Marcus Vinicius De Freitas
Redação Publicado em 21/04/2021, às 00h00 - Atualizado às 06h23
Marcus Vinicius De Freitas
O enterro de Sua Alteza Real, o Príncipe Philip, Duque de Edimburgo, representou o início do fim de uma era. Fiel e leal companheiro de Sua Majestade Britânica, com quem foi casado por 73 anos, Príncipe Philip foi um exemplo de dedicação à Coroa Britânica e de serviço público ininterrupto. Tanto ele como a Rainha Elisabeth II constituem o elo contínuo de um país com seu passado, sua história, tradição e grandes realizações, representando o Estado britânico em todo o seu esplendor e glória. Obviamente, o Reino Unido tem passado por profundas transformações: deixou de ser o império onde o sol nunca se punha para o império onde o sol nunca se põe – com licença poética para enfatizar o aspecto cinzento do clima britânico. A Coroa Britânicatem sido um elo importante da unidade nacional. À família Windsorcabe resguardar as tradições e, ao mesmo tempo,manter a instituição em constante rejuvenescimento – apesar das mudanças dos tempos – e também proteger o misticismo da instituição, sua liturgia e relevância, sempre pautada pelo constante escrutínio da opinião pública.
Não há dúvida de que a divisão de responsabilidades entre as Chefias de Estado e Governo oferece maior eficiência ao Estado. Com distintas responsabilidades, a Chefia de Governo passa a preocupar-se muito mais com a sua função primordial que é a administração da coisa pública, obtendo do sucesso desta gerência o voto de confiança popular que lhe garante estabilidade, continuidade e legitimidade. À Chefia de Estadocabemas funções protocolares, além de, em razão de sua perenidade, aconselhar a Chefia do Governo no desempenho de suas atividades, em razão da sabedoria do tempo e do fato de que sua legitimidade não se dá pelo voto mas pelo reconhecimento dos serviços prestados à nação, particularmente quanto à estabilidade proporcionada. A união destas duas funções num só indivíduo – Chefias de Estado e Governo – somente ocorre em regimes absolutistas ou repúblicas presidencialistas.
À exceção – com ressalvas –dos Estados Unidos, poucos regimes presidencialistas lograram êxito efetivo. Aliás, ao longo da história, o que se observa nestes regimes éuma continuidade de crises recorrentes, porque a legitimidade do voto incita o detentor do poder outorgado pela população a acreditar-se absoluto na função. Acrescente-se a isso o relógio democrático – a eleição a cada quatro ou cinco anos–, e temos a fórmula do desastre. Ospaíses presidencialistas forçam, em razão do prazo determinado de seus mandatários, a reeleição como forma de capacitar o ocupante do poder a realizar algo efetivo. No caso brasileiro, isto compele todo e qualquer presidente, ao assumir o cargo, a se verobrigado a anunciar, quase que imediatamente, a sua candidatura ao próximo ciclo eleitoral, transformando o período administrativo, muitas vezes, num grande engodo para assegurar a reeleição. Além disso, as forças de oposição –pífias em matéria propositiva – desencadeiam uma guerra de narrativas contrárias ao detentor de poder com o fito de atrapalhar-lhe a atuação e a diminuir-lhe o legado. Trata-se pois de um regime que se auto-sabota sob o manto da legitimidade do voto e da democracia. Quais legados, efetivamente, deixaram os presidentes brasileiros nos últimos 50 anos?
Talvez o principalativo da monarquia é o poder que advém do seu exemplo, como a representação do melhor do Estado, ede sua capacidade aconselhadora, em razão da sua perenidade, particularmente em momentos difíceis da vida nacional. Não há como negar, por exemplo, a sabedoria de um conselho da Rainha Elisabeth II a um primeiro-ministro quando este, ao atravessar uma crise, pode encontrar na soberana uma fiel conselheira, desinteressada das questões políticas do dia, e que pode recorrer à sabedoria do tempo e à experiência de antecessores para sugerir novas perspectivas ou reflexões. No caso do regime presidencialista, tal possibilidade inexiste porque o Presidente jamais logrará receber conselhos desinteressados de seus subordinados ou dos presidentes anteriores, com os quais, necessariamente, se indispôs politicamente.
O enterro do Príncipe Philip nos fez recordar da serenidade dignificada que os representantes do Estado devem ter. A Rainha Elisabeth II é um exemplo de dedicação abnegada ao seu país e povo. Dom Pedro II e aPrincesa Isabel representaram muito bem a questão da dignidade do Estado. Infelizmente, um golpe militar destruiu muito daquilo que o Brasil havia construído até então. Desde aí, o País caiu na mão de aventureiros, em todos os poderes. Infelizmente, a nossa história demonstra que nada que surgiu de golpes levou o País a grandes avanços. Talvez devêssemos reavaliar nossa forma de governo.
Marcus Vinicius De Freitas, Professor Visitante, Universidade de Relações Exteriores da China
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