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Priorizar a educação é garantir o futuro de milhares de crianças e adolescentes

Imagem Priorizar a educação é garantir o futuro de milhares de crianças e adolescentes

Redação Publicado em 20/06/2022, às 00h00 - Atualizado às 07h21


Pode parecer absurdo, mas, em pleno Século XXI, Brasil tem mais de 11 milhões de pessoas analfabetas, ou seja, que não sabem ler e escrever, segundo dados no PNAD¹, além disso, as escolas brasileiras ainda formam analfabetos funcionais, afinal, cerca de 29% da população brasileira tem dificuldades para ler textos simples e aplicar conceitos básicos de matemática, por exemplo, o que, segundo especialistas, reflete claramente a falta de investimentos na área da educação², sem contar o fato de que, segundo estudo do Unicef, até o ano passado o Brasil tinha cerca de 1,4 milhão de crianças e adolescentes fora da escola³, sendo que entre 6 a 14 anos são mais de 144 mil jovens⁴.

Os dados são alarmantes e refletem uma realidade há muito conhecida dos brasileiros, realidade de um Brasil que não se preocupa em garantir uma educação de qualidade para as crianças e adolescentes, que não se preocupa em garantir o desenvolvimento adequado das políticas de inclusão, bem como, pouco se importa em valorizar e qualificar adequadamente professoras e professores, que são, certamente, a base fundamental de todo processo educacional, afinal, de nada adianta construir escolas lindas e imponentes, nem entregar uniformes maravilhosos ou investir em tecnologias, se o alicerce fundamental da educação é esquecido.

Pode parecer piada, mas, segundo o Plano Nacional de Educação (Lei nº 13.0005/2014), que estabelece o que deve ser feito para melhorar a educação no país até 2024, desde o ensino infantil até a pós-graduação, uma das metas é zerar a taxa de analfabetismo, no entanto, a pergunta que fica é, como, principalmente se levarmos em consideração a redução cada vez maior dos investimentos na área e a falta de incentivos para que os governos estaduais e municipais possam desenvolver uma política mais efetiva.

Se considerarmos o analfabetismo funcional, a situação fica ainda mais grave, afinal de contas, segundo os relatórios oficiais, essa não é considerada para cálculo do percentual acima destacado, porém, é determinante para demonstrar o grau de evolução de uma sociedade, pois, enquanto é considerado analfabeto aquele que não sabe ler e escrever, o analfabetismo funcional considera todo aquele que não consegue de modo razoável ler e interpretar textos simples do cotidiano, como uma notícia jornalística ou um livro técnico, ou seja, situações que caracterizam barreiras nas vidas dos cidadãos, especialmente para o mercado de trabalho.⁵

Trata-se de um desafio ainda maior que exige do poder público atenção especial e políticas públicas direcionadas, além de recursos e a devida qualificação e investimentos massivos em materiais e recursos humanos, além do que, o ensino não pode ser somente a aplicação de conteúdo e a cobrança em provas e avaliações, conceitos que não avaliam em si a capacidade intelectual e o raciocínio lógico do cidadão, mas, tão somente, servem para graduá-lo dentro do parâmetro curricular, isso sem contar a malfadada aprovação automática, que só serve para piorar ainda mais a qualidade da educação e aumentar o índice do analfabetismo funcional.

O primeiro passo para a formação de uma sociedade intelectualmente qualificada e com senso crítico apurado é investir pesado na educação de qualidade, com investimentos especialmente no ser humano, com salários dignos para o profissional da área, considerando-se a implementação de um piso nacional que seja suficiente para que a professora e o professor possa se dedicar de modo integral a uma escola, na mudança da metodologia educacional (sem tanta preocupação na aprovação e provas, mas com especial atenção a fixação do conteúdo e no desenvolvimento da capacidade de raciocínio e de interpretação) e no apoio e incentivo para a participação conjunta da família na formação da criança e do adolescente.

