G1 publica, nestes últimos dias do ano, uma série de entrevistas com o objetivo discutir o discutir o quadro econômico do Brasil em 2019.
A seguir os principais trechos da entrevista.
Qual é a avaliação do quadro da economia?
Os problemas são graves e a demora em enfrentá-los está levando a uma piora do quadro. O país enfrenta a crise fiscal dos Estados, tem os problemas com a Previdência e lida com a desorganização da microeconomia com incentivos tortos. O Brasil tem um ambiente muito prejudicial para a solvência das contas públicas e para a expansão do setor privado, o que gera esse quadro de baixo crescimento e um risco de grave crise lá na frente.
Qual é a agenda que se coloca daqui para frente?
O governo que termina fez uma bela arrumação da casa e dos problemas. Os números estão transparentes, há vários projetos prontos – alguns aprovados. A discussão amadureceu. A dúvida é se vamos conseguir fazer uma reforma da Previdência que ataque os problemas estruturais que levam a um forte crescimento do gasto e se vamos começar uma agenda microeconômica que permita a redução das distorções para o país voltar a crescer.
E qual é a avaliação da equipe econômica?
Eu prefiro não entrar em nomes. O importante é a complexidade da agenda. Tem um novo ministério (da Economia) com uma agenda interna muito pesada porque várias decisões do setor privado passam pelo governo.
As medidas de ajuste vão depender do Congresso…
O Congresso é um poder independente. Precisa do diálogo porque há uma quantidade imensa de projetos que permanentemente são debatidos e deliberados com muitas sutilezas que, se o governo não acompanha, pode ser surpreendido com medidas na contramão do esperado. É preciso uma relação de confiança de longo prazo e transparente, clara dos técnicos com a política.
Isso também é necessário com o Judiciário. O que em outros países são decisões puramente de políticas públicas, no Brasil elas são judicializadas, com resultados muito negativos. Vou dar exemplo de algumas: a cláusula de barreira e recentemente a tabela do frete dos caminhoneiros. Onde já se viu o tabelamento de frete, com reserva de mercado? É impensável, é um retrocesso imenso.
Por que essas medidas com resultados negativos são adotadas?
Às vezes tem uma ansiedade em resolver o problema e aí decisões meio estapafúrdias são tomadas. Eu tenho dito: o Brasil não é um país pobre à toa. A gente faz um esforço imenso para isso. Há uma série de leis bem intencionadas, mas que atrapalham e dão o efeito contrário ao pretendido. O Brasil está ficando para trás há muitos anos, perdeu o bonde do crescimento em 2011.
O Brasil nunca foi um país muito arrumado. Tivemos sempre as nossas dificuldades, mesmo nos bons momentos. Mas nos últimos sete anos nos descolamos da América Latina e ficamos muito para trás. E o pior é que o bônus demográfico está acabando. Quer dizer que aquele crescimento que vinha pelo aumento do número de trabalhadores vai acabar, já está acabando. Nosso potencial de crescimento será cada vez menor. E a única forma de compensar isso é com uma agenda de melhora no ambiente institucional para permitir o aumento recorrente da atividade.
As agendas micro e macro são possíveis de serem levadas adiante?
Eu consigo imaginar uma agenda fiscal para o governo federal. Não acho que ela está muito distante. Eu acho que a gente tem uma dívida de gratidão com a equipe (econômica do Temer) porque a agenda está pronta. Agora, é conseguir conduzir e negociar adequadamente. A agenda fiscal dos Estados e municípios é muito mais difícil. A situação ficou tão grave, deixou-se a situação chegar a um extremo, que caminhamos para a um quadro que pode precisar de medidas muito radicais. Não sei se vamos assistir a uma crise severa nos próximos anos.
Qual pode ser o desenrolar dessa crise dos Estados?
Com a crise de 2015 e 2016 e sem dinheiro para contratar policial, comprar remédio, eu achava que os governantes iriam falar: ‘opa, temos de mudar, temos de fazer alguma coisa, privatizar estatais, rever a previdência do servidor público e o regime das carreiras especiais, de policial e professor, que é quem consome a grande parte da aposentadoria precoce dos Estados’. A sociedade viu a degradação da política pública, com aumento da violência, piora da saúde e educação e agora começa a cair viaduto. E aparentemente tenta-se um novo truque para empurrar o problema por mais três meses.
