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Cuca explica Santos na final, deixa milagre para Deus e diz: “Superstição eu levo a meia e a cueca”

As superstições, os milagres, os títulos, as histórias...

Cuca
Cuca

Redação Publicado em 28/01/2021, às 00h00 - Atualizado às 10h43


Em entrevista exclusiva, técnico do Peixe valoriza importância de jovens jogadores, fala de fé e das dificuldades até a decisão da Libertadores, neste sábado, contra o Palmeiras

As superstições, os milagres, os títulos, as histórias…

Cuca é, sem dúvidas, um dos grandes personagens do futebol brasileiro. Cheio de memórias e rótulos em seus mais de 20 anos de carreira como treinador, o técnico levou o Santos à final da Libertadores, que será disputada neste sábado, às 17h (de Brasília), contra o Palmeiras, no Maracanã.

Antes de viajar para o Rio de Janeiro para tentar entrar de vez na história do Santos, Cuca conversou com o ge. Num papo de cerca de 30 minutos, falou sobre o caminho do Peixe até a decisão, a importância dos jovens jogadores num elenco carente de peças experientes, a cueca e a meia da sorte e os milagres de Deus.

Cuca em treino do Santos no Rio de Janeiro — Foto: Ivan Storti / Santos FC

Cuca em treino do Santos no Rio de Janeiro — Foto: Ivan Storti / Santos FC

Cuca ficou conhecido por, supostamente, ser um técnico supersticioso, não gostar que ônibus dê ré, repetir camisas… O treinador do Santos, porém, nega tudo isso. A roupa que usa em dias de Libertadores, por exemplo, com uma imagem da Nossa Senhora da Virgem Maria e do Menino Jesus, foi um presente da esposa Regiane. O que dá sorte a ele é outra coisa.

– Eu ganho da Regiane, minha esposa. Ela me deu aquela do Galo uma vez, da Nossa Senhora do Silencio. Aquela preta. E agora ela me deu essa, com a Nossa Senhora da Virgem Maria e o Menino Jesus. Uso ela nos jogos da Libertadores. Não é superstição. É fé. Superstição eu levo a meia e a cueca. Já estão prontas (risos). A Nossa Senhora é fé. Fico mais fortalecido. Não sei se vamos ganhar ou não, mas ganho muita energia com ela – disse Cuca.

Cuca, técnico do Santos, no jogo contra o Boca com a camisa da Nossa Senhora Virgem Maria — Foto: Staff Images / CONMEBOL

Cuca, técnico do Santos, no jogo contra o Boca com a camisa da Nossa Senhora Virgem Maria — Foto: Staff Images / CONMEBOL

Durante o papo, o ge também perguntou sobre a volta ao Santos depois da conturbada saída em 2018, a maturação de jovens jogadores, como Sandry e Kaio Jorge e outros assuntos. Veja, abaixo, a entrevista:

ge: por que você voltou ao Santos, Cuca? Em 2018, você tinha saído com muitos problemas com o presidente José Carlos Peres. O que mudou?

– Eu conhecia a casa, conhecia o clube, a maioria dos jogadores, o ambiente geral do clube, a cidade que gosto muito. Falei com o Cuquinha que era o lugar para virmos, porque ia aparecer o trabalho. Tinha muita confiança. Falei que vinha pelo prazer do trabalho. E foi por isso que viemos. Não foi pelo dinheiro, vim ganhando praticamente a metade do que ganhava em 2018. Vim pelo prazer do trabalho.

– E estamos sentindo isso. Lógico que priorizamos alguma competição, que é a Libertadores, porque não temos um elenco para fazer um Brasileiro de 38 rodadas, com jogo de domingo e quarta. Você vai perder muito jogador se expusermos eles. Temos posto um time alternativo em alguns jogos para deixar o time descansado.

Diante de uma final de Libertadores, essa é sua passagem mais marcante pelo Santos?

– Em 2018 foi um ano em que cheguei e (o Santos) estava em 17º (no Brasileirão), um ano de recuperação de autoestima dos jogadores. Gabigol acabou se recuperando e sendo o artilheiro da competição. Por pouco não chegamos entre os seis para irmos à Libertadores. Naquela Libertadores teve o problema com o Independiente, a inclusão com o Sánchez, mas foram dois empates.

– Neste ano, era diferente. Eu sabia que tinha a dificuldade financeira, a punição na Fifa, mas não sabia que ia demorar tanto e até aumentar depois. Dentro desse cenário, já vim preparado para trabalhar com os meninos sem reclamar de nada, como temos feito até hoje.