O outro grande problema do Brasil é o abandono escolar, que acaba refletindo no analfabetismo funcional e que, especialmente, nos últimos anos, devido a pandemia da Covid-19, aumentou ainda mais, mas, não é, por certo, decorrente exclusivamente desta, pois, já em 2019, segundo dados do IBGE, dos 50 milhões de brasileiros entre 14 e 29 anos de idade, 20%, ou seja, cerca de 10 milhões, não completaram alguma das etapas do ensino fundamental ou médio, o que se dá ou por nunca terem frequentado ou pelo abandono causado pela necessidade de trabalhar, em decorrência de gravidez precoce ou por desinteresse pelas aulas.⁶

Quando consideramos as crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos, cerca de 1,4 milhão estão fora da escola, segundo dados da Unicef, além do que, cerca de 5,5 milhões de brasileiros nessa faixa etária não tiveram atividades escolares em 2020, por conta da pandemia.⁷  Na faixa de 6 a 14 anos, os números chegam a cerca de 244 mil crianças e adolescentes fora das escolas, segundo dados de 2021, o que significa um crescimento de quase 172% na evasão escolar em relação a 2019. Além disso, houve um aumento de alunos desta faixa etária em situação de atraso escolar: cerca de 396,8 mil cursavam a pré-escola em 2019, etapa dedicada a crianças entre 4 e 5 anos, enquanto que em 2021 são 702,7 mil: um crescimento de 77% que aponta para os maiores valores absolutos e relativos da série histórica em 2012, além da redução no percentual de jovens entre 15 e 17 anos matriculados no ensino médio regular ou que já concluíram essa etapa de estudos: passou de 77% em 2019 para 74,9% em 2021, justamente pelo aumento, em 2021, no número de jovens frequentando etapas anteriores, ou seja, como dito, em situação de atraso escolar.⁸

Não bastasse, há ainda a falta de efetividade das políticas de inclusão, que é muito mal equacionada no ambiente educacional, tendo em vista a ausência de investimentos adequados e, especialmente, da qualificação e valorização do profissional da área para lidar com a diversidade e com alunos com diferentes graus de deficiências, o que, longe de ser um favor, é um direito supraconstitucional, previsto no artigo 7 da Convenção na ONU sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, que estabelece o compromisso com a adoção de medidas necessárias para assegurar às crianças com deficiência o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de oportunidade com as demais, exigindo uma política que reconheça e valorize a diversidade humana presente na escola de modo inclusivo, em todos os níveis, etapas e modalidades⁹, bem diferente do novo Plano Nacional de Educação, que, em verdadeiro retrocesso, traz uma política de segregação.

Desse modo, evidente que a educação no Brasil é relegada a segundo plano no âmbito do orçamento público e das políticas públicas implementadas pelo Estado, especialmente quando verificamos os dados acima apresentados, em que o ensino não é construído com vias a formar o senso crítico da criança e adolescente, em que temos ainda provas que nada avaliam, sistema de aprovação automática, falta de uma política de resgate daqueles que abandonaram as escolas, falta de incentivo a participação da família e da sociedade no dia-a-dia das escolas e, especialmente, na total falta de respeito e valorização do profissional-professor(a), ou seja, situações que demonstram o atraso do País no que realmente importa, afinal, cerca de 34 anos após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, ainda é uma utopia o que prevê o texto do seu artigo 205, quando afirma que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

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¹ https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2020-07/taxa-cai-levemente-mas-brasil-ainda-tem-11-milhoes-de-analfabetos

² https://jornal.usp.br/atualidades/escolas-brasileiras-ainda-formam-analfabetos-funcionais/

³ https://g1.globo.com/educacao/volta-as-aulas/noticia/2021/01/28/brasil-tem-quase-14-milhao-de-criancas-e-adolescentes-fora-da-escola-diz-estudo-do-unicef-com-dados-do-ibge.ghtml

https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/com-maior-numero-em-seis-anos-brasil-tem-244-mil-jovens-de-6-a-14-fora-da-escola/

https://jornal.usp.br/atualidades/escolas-brasileiras-ainda-formam-analfabetos-funcionais/

https://jornal.usp.br/atualidades/escolas-brasileiras-ainda-formam-analfabetos-funcionais/

https://g1.globo.com/educacao/volta-as-aulas/noticia/2021/01/28/brasil-tem-quase-14-milhao-de-criancas-e-adolescentes-fora-da-escola-diz-estudo-do-unicef-com-dados-do-ibge.ghtml

https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/com-maior-numero-em-seis-anos-brasil-tem-244-mil-jovens-de-6-a-14-fora-da-escola/

https://diversa.org.br/artigos/marcos-legais-da-educacao-infantil-inclusiva/?gclid=Cj0KCQjwkruVBhCHARIsACVIiOwwZzpoybYzyz5rLcPnibK6d0RarL9BYpMpGNpAQblSLdNY_SvemgAaAshdEALw_wcB

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