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Juíza de SP cria projeto para conciliação de casos com viés acolhedor: “O objetivo é trazer uma mediação mais humanizada”

Imagem Juíza de SP cria projeto para conciliação de casos com viés acolhedor: “O objetivo é trazer uma mediação mais humanizada”

Redação Publicado em 01/07/2022, às 00h00 - Atualizado às 16h17


Em Ferraz de Vasconcelos (SP), uma iniciativa tem ajudado os civis a intermediar os conflitos levados ao judiciário na tentativa de facilitar a resolução e evitar novas desavenças, com a ajuda de psicólogos e assistentes sociais.

Batizado de “Juizado Acolhedor: Resolução de Conflitos Humanizada”, o projeto foi implementado pela juíza Luciana do Carmo Nogueira para ajudar os moradores da cidade paulista a conquistar sua condição de cidadania, por meio da consciência de si e do outro. Dessa forma, viabilizando o processo de conciliação na solução de casos.

O trabalho nasceu em 2019, quando a magistrada percebeu as inúmeras carências dos habitantes de Ferraz de Vasconcelos. Então, ela partiu em uma busca por soluções com efeito de longo prazo na maneira como o poder judiciário poderia mediar conflitos, resolver questões e se fazer presente na vida das pessoas.

“Atuo numa região cuja população é muito carente e pobre. Muitas pessoas que se apresentam no Fórum para prestar queixa ou para algum caso, não possuem um advogado, principalmente porque não têm condições de pagar por um”, disse em entrevista ao Diário de São Paulo.

A juíza, que trabalha há 15 anos no Juizado Especial Cível e Criminal do município, notou também que as mazelas sociais da região influenciavam o processo de conciliação.

“Meus funcionários e eu observamos que há um abandono do governo em relação a defasagem da educação, da precariedade dos serviços e outras assistências à população. E que esse problema se reflete no baixo nível de conciliações. Tanto que as pessoas estão mais combativas, elas querem impor seus direitos e vontade, mas sem nenhuma consciência de seus deveres”, explicou.

Segundo a juíza o projeto veio para suprir essa necessidade “em parceria com a Prefeitura, assistentes sociais e psicólogos, como uma forma de atendimento especializado que consiste na empatia e na transmissão de valores que ajudam o indivíduo a se sentir amparado. Uma espécie de intercâmbio entre o direito e a psicologia”.

Como esse mecanismo funciona?

O “Juizado Acolhedor” envolve diversas etapas: a primeira consiste na apresentação do caso de um cidadão. Em seguida, ele é encaminhado para reuniões periódicas, que incluem a participação de conciliadores cadastrados na vara, funcionários, a juíza Luciana Nogueira e os psicólogos.

Nesses encontros, o reclamante apresenta suas dificuldades e os profissionais analisam as melhores formas de aproximação das partes no momento da conciliação.

“O Juizado Acolhedor visa amparar as partes com sessões de terapia e dar às pessoas oportunidades de falarem livremente e abrir os olhos delas, para si e para o outro, para que eles tenham mais autonomia. O objetivo é trazer uma mediação mais humanizada. Assim, eu consigo conhecer um pouco mais sobre a parte e achar meios de conciliação”, exemplifica.

Após a fase de atendimento, os funcionários do Juizado Especial encaminham os cidadãos para o acompanhamento.

Após a conversa com o profissional, é feito um relatório que ficará arquivado sob sigilo em cartório e entregue ao conciliador ou mediador.

A partir das informações encaminhadas pelo psicólogo, será possível conhecer a causa ou perturbação primária, que possibilitará lidar com as partes envolvidas.

“Com o apoio da psicologia, a pessoa pode ter uma nova visão sobre o mundo e sobre as suas circunstâncias. A partir disso, eu entendi a importância de incluirmos os profissionais da psicologia e da assistência social nessa luta por melhores acordos”, disse a juíza.

Por outro lado, a magistrada apontou que o principal desafio para que esse projeto seja eficiente é a falta de compreensão do indivíduo sobre o seu verdadeiro problema e dos mecanismos adequados para resolvê-lo. Muitas vezes, cabendo ao judiciário orientá-lo.

“A parte aparece com demandas pessoais e psicológicas ou conflitos internos para resolver no judiciário. Mas os juízes não têm capacidade profissional e técnica para resolver isso diretamente. Por causa disso, a parte sai frustrada. Mesmo que ela receba uma indenização pecuniária, aquele valor monetário não vai resolver o problema real que ela tem”, pontuou.

“Nesse sentido, o projeto pretende ajudar a parte a se conhecer e a entender o seu problema. Assim, nós e o indivíduo podemos trabalhar juntos para resolvê-lo”.

A juíza também enfatiza a importância da colaboração dos psicólogos na iniciativa: “Por meio da escuta qualificada e outras técnicas, o psicólogo identifica a demanda da pessoa, a causa primária e o seu conflito interno. Ele distingue essas problemáticas para o judiciário, discriminando o que cabe ao juiz e o que é de responsabilidade de um profissional de saúde”.

Segundo a profissional, com esse esclarecimento, a parte pode voltar para casa com uma boa orientação sobre como solucionar seu problema ou atenuá-lo. “Quanto a nós, podemos indicar outros mecanismos de apoio, como novas terapias, pagamento de algum auxílio ou ajuda de um assistente social da prefeitura”.

Bons resultados

Para a magistrada, os esforços ainda são tímidos diante de uma gama de desafios que o poder judiciário enfrenta na maneira como lida com os casos cotidianos. No entanto, ela percebe que a iniciativa do “Juizado Acolhedor” tem trazido impactos positivos para a vida das pessoas atendidas.

“Depois que passam por essa escuta com o psicólogo, as partes se sentem diferentes, se sentem ouvidas e acolhidas. A maioria deles considerou que o atendimento especializado e a conciliação fará diferença em suas vidas e estão motivados a tomar consciência do outro, para chegar em uma solução benéfica para as partes”.

Por outro lado, a juíza Luciana Nogueira também revelou que os resultados do procedimento também estão influenciando a maneira como as pessoas enxergam o poder público.

“Em uma pesquisa que realizamos, as partes pediram para que o projeto fosse expandido, manifestando a satisfação de serem ouvidas e ajudadas pelo Estado e que desconheciam esse lado humano dopoder judiciário. Alguns ficaram surpresos com a possibilidade de serem amparados por essa esfera. Tanto que ressaltaram que o Juizado Acolhedor melhorou a credibilidade do judiciário”, finaliza.

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