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Denúncia

Advogados usam entidades para ganhar em cima de royalties; valor chega a R$ 300 milhões

O Ministério Público e o Tribunal de Contas do Rio (TCE-RJ) estão de olho nas movimentações da empresa

O Ministério Público e o Tribunal de Contas do Rio (TCE-RJ) estão de olho nas movimentações da empresa - Imagem: Agência Petrobras de Notícias
O Ministério Público e o Tribunal de Contas do Rio (TCE-RJ) estão de olho nas movimentações da empresa - Imagem: Agência Petrobras de Notícias

Jessica Anjos Publicado em 12/09/2022, às 13h14


Na exploração de petróleo e gás, uma associação sem fins lucrativos está trabalhando numa espécie de banca de advocacia com o objetivo de dominar um mercado bilionário travando uma guerra judicial pelo enquadramento na partilha de royalties deste setor.

O Ministério Público e o Tribunal de Contas do Rio (TCE-RJ) estão de olho nas movimentações da empresa. 

De acordo com um levantamento exclusivo do Estadão, baseado nos dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP), dez decisões da Justiça obtidas pela entidade vão render cerca de R$ 300 milhões em honorários advocatícios. 

Após as investigações, parte desses pagamentos foram suspensos. 

No ano de 2021, os royalties renderam aproximadamente R$ 74,4 bilhões. O Estadão verificou as decisões judiciais e descobriu a movimentação de R$ 1,5 bilhão para 15 prefeituras, sobre esses valores que os honorários são calculados. A reportagem analisou processos feitos entre 2016 e 2022. 

Advogados ligados à entidade envolvida no caso trabalham na ANP, órgão responsável por essa distribuição dos royalties. De acordo com a análise, quando a estratégia adotada pela entidade não dá certo, eles investem em ações judiciais contra o órgão para encontrar liminares que favoreçam os municípios. 

A Associação Núcleo Universitário de Pesquisas, Estudos e Consultoria (Nupec) tem como presidente Arcy Magno da Silva, coronel de artilharia, de 83 anos. A entidade está na mira de pelo menos três inquéritos. 

Nupec é representada nas licitações e ações judiciais por seu vice-presidente, Vinicius Golçalves Peixoto, advogado. A associação negou qualquer irregularidade em seu trabalho e disse que os contratos são vantajosos para os municípios. 

Além dos problemas com a entidade, Peixoto também encara uma condenação judicial em que é proibido de participar de contratos públicos. A condenação veio após o uso de uma empresa, a Petrobonus, para assinar o mesmo tipo de contrato com municípios. 

A reportagem também aponta que Peixoto foi alvo da Operação Lava Jato do Rio, ele é suspeito de lavagem de dinheiro de propinas de contratos da Usina Angra 3 em favor do ex-ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (MDB).

Consta que no último ano, 2021, o advogado abriu uma empresa de energia. Uma sociedade com o ex-deputado estadual Márcio Pacheco (PSC) e com outros advogados que têm ligação com a Associação Nupec. 

Na CPI dos Royalties na Assembleia Legislativa do Rio, Pacheco participou como relator e foi indicado para o cargo de conselheiro de contas do Estado em junho deste ano. O TCE é o órgão responsável pelo julgamento dos contratos fechados pelos municípios. 

De acordo com o Estadão, Peixoto é o responsável por assinar os contratos da Nupec. Ele assina como procurador. Seguindo o fluxo de trabalho, o advogado repassa as procurações para os escritórios dos advogados Djaci Falcão Neto, filho do ministro do Superior Tribunal de Justição (STJ) Francisco Falcão, e Hercílio Binato de Castro, genro de Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), e sobrinho de um desembargador do Tribunal de Justição do RJ (TJ-RJ). 

A Nupec chegou a incorporar advogados das bancas de Djaci e Hercílio no quadro de associados em abril deste ano. Os advogados costumam repassar as produções uns aos outros e usam o logotipo da Associação nas petições judiciais, mesmo quando fecham contratos com municípios, com o uso de suas próprias bancas. 

De 20 contratos, 15 deles foram produzidos sem devida licitação, dois foram licitados e três municípios não informaram o procedimento feito na contratação. 

INVESTIGAÇÃO

Dentre os contratos investigados, está um feito em 2017 pelo município de Armação de Búzios, que gerou R$ 33 milhões em honorários à Nupec. Com os adendos, o valor pode chegar em até R$ 50 milhões.

O Ministério Público do Rio de Janeiro, abriu em 2018 a investigação para saber se houve alguma irregularidade nesta contratação.

A iniciativa veio de um advogado, após ter seu acesso ao edital de licitação negado pela prefeitura de Búzios. Foi então que o MP descobriu que a Nupec foi a única entidade que participou desta licitação. 

Como consequência, em março de 2022, o TCE suspendeu os apagamentos de Búzios à Nupec.

Marianna Willeman, relatora do processo, apontou que o mecanismo de escolha da entidade substituiu de forma indevida o "aparato estatal" da advocacia do município e criticou o escopo "amplo e genérico" do contrato. 

Segundo a reportagem, somente Búzios recebeu um acréscimo de R$ 263 milhões em royalties com a atuação de Peixoto, Djaci e Hercílio através dos contratos da Nupec. 

No ano de 2017, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) chegou a decisão, de maneira unânime, em favor do município. 

De acordo com os juízes, houve o reconhecimento de "instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás de lavra marítima", por isso eles têm direito na participação dos royalties. 

Dentre os votos favoráveis, está o do desembargador Kassio Nunes Marques, que atualmente é ministro do Supremo. 

Nunes Marques atuou como relator no processo anterior que abriu margem para municípios como o de Búzios receberem os royalties. 

Na época, o ministro disse aos senadores que o "Nordeste ganhou muito com esta interpretação". O portal Metrópoles revelou que após a indicação para o STF, o desembargador se encontrou, desta vez fora dos autos, com Peixoto, quando viajaram para a Europa de jatinho. A informação foi confirmada pelo Estadão

São Gonçalo, Magé e Guapimirim são outros municípios com ausência de licitação nos contratos com a Nupec e a banca de Djaci Falcão que tiveram repasses em mais de R$ 600 milhões, cujos honorários são de 20%.

Além disso, outras investigações que caminham na Justiça analisam os contratos feitos em Cabo Frio e Arraial do Cabo, que tiveram cerca de R$ 238 milhões em royalties através das decisões judiciais. 

Dentre as 20 prefeituras que contrataram os serviços da Nupec e seus associados, apenas duas delas fizeram licitação. De acordo com a reportagem, duas informaram, nos portais de transparência, pagamentos de R$ 50 milhões à Nupec. Outras 18 foram na contra-mão da Lei de Acesso à Informação e não compartilharam como foram feitos os gastos. 

O valor chegará a R$ 300 milhões, com base no acordo de 20% para os honorários dos contratos. 

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