O calor pode chegar aos 40°C em uma fazenda de Formoso do Araguaia (TO), mas o vento circula livremente e refresca os dormitórios da escola rural de Canuanã.
Redação Publicado em 23/11/2018, às 00h00 - Atualizado às 12h49
O calor pode chegar aos 40°C em uma fazenda de Formoso do Araguaia (TO), mas o vento circula livremente e refresca os dormitórios da escola rural de Canuanã. As construções lembram uma oca, com grandes pátios com redes, flores e plantas. Mas a estrutura segue conceitos atuais da arquitetura, como a sustentabilidade. A madeira usada é de reflorestamento, e os tijolos ecológicos foram feitos da terra da própria fazenda.
Foi essa combinação entre modernidade, tradição indígena e elementos da natureza que garantiu ao projeto o título de melhor construção arquitetônica do mundo, no prêmio Internacional Riba 2018, que acontece a cada dois anos no Reino Unido. A vitória foi anunciada na última terça-feira (20).
A escola, de 45 anos, fica numa área de 2.500 hectares na fazenda Canuanã, que é próxima à Ilha do Bananal. Ela é rodeada por uma extensa área verde, cercada pelo rio Javaé e vizinha de aldeias indígenas.
Confira de perto a arquitetura da escola tocantinense que venceu prêmio internacional
Alunas aproveitam rede para estudar e descansar — Foto: Jesana de Jesus/G1
Oitocentos e quarenta alunos de baixa renda – sendo cerca de 40 indígenas da região – frequentam ali turmas que vão do 2º ano do ensino fundamental até a 3ª série do ensino médio. A escola é administrada pela fundação do banco Bradesco e tem 240 funcionários.
Todos dormem no local. Por isso, o arquiteto Marcelo Rosembaum e o Grupo Aleph Zero, responsáveis pelo projeto, pensaram em detalhes que pudessem transformar os prédios em lar. Eles conversaram com os alunos, funcionários e vizinhos. As obras começaram em setembro de 2015 e terminaram em dezembro de 2016.
Pátio de dormitório tem bancos de madeira e plantas — Foto: Jesana de Jesus~/G1
O projeto vencedor contempla dois dormitórios – um feminino e um masculino – para os alunos mais velhos, a partir do 6º ano. Com 11 mil metros quadrados cada um, eles têm dois andares. No térreo, ficam os quartos, com seis camas cada, um banheiro, lavanderia e uma mesa para estudos. Também há pátio com bancos e redes usadas para tirar um cochilo ou descansar entre uma atividade e outra.
Na parte de cima, há mais locais para colocar redes, mesas de ping pong e para prática de jogos de tabuleiro. Há ainda uma sala de televisão e uma sala de leitura com design moderno, uma mesa, que lembra figuras geométricas, computadores com internet e um quadro para os alunos escreverem.
Dormitórios têm nome em português e símbolos pintados por indígenas na língua Inã — Foto: Jesana de Jesus/G1
Sala de leitura tem mesa gigante para 40 alunos e computadores com internet — Foto: Jesana de Jesus/G1
Cada quarto tem um nome em português e, ao lado, uma figura que representa a palavra na língua Inã, idioma dos indígenas javaés, que vivem na região. Os símbolos foram pintados pelos próprios indígenas.
As cores do local remetem à cultura local: o vermelho das redes é o colorau, da pintura dos indígenas, e o amarelo nas almofadas lembra a produção agropecuária, plantio de milho.
“É uma construção pensando na sustentabilidade, nesse prédio não tem um pedaço de madeira da natureza, é tudo de reflorestamento, eucalipto filetado, prensado e tratado. O tijolo foi feito com terra da fazenda, não se usou lenha para queimar o tijolo, ele é prensado numa prensa manual. Não precisa colocar ar-condicionado, que é um enorme ganho com economia de energia. E tudo isso dentro da natureza”, diz o diretor Ricardo Rehder Garcia.
Área de descanso na escola de Formoso do Araguaia — Foto: Jesana de Jesus/G1
A estudante Ana Luiza de Sousa, de 17 anos, faz a 3ª série do ensino médio. Ela estuda há três anos no local, e os pais moram no assentamento Lagoa da Onça, localizado a 70 km da escola.
A adolescente fez o ensino fundamental numa escola do assentamento. “Eu precisava andar a pé da minha casa ao ponto de ônibus, acordava às 5h30 para chegar às 7h na escola. Muitas vezes, na época de chuva, o ônibus quebrava na estrada”. Hoje, ela sente orgulho de onde estuda.
“Eu gosto dos estudos, que são diferentes, da convivência com as pessoas. Lá fora as escolas são precárias, tudo o que precisamos temos aqui, os funcionários apoiam e ajudam a gente, e temos sempre algo para fazer”.
Ana Luiza e Yara ficaram amigas na escola — Foto: Jesana de Jesus/G1
Na fazenda, os estudantes têm cursos de equinocultura, mecanização, bovinocultura, doces e salgados e cursinhos preparatórios para o Enem.
