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Criança com doença rara deve voltar sem transplante dos EUA 3 anos após campanha de R$ 1,5 milhão

Mais de três anos depois de arrecadarem R$ 1,5 milhão e de se mudarem para os EUA, os pais de Davi Miguel Gama devem voltar ao Brasil sem conseguir realizar a

Criança com doença rara deve voltar sem transplante dos EUA 3 anos após campanha de R$ 1,5 milhão
Criança com doença rara deve voltar sem transplante dos EUA 3 anos após campanha de R$ 1,5 milhão

Redação Publicado em 29/11/2018, às 00h00 - Atualizado às 09h29


Davi Miguel não tem condições de ser submetido a cirurgia e nunca esteve em fila de transplante, segundo Jackson Health Memorial. Audiência em dezembro deve confirmar retorno ao Brasil.

Mais de três anos depois de arrecadarem R$ 1,5 milhão e de se mudarem para os EUA, os pais de Davi Miguel Gama devem voltar ao Brasil sem conseguir realizar a cirurgia para a doença rara do filho. Hoje com 4 anos, o menino tem uma síndrome que afeta as funções do intestino, mais conhecida como “diarreia intratável”.

Uma audiência de conciliação, marcada para 6 de dezembro pela Justiça Federal de Franca (SP), deve definir as condições e a data do retorno.

A família se mudou do interior de São Paulo para Miami no final de julho de 2015 depois de uma campanha que mobilizou até artistas. Um acordo firmado com a União permitiu o custeio das despesas gerais e do transplante no Jackson Health System por meio das doações e de repasses extras do poder público.

Sem condições clínicas para ser submetida a uma cirurgia, a criança nunca esteve na lista nacional de transplantes dos Estados Unidos, confirmou pela primeira vez ao G1 o Jackson Health, que acompanha o menino desde 2015. Os pais – que informaram nas redes sociais que a criança chegou a listar na fila pelo procedimento – disseram que o uso recorrente de cateteres causou tromboses no sistema circulatório.

“Nossa equipe médica tem sido transparente com a família e o governo brasileiro a respeito do caso dele, enquanto continua a prover um tratamento de suporte de vida para Davi. O Jackson avalia a elegibilidade dos pacientes para serem listados para um transplante baseado em critérios financeiros, psicossociais, cirúrgicos e médicos. Davi infelizmente não é elegível para um transplante e nunca foi listado na lista nacional de transplante”, informou o hospital.

Enquanto ainda alimentava esperanças de ver o filho curado, mesmo com a impossibilidade anunciada de antemão pelos médicos, a família viu os recursos destinados à permanência nos EUA praticamente se esgotarem.

“É triste porque a gente veio pra ficar um ano e meio com a esperança de que fosse feito o transplante e voltar com ele bem e deu tudo errado”, diz o pai, Jesimar Gama.

Procurado em diferentes oportunidades pela reportagem, o Ministério da Saúde não falou sobre a audiência de conciliação.

A pasta enviou uma nota, divulgada segundo ela em março deste ano, em que confirma a regularidade dos pagamentos à família, mediante a comprovação dos gastos, e que um médico do Jackson Memorial já declarava que o paciente deveria voltar ao Brasil por não ter condições de ser submetido ao transplante.

“Quando retornar ao Brasil, o SUS dará toda a assistência necessária ao paciente”, comunicou.

Bebê Davi Miguel com os pais ainda no Brasil, há três anos — Foto: Dinea Gama/Arquivo Pessoal

Bebê Davi Miguel com os pais ainda no Brasil, há três anos — Foto: Dinea Gama/Arquivo Pessoal

Sem cirurgia

Pouco tempo depois de ser internado no Jackson Health System, em 2015, Davi foi dispensado para permanecer em casa. O menino teve a cirurgia descartada pelo hospital por não ter condições de saúde adequadas.

De acordo com o centro hospitalar norte-americano, esse tipo de decisão é baseado em critérios internacionais e na chamada Regra Final, protocolo que dita normas para a doação de órgãos nos Estados Unidos.

“Os centros de transplantes americanos, incluindo o Miami Transplant Institute, no Jackson, aderem a estatutos e políticas estabelecidas pela Rede de Aquisição e Transplante de Órgãos (OPTN). Esses regulamentos são projetados para cumprir os requisitos da Regra Final, que priorizam a alocação de órgãos escassos e aqueles pacientes que estão mais propensos a sobreviver e a prosperar na jornada do transplante, o que inclui a necessidade de acompanhamento de cuidados médicos e medicamentos pós-transplante ao longo da vida.”