E qual a consequência de não resolver o problema dos Estados?
Cada vez que você empurra o problema para frente, ele fica mais sério. Pelas regras atuais, aposenta-se muito rapidamente. Então, os servidores vão se aposentando muito rapidamente, os gastos com a folha ficam constante, mas tem menos pessoas trabalhando e há pouco dinheiro para investir. E isso leva à crise. Aparentemente a sociedade, os órgãos de controle, os tribunais de conta estão achando que dá para empurrar um pouco mais com a barriga. Do jeito que vai, o que a gente viu até agora de piora da violência, da saúde e queda de viaduto é só o prólogo de uma crise mais severa.
Mas como resolver o quadro dos Estados?
A coisa está tão séria que eu não sei como resolver. Tem de fazer a reforma da Previdência? Tem. Tem de mexer nos regimes especiais de policiais militares e professor? Tem. Mas vai ter de fazer muito mais. Nós vamos ter de discutir o que é direito adquirido ou os servidores vão ficar sem receber. Não sei o que fazer. Vamos olhar os dados, pegar os dados dos Estados em situação mais grave, como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, e tentar achar uma fórmula para equilibrar. Eu não conheço, não sei como fazer. Eu acho que a gente vai assistir a uma situação cada vez mais grave, que até pode ser postergada com medidas paliativas. Mas de novo: quando passa o efeito da morfina, a doença volta mais grave.
A agenda do governo federal também parece bastante clara na sua avaliação. Qual será a consequência de não endereçar as principais questões?
Pode ter a volta da inflação alta. Se não fizer o ajuste é um cenário muito possível. Tem sempre as opções paliativas e os remédios milagrosos, mas em geral, é meio conto do vigário. A gente está vendo o que aconteceu com a Argentina, por exemplo, que resolveu não fazer o ajuste fiscal. O déficit fiscal é o mesmo desde a posse do Macri (Mauricio Macri, presidente do país). De repente começa a piorar, piorar. A preocupação é a volta da inflação. A outra preocupação é a falência dos serviços públicos e o grau de confronto que isso pode gerar na sociedade, a reação dos grupos de interesse.
O novo governo tem de ser rápido para conseguir aprovar a reforma da Previdência?
A reforma da Previdência envolve muitos itens, são muitas distorções. Não é simples. É uma agenda complexa e é preciso ter clareza: onde nós queremos chegar e qual seria o ideal de justiça. Para evitar que o país quebre, como os Estados que já estão quebrando, o governo precisa ter uma agenda clara de qual é o ponto de chegada, quais são os caminhos e tem de ter as contas arrumadas para saber quais são os diversos cenários. A boa notícia é que o time mais recente que foi para a Previdência entende do riscado, o que pode permitir uma discussão bastante profunda. Mas é uma pena não terem aprovado a que estava lá, já teria tirado metade do problema da frente.
A última proposta do governo para a Previdência?
A versão recente do Arthur Maia (deputado federal e relator da reforma da Previdência). Não é a versão ideal, mas seria um belo passo. Não tinha nenhuma grande obstrução. Quer dizer, a única restrição da versão do Arthur Maia, de dezembro do ano passado, foi só o embate da política, de muita gente não querer aprovar uma reforma do governo Temer, o que foi lamentável. Pela política miúda, permitiram um agravamento da crise do país. Todo mundo que se opôs vai ter de se explicar algum dia os motivos.
O novo governo falou em fatiar a reforma da Previdência. Faz sentido?
O termo fatiar quer dizer muita coisa. Em princípio, é muito preocupante esta palavra. A gente tem dois aspectos dela: dá para fazer a leitura pessimista e otimista dela. A otimista é que vamos transformar tudo do que é hoje constitucional em tema de lei complementar e vamos tratar dos problemas.
E a leitura pessimista?
Vamos fazer uma coisa bem pequenininha, como a idade mínima, e depois fazer o resto. O país não tem mais tempo para esperar. Eu acho que passou do tempo. A gente já desperdiçou os anos do bônus demográfico, os Estados estão em crise severa e muitos órgãos públicos estão em estado terminal. Se esse problema continuar por mais algum tempo, quantos mais viadutos vão cair, quanto de saneamento vai ser agravado, quanto mais o Brasil vai perder o bonde da ciência e tecnologia? A nossa irresponsabilidade e oportunismo populista já foi longe demais.
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