O desafio para os alunos é ficar longe da família. Muitos vão para casa nos fins de semana, mas os pais precisam ir buscá-los. “Sentimos saudades, mas isso a gente aprende a superar, aqui eles preparam a gente para a sociedade”, complementou ela.
Para fugir da rotina, os estudantes participam de trilhas ecológicas, churrasco, brincadeiras, festivais de sorvetes, festas durante a noite, desfiles e concursos de beleza.
Escola tem cerca de 40 alunos indígenas; Mahowederu Javaé tem 14 anos e estuda no local desde os 8 — Foto: Jesana de Jesus/G1
Quando terminam o ensino médio, muitos escolhem sair para fazer faculdade. Outros participam de uma seleção e continuam na escola fazendo curso profissionalizante em agropecuária. Os que têm as melhores notas são chamados para trabalhar no banco privado, cuja fundação administra a escola.
“Aqui tem as mesmas tecnologias que têm lá fora. Passaram umas 20 turmas na minha mão e eu vejo o fruto desse trabalho, fico orgulhosa, tem muitos meninos bem-sucedidos. Quando eu vejo um aluno que foi meu se destacando, é um motivo de muito orgulho. Fui aluna e hoje faço parte dessa história”, disse a professora Darziler Machado.
Ela vive há 40 anos na escola, se casou com um homem que também foi estudante e, juntos, eles tiveram duas filhas. As meninas também estudaram lá, e uma delas se formou em psicologia. Ela voltou para trabalhar na escola de Canuanã.
Os alunos se surpreenderam ao saber que a escola recebeu um prêmio internacional. A notícia foi estampada no mural da escola.
Escola em Formoso do Araguaia — Foto: Jesana de Jesus/G1
“Fiquei surpresa, é gratificante estar nesse local. Nunca imaginei. Por mais que seja bonito, há vários países que possuem verbas bilionárias e que constroem estruturas gigantescas”, disse Ana Luiza.
“Acho que venceu o prêmio porque toda essa estrutura fica no meio do mato, perto das aldeias e num estado que não é tão desenvolvido como os outros. Além disso, é tudo de graça”, disse a estudante Yara Leão Marinho, de 18 anos, do 3º ano do ensino médio.
O diretor acredita que o aconchego e a qualidade de vida que os alunos têm no local chamaram a atenção dos jurados.
“O grande diferencial é a qualidade de vida, a tranquilidade que isso trouxe para as crianças e para os adolescentes. A gente tinha uma leve impressão de que a estrutura poderia ganhar o prêmio pelo viés social, pelo bem que essa arquitetura fez para essas crianças, mas a concorrência era muito forte. A surpresa foi muito grande”, diz Ricardo Rehder Garcia.
Diretor fala com orgulho de escola rural — Foto: Jesana de Jesus/G1
A escola fica numa extensa área de uma fazenda. Tem enfermaria, ambulância, refeitório, duas estruturas onde ficam as salas de aula, parquinhos, campo de futebol, ginásio de esportes, prédio onde fica o setor administrativo, a biblioteca, as casas onde vivem os funcionários e mais dois dormitórios onde dormem os alunos menores.
O dormitório masculino é chamado de Morada dos Pássaros. Cada quarto tem o nome de uma ave. O feminino tem o nome de Morada das Flores e possui a mesma dinâmica de nomes.
Os alunos recebem uniforme completo, têm seis refeições diárias e atividades extracurriculares de esporte, dança e teatro.
A Fundação Bradesco, que mantém a escola, administra outras 40 unidades escolares pelo país. Na década de 70, a fundação tinha apenas duas unidades e viu a necessidade de construir uma escola no interior do Tocantins. Muitas pessoas moravam na zona rural e não tinham acesso à educação. A fazenda de Canuanã foi o primeiro internato da Fundação Bradesco no Brasil.
Isaac tem 8 anos e faz o 2º ano do ensino fundamental — Foto: Jesana de Jesus/G1
Isaac Pereira Aguiar tem apenas 8 anos e, embora novo, sabe da qualidade da escola. Os pais dele vivem na Ilha do Bananal e, como na região não tem escola, precisou se mudar para a casa da avó no assentamento Lagoa da Onça, para fazer o 1º ano do ensino fundamental. “Na escola não tinha merenda, estou gostando daqui, jogo bola, estudo, tem parquinho, sou feliz”.
Estudantes aproveitam pátio para conversar nas horas de folga — Foto: Jesana de Jesus/G1
Estudantes se interagem durante jogo de tabuleiro — Foto: Jesana de Jesus/G1
Alunos estudam mais de oito horas por dia — Foto: Jesana de Jesus/G1
Biblioteca de escola rural, em Formoso do Araguaia — Foto: Jesana de Jesus/G1
Morada dos Pássaros é o nome dado ao dormitório masculino dos alunos menores — Foto: Jesana de Jesus/G1
Morada das Flores é o nome dado ao dormitório feminino das alunas mais novas — Foto: Jesana de Jesus/G1
Escola rural tem vários quiosques espalhados para alunos descansarem — Foto: Jesana de Jesus/G1
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