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Saúde Mental

Suicídio: homens ou mulheres? Estudo revela qual sexo é mais propenso a tirar a própria vida

Segundo estudo, as mulheres representam quase 70% das pessoas que atentaram contra a própria vida

Segundo dados do Ministério da Saúde, as mulheres representam quase 70% das pessoas que atentaram contra a própria vida, porém as maiores vítimas ainda são os homens - Imagem: Reprodução/Freepik
Segundo dados do Ministério da Saúde, as mulheres representam quase 70% das pessoas que atentaram contra a própria vida, porém as maiores vítimas ainda são os homens - Imagem: Reprodução/Freepik

Ana Rodrigues Publicado em 27/09/2023, às 12h23


Homens são a maioria entre as vítimas de suicídioem quase todos os países do mundo - com exceção de Índia e China. Segundo dados do Ministério da Saúde, há um dado "escondido" dessa primeira informação, que muitas vezes passa despercebido: a maior parte das tentativas de suicídio acontece entre as mulheres. Elas representam quase 70% das pessoas que atentaram contra a própria vida entre 2011 e 2018.

Inclusive, segundo matéria da Universa UOL, essa é hoje a quarta principal causa que leva à morte mulheres entre 10 e 24 anos no Brasil. 

"O suicídio é fortemente atravessado por questões de gênero, uma vez que mulheres são mais expostas a abusos psicológicos, mas, em geral, não tem seu sofrimento levado a sério", afirmaram os psicólogos Felipe Baére, que estuda comportamento suicida na Universidade de Brasília, e Karen Scavacini, mestre em saúde pública e coordenadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio.

Segundos os dois especialistas, há pelo menos três fatores que tornam o fenômeno do suicídio diferente para homens e mulheres:

  • Homens têm mais dificuldade em pedir ou aceitar ajuda, fruto de uma cultura machista;
  • Eles tentam suicídio com ferramentas de maior potencial letal, como armas de fogo, e elas, em geral, de menor potencial letal, como ingestão excessiva de medicamentos;
  • Mulheres não têm seu sofrimento levado a sério por familiares, amigos e até mesmo por médicos, que muitas vezes entendem o comportamento suicida como histeria ou tentativa de chamar atenção.

Felipe explicou que, não existe uma proporção exata entre tentativas e suicídios consumados, mas na literatura médica há menções que vão de uma morte a cada dez tentativas a até uma morte a cada 40 tentativas.

O suicídio costuma ser visto como um fenômeno masculinista por ocorrer mais entre os homens. Mas os números apontam para uma enorme incidência de tentativas em comparação com as mortes. E se as mulheres estão tentando mais, a gente pode pensar que as mulheres estão em um sofrimento muito grande", explicou ele, que em 2020 publicou uma pesquisa sobre o que chamou de "paradoxo do gênero no comportamento suicida", na UnB. 

Scavacini também percebeu, durante o atendimento a vítimas no instituto que fundou, que quando as mulheres atentam contra a própria vida e acabam sobrevivendo, deparam-se com o julgamento de amigos e familiares, que entendem esse sofrimento como histeria ou tentativa de chamar atenção - o que acaba levando ao desamparo dessas vítimas e, consequentemente, a uma nova tentativa.

Nos primeiros 30 dias depois de uma tentativa, o risco de uma segunda tentativa é dez vezes maior. Se o ambiente familiar ou afetivo dessa mulher não está preparado para recebê-la de volta, não há recuperação", pontuou ela.

Na pesquisa desenvolvida por Baére, ele e sua orientadora, a também psicóloga e pesquisadora Valeska Zanello, foi identificado que a masculinidade é um dos principais fatores que adoecem psiquicamente os brasileiros - homens e mulheres - e, em último grau, levam a tentarem o suicídio. 

Para começar, o pesquisador destacou que o suicídio é um fenômeno político, e portanto é atravessado por fatores sociais, econômicos e culturais - entre eles, o gênero.

Determinadas populações apresentam números maiores de óbitos e tentativas justamente por aspectos de vulnerabilidade social".

Ele também explicou que não existe causalidade única para isso acontecer, ou seja, uma pessoa que atenta contra a própria vida não o faz por um único motivo, mas por uma sobreposição de fatores de sofrimento. O que o psicólogo chama de "masculinidade adoecedora", entre os homens é grave, porque reduz as chances de salvamento, já que eles, em geral, empregam ferramentas muito mais letais em tentativas de suicídio. 

Diante de uma masculinidade muito frágil, em geral, os homens recusam ajuda até o ponto em que se encontram em quadros agudos de sofrimento. E muitas vezes, em casos extremos, tentam tirar a própria vida, usando nestas tentativas métodos violentos, com muito potencial letal, porque aprendem que não podem falhar nunca", falou Felipe Baére e Karen Scavacini.

A psicóloga contou que o enforcamento é o maior método usado para suicídios, tanto entre homens quanto entre mulheres, mas, em segundo lugar, os homens recorrem as armas de fogo, enquanto as mulheres recorrem a medicamentos, isto é, uma forma "menos" letal.

E, dependendo do que ela tomou, e que quantidade tomou, se deu tempo de avisar alguém, ela pode ser socorrida, enquanto o salvamento de uma tentativa por arma de fogo é muito mais raro".

No caso das mulheres, fatores como abuso psicológico e sexual, violência doméstica, depressão pós-parto e transtornos alimentares são muito recorrentes, além das jornadas exaustivas, principalmente quando tem que conciliar o trabalho com o exercício de maternidade, lista a psicóloga.

Karen também chama a atenção para o fato de que a maior parte do sofrimento relatado por mulheres que tentam suicídio é relacionado ao que ainda entendemos como "papel social da mulher", ou seja, ser esposa e mãe. Ela citou casos de mulheres que vivem sofrimentos psíquicos agudos porque não conseguem engravidar, tiveram um aborto natural, porque são mães solo com excesso de responsabilidades, devido à ausência ou ao abandono da figura paterna.

Baére ainda disse que, relacionamentos amorosos são muito relevantes, quando se fala no sofrimento psíquico das mulheres.

Muitas vezes, justamente por esse papel tão relevante que um relacionamento [heterossexual e tradicional] tem na nossa cultura, mulheres se submetem a vivências ruins para não perder esse lugar identitário. Há relatos desde situações desagradáveis de cobranças ou discussões, até episódios de abuso psicológico e términos como fatores importantes que levaram a tentativas [de suicídio] entre as entrevistadas da pesquisa", finalizou ele.

Procure ajuda

Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada com o CVVe o Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade.

O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 posto de atendimento em todo o Brasil.

Lembre-se: Você não está sozinho!

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