Cuca no Santos, em 2008 — Foto: Agência Estado

Cuca no Santos, em 2008 — Foto: Agência Estado

Escutamos falar que você é um cara muito participativo no dia a dia. Liga para um, liga para outro. Quer saber de tudo o que acontece no clube. Como é sua relação com as três diretorias com as quais trabalhou aqui?

– Na primeira, tinha o Matheus (Rodrigues) e o Pedro (Doria), que eram pessoas maravilhosas, ficavam comigo no dia a dia. Nos dávamos muito bem, mas eles tiveram de sair por causa do impeachment. Veio o Rollo, que trouxe o Ximenes. Também me dei muito bem com o Rollo, o Ximenes, o Oliverio. Tivemos um ambiente bom, uma relação muito boa. O Rollo também deixou um ambiente muito bom com o Ximenes, o Marcio Santos, que saíram. Me dei bem com eles.

– Em uma ocasião fui até a Vila conversar com o Comitê de Gestão, explicar o quanto faltava para irmos à final da Libertadores. E o que eu precisava para ir à final. Um deles era o próprio Zé Carlos, que agora é vice. Eu participo, lógico. Estou sempre em contato com eles. Agora um pouco menos com essa diretoria, porque o presidente Rueda está colocando a casa em ordem. Ontem os pagamentos foram feitos.

Cuca conversa com jogadores antes de treino do Santos — Foto: Ivan Storti/Santos FC

Cuca conversa com jogadores antes de treino do Santos — Foto: Ivan Storti/Santos FC

Diferentemente de uma situação tradicional, desta vez você não pôde montar o elenco do Santos. Sequer contratou, praticamente. Só o Laércio chegou. Como foi realizar esse trabalho assim?

– O Laercio é um jogador que veio a custo zero. Tem um salário baixo na realidade do futebol hoje. Veio a custo zero. Então não é uma contratação bombástica que se fez. É um jogador que vimos no Caxias. Ainda está em fase de adaptação e está nos ajudando. Fez gols e tal. Tem um tempo de bola, um jogo aéreo bom. A cada dificuldade que tínhamos íamos buscar na base um menino ou outro.

– Mesmo no jogo de Fortaleza, tínhamos de 21 jogadores, 16 das categorias de base. Está sendo feito mesmo na derrota um plantio para se colher daqui a dois, três, quatro anos. Ângelo, Ivonei, o próprio Kaio Jorge. Eles não são jogadores prontos. Isso de jogar jogos importantes está evoluindo eles muito rápido. Daqui a pouco vão estar numa condição ideal para serem vendidos e o Santos fazer a máquina andar.

Esse destaque dos garotos, modéstia à parte, é mérito seu?

– O mais importante é o destaque deles. Não adianta você lançar o jogador e ele não ir bem. O que eu dou é oportunidade. Lógico que é uma responsabilidade tática em campo, também. Eles têm se cuidado bem, têm conversado com os mais experientes. Têm amadurecido.

– O próprio Kaio Jorge, o que amadureceu em seis meses… Já passa a ser um protagonista da equipe. Tem outros meninos que estão evoluindo. O próprio Sandry, que é um jogador muito importante para nós. A gente vai lançando os meninos e dando confiança para eles desempenharem.

Kaio Jorge e Sandry pelo Santos, ainda garotos — Foto: Ivan Storti / Santos FC

Kaio Jorge e Sandry pelo Santos, ainda garotos — Foto: Ivan Storti / Santos FC

Logo depois do título do Atlético-MG, da Libertadores, em 2013, você disse que era azarado. Você ainda é azarado?

– Nada, não. Eu não era azarado. É que a imprensa rotula. Se não ganhar, bate na trave, bate na trave e vai ficando. Quando acabou, lembro que eu falei: “eu azarado, o Galo azarado… Acabou tudo nessa porr*”. Lá no Mineirão. Foi um extravaso que eu fiz, porque foi uma conquista épica. A maior da história do Galo. Fizemos parte dela com uma reformulação de 19 jogadores.

Você tem, no currículo, alguns milagres. O próprio título do Galo em 2013, ter evitado a queda do Fluminense em 2009, a ascensão do Botafogo… O Santos na final da Libertadores é mais um?

– Não, não. Não é milagre. Milagre quem faz é Deus. Ele ele tem de fazer milagres em coisas muito mais importantes do que nos dar um título. A fé que a gente tem nos propicia a conseguir coisas grandes e às vezes quase impossíveis. Temos de ter fé.

– Quando dirigimos um clube grande como o Santos e falamos em ter a fé, um rumo de que vamos chegar naquilo, você ter fé é você acreditar no que você não vê. E estamos tendo. A gente não viu a taça ainda, mas temos fé em ver. Vamos lutar com tudo o que podemos para no dia 30, sábado, conseguir.

