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Judiciário

Omissão de conflitos de interesse leva à anulação de sentenças arbitrais

Casos recentes no STJ e no TJ do Piauí reforçam importância do dever de revelação dos árbitros

Poder Judiciário - Imagem: Freepik
Poder Judiciário - Imagem: Freepik

Redação Publicado em 11/10/2022, às 10h17


As arbitragens se tornaram o meio alternativo preferido das empresas de médio e grande porte para resolver conflitos. Vários processos arbitrais, no entanto, estão desaguando no Poder Judiciário por omissões dos árbitros ao revelar suas relações com as partes dos processos e seus advogados.

Três casos recentes mostram que a Justiça brasileira costuma ser rigorosa em casos em que os árbitros descumprem o chamado “dever de revelação”, a sua obrigação legal de revelar fatos que possam gerar dúvida sobre sua imparcialidade.

Embora o artigo 14 da Lei da Arbitragem diga que “as pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência”, a máxima não é respeitada em todos os casos.

Analisando três importantes casos distintos, que apresentaram supostas quebra de confiança dos árbitros por omissão de vínculos com as partes, dois tiveram suas decisões vetadas e um não, apesar de todos alegarem o mesmo impeditivo para os árbitros referidos.

Em 2017, um embate entre a empresa brasileira Adriano Ometto e a espanhola Abengoa ficou bastante conhecida por envolver altos valores e nomes conhecidos. A companhia europeia sagrou-se vitoriosa na disputa, ocorrida em uma corte arbitral nos EUA, impondo ao brasileiro o pagamento de US$ 100 milhões.

O Superior Tribunal de Justiça, porém, se recusou a homologar a sentença arbitral estrangeira e acolheu um recurso do empresário brasileiro por entender que, embora não lhe caiba a análise do mérito desse tipo de decisão, o STJ ainda tem o dever de examinar a compatibilidade dessas decisões com a ordem jurídica nacional é sua missão constitucional.

Na ocasião, a companhia nacional alegou que o presidente do trio de árbitros, David Rivkin, seria sócio sênior do escritório de advocacia que teria defendido os interesses da Abengoa em outras ocasiões. O argumento foi acolhido pelo STJ no acórdão:

“O recebimento pelo escritório de advocacia do árbitro presidente de vultosa quantia paga por uma das partes no curso da arbitragem, ainda que não decorrente do patrocínio direto de seus interesses, mas com eles relacionado, configura hipótese objetiva passível de comprometer a isenção do árbitro presidente, podendo ser enquadrada no inciso II do artigo 135 do CPC”, ressaltou o ministro relator João Otávio de Noronha em seu voto.

O professor Carlos Alberto Carmona também foi alvo de contestação de imparcialidade, em 2020. A Barramares Turismo o acusou de já conhecer anteriormente, ao menos profissionalmente, os advogados pertencentes ao escritório de advocacia da outra parte envolvida – Delta do Parnaíba Empreendimentos, o que culminou na nulidade do caso.

Na decisão, o desembargador do Tribunal de Justiça do Piauí, Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho afirma que o professor e árbitro, Carlos Alberto Carmona, “faltou com a verdade ao negar que conhecia advogados do escritório que representa os apelados, então autores no procedimento arbitral”, e cita um parecer do próprio Carmona no documento.

No parecer citado, Carmona afirma que, se uma das partes da arbitragem não for informada sobre as relações existentes entre os árbitros e a outra parte “é natural o sentimento de desconfiança, resultante da informação relevante omitida” e que o dever de revelação é a “pedra de toque neste jogo de confiança-desconfiança”.

O caso mais recente envolve uma briga bilionária entre a Eldorado Brasil Celulose e a indonésia Paper Excellence. A brasileira, pertencente a holding J&F, descobriu que o árbitro Anderson Schreiber, por meio do seu escritório de advocacia, dividia salas, telefones, funcionários e até clientes com o escritório Stocche Forbes, que defende a Paper Excellence.

O árbitro não revelou isso ao assumir o tribunal e deixou o caso após os episódios virem à tona. Apesar das provas e argumentos apresentados pela companhia nacional, que questionou a arbitragem na Justiça, diferentemente dos outros casos citados, a juíza Renata Maciel negou a anulação, em julho desse ano.

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