Desde então, a família continuou a cuidar do menino, que ainda hoje se alimenta por nutrição parenteral, além de levá-lo para consultas no hospital.

Nesse período, segundo o Jackson Health, a criança foi internada diversas vezes devido às suas condições médicas deterioradas.

Enquanto ainda guardavam esperanças de que a saúde de Davi Miguel melhorasse, os pais, que não têm visto para trabalhar no exterior, esgotaram quase todo o recurso destinado à permanência deles nos EUA.

História de Davi Miguel mobilizou manifestantes em Franca por pagamento de transplante  — Foto: Chico Escolano/EPTV

História de Davi Miguel mobilizou manifestantes em Franca por pagamento de transplante — Foto: Chico Escolano/EPTV

Além disso, a família relata que passou a ter dificuldade para comprar a nutrição parenteral, principalmente após o governo federal atrasar pagamentos de US$ 47 mil. A conta foi paga, mas a mesma farmácia deixou de fornecer a alimentação especial, com medo de ter um calote, segundo Jesimar Gama.

O pai afirma que recorreu a outra farmácia, mas que o estabelecimento também não pretendia continuar a fornecer a nutrição parenteral por causa do acúmulo de novos débitos. “É a alimentação dele, ele sobrevive dela, vai direito no sangue, é o que o mantém vivo.”

Em hospital em Miami, Davi Miguel come papinha pela primeira vez — Foto: Arquivo Pessoal

Em hospital em Miami, Davi Miguel come papinha pela primeira vez — Foto: Arquivo Pessoal

De um total de US$ 1 milhão reservado para ser usado pelo hospital, ainda restariam US$ 300 mil, mas o dinheiro só poderia ser usado na cirurgia, diz Gama.

“Alegam que não podem usar desse dinheiro, que esse dinheiro seria para o transplante, e como ele não é candidato ao transplante, não podem usar para outros procedimentos.”

A volta ao Brasil

No início de setembro, os advogados de defesa da família se reuniram com representantes da União para uma audiência de conciliação na Justiça Federal de Franca.

Nela, o governo federal garantiu arcar com as despesas referentes ao retorno da família ao Brasil, bem como apresentou dois centros hospitalares– o Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, em São Paulo, e o Hospital de Clínicas, em Porto Alegre (RS) – como opções para que o menino continue a ser acompanhado no Brasil.

Uma contraproposta, que deve ser avaliada em dezembro pela União, foi apresentada pelos pais, que confirmaram o interesse em permanecer em São Paulo na volta ao Brasil.

No entanto, isso não representa a possibilidade de o menino passar por uma cirurgia a curto prazo. No melhor dos cenários, Jesimar Gama espera que o filho cresça com saúde até que um dia possa ser operado, adulto, no sistema de saúde brasileiro.

“No momento ele não é apto ao transplante. Pode ser que, quando ele fique mais velho, as veias se restabeleçam, se recanalizem, mas no momento ele não tem condições de fazer”, afirma.

Davi Miguel vive há mais de 2 anos nos EUA à espera de cirurgia para doença rara — Foto: Arquivo pessoal

Davi Miguel vive há mais de 2 anos nos EUA à espera de cirurgia para doença rara — Foto: Arquivo pessoal

Entenda o caso

Nascido em Franca, Davi Miguel recebeu o diagnóstico da doença no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP). Em seguida, passou a ser acompanhado na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal do Hospital Regional em Franca, e posteriormente, por decisão judicial, foi transferido para o Hospital Samaritano em São Paulo.

Sem condições de arcar com o tratamento oferecido no exterior, a família entrou na Justiça para que a União arcasse com o custeio da cirurgia. A disputa começou em agosto de 2014. Além da ação, os familiares também promoveram uma campanha para arrecadar fundos e pagar o procedimento.

A decisão que obriga a União a arcar com os custos do tratamento ocorreu quase um ano após o início do processo. A Justiça Federal também determinou que 70% do valor arrecadado pela família em doações fossem revertidos para pagar as despesas da cirurgia em Miami. O restante da quantia poderá ser usado para as despesas dos pais nos Estados Unidos.

Davi Miguel, levado por equipe médica de hospital em Franca  — Foto: Márcio Meireles/EPTV

Davi Miguel, levado por equipe médica de hospital em Franca — Foto: Márcio Meireles/EPTV

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