Durante sua passagem, você teve de lidar também com a Covid-19. Como você descobriu e como foram os dias internado?

– Na verdade, na sexta-feira à noite eu dormi em casa. Nós íamos jogar domingo contra o Bragantino. Foi assistir à Série B e fiz um gim com água tônica. Cortei um limãozinho e fui tomar. Aí pensei que tinha estragado, já que estava sem o gosto. Mas já era eu que estava sem paladar. De manhã, vim para o campo e falei para o doutor que estava indisposto, com dor de cabeça.

– Aí ele me deu um remédio e fui descansar. Me deu taquicardia, o coração disparou, 145 batimentos por minuto. Tentaram acalmar, mas não conseguiram e me levaram para o hospital. Fiz os exames e deu que era Covid-19. Tive que ser transferido para São Paulo, mas não tinha ambulância. E o coração estava disparado ainda. É um risco, né?

– Estava consciente, mas com o coração disparado e com a respiração como se tivesse dado um pique. O doutor me colocou no carro dele, correu todos os riscos de pegar Covid-19, e me levou para o Sírio. Fui internado, fiz os exames, e eu já estava com o pulmão comprometido. Fiquei seis dias no quarto e depois disseram que eu tinha piorado, que estava com pneumonia.

– Fui levado para a Unidade Crítica Geral, colocaram cateter e me encheram de coisa para a pressão e oxigênio não baixar, por que se não tem que entubar. Naquele momento, você não é mais dono de você. Estava consciente, mas debilitado, muito debilitado. Não conseguia me alimentar, levantar para tomar um banho, nada. E piorando. A doença estava tomando conta.

– Você pensa que já não é mais dono da situação, tem que ter muita fé, força de vontade. Penso nas pessoas que foram. Devem ter ido desse jeito. São entubadas e não conseguem mais voltar. Foi assim com o Marcelo Veiga, com meu sogro e mais 200 mil e tantas pessoas no Brasil e muito mais no mundo. É uma doença muito forte.

Você teve medo de não voltar da UTI?

– Não tive medo de não voltar. Tive medo de entubar. Porque sei que se tiver o tubo, você já não está mais natural. Então, quando aquele medidor chegava no 91 (de oxigenação), já me acalmava para ele não baixar. Se tivesse que entubar, a dificuldade seria muito maior.

Em meio à preparação para a final, você teve de lidar com mais um problema, que foi a saída do Felipe Ximenes, superintendente de esportes. Como era o trabalho e como o grupo reagiu a isso?

– É natural esse remanejamento, que o Rueda não vá trabalhar com as pessoas de diretorias anteriores, assim como ele trocou o Comitê de Gestão todo. É natural que ele troque o Ximenes e o Márcio Santos para pôr as pessoas, que eu não sei quem são, da confiança dele. Ele podia ter feito isso no começo, quando entrou, mas acho que quis dar tempo ao tempo, entender mais as coisas tirar deles o máximo do que eles sabiam para depois seguir o projeto dele.

– Meu relacionamento com o Ximenes era muito bom, é um amigo que eu tenho. Certamente daqui um curto espaço de tempo vai estar trabalhando em uma outra equipe. O Marcio também. Ele saiu por essa questão financeira, como o presidente falou, e também pela montagem da diretoria dele. Membros que ele traga agora e que não estavam com a outra diretoria. Os dois são ótimos profissionais

E quem é o favorito para a final?

– Acho meio a meio. Metade para lá e metade para cá. O Palmeiras fez mais pontos, teve quase 80% de aproveitamento, e nós tivemos 75%. As equipes chegaram na final por merecimento.

Você já conhecia o trabalho do Abel Ferreira?

– Não o conhecia. Estou conhecendo o trabalho dele agora. Vocês têm visto mais do que eu, está trabalhando muito bem, vivo em todas as competições que o Palmeiras está e tem jogado bem. Tem usado bastante o elenco todo. O Palmeiras tem um grande elenco.

Final em jogo único muda muita coisa?

– Muda. Ela fica mais charmosa. Todo mundo vai se mobilizar para aquele jogo, num campo neutro e em uma final. É diferente de você jogar uma final no Paraguai com o Olimpia e depois trazer para o Mineirão. São estratégias diferentes. De repente, pode administrar um mau resultado no primeiro jogo, como a gente fez no Atlético, e ter a revanche no segundo. Agora é diferente, é um jogo só. Não pode errar porque não tem revanche.

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GE – Globo Esporte.

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