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Abdala: o que se sabe sobre vacina cubana usada na Venezuela

Nesta semana, a Venezuela se tornou o segundo país das Américas – depois de Cuba – a começar a usar uma vacina que ainda não foi aprovada por agências

Abdala: o que se sabe sobre vacina cubana usada na Venezuela
Abdala: o que se sabe sobre vacina cubana usada na Venezuela

Redação Publicado em 01/07/2021, às 00h00 - Atualizado às 08h28


Nesta semana, a Venezuela se tornou o segundo país das Américas – depois de Cuba – a começar a usar uma vacina que ainda não foi aprovada por agências sanitárias.

O governo de Caracas recebeu de Havana e passou a administrar em áreas da capital o primeiro carregamento da Abdala, uma vacina desenvolvida pela ilha que ainda não possui autorização emergencial de nenhuma entidade médica reguladora.

A chegada dos primeiros lotes (oficialmente, a Venezuela diz que vai receber cerca de 12 milhões de doses) ocorreu poucos dias depois de autoridades da indústria farmacêutica cubana apresentarem os resultados da terceira fase de estudo de duas de suas vacinas mais avançadas.

Soldado venezuelano reage ao receber a vacina cubana Abdala contra a Covid-19 em uma campanha de vacinação em massa em Caracas, na Venezuela, no dia 30 de junho. — Foto: Yuri Cortez/AFP
Soldado venezuelano reage ao receber a vacina cubana Abdala contra a Covid-19 em uma campanha de vacinação em massa em Caracas, na Venezuela, no dia 30 de junho. — Foto: Yuri Cortez/AFP

O governo cubano garante que uma delas, a Soberana 02, teria uma eficácia de 62% com aplicação de duas doses.

Já a Abdala – a versão que chegou à Venezuela –, com três doses, teria a eficácia de mais de 92%, o que a tornaria um dos imunizantes mais eficazes contra o coronavírus desenvolvidos até agora.

Esses resultados de eficácia, entretanto, não foram validados por nenhuma agência reguladora, não foram publicados em periódico científico endossado por pares nem receberam a aprovação de qualquer organização de saúde internacional ou regional.

Por isso, gerou muita polêmica a decisão do governo Nicolás Maduro de usar uma vacina para a qual nem mesmo Cuba deu autorização para uso emergencial.

A Academia Venezuelana de Medicina, a ONG Médicos Unidos pela Venezuela e a Associação de Pesquisadores do Instituto Venezuelano de Pesquisa Científica (AsoInIVIC) expressaram “preocupação” com o que consideram “produtos de duvidosa credibilidade científica”.

A oposição venezuelana também afirmou que, após a chegada da Abdala ao país, o governo fechou centros de imunização que estavam usando outras vacinas.

“O que aconteceu com as vacinas do sistema Covax? Agora os venezuelanos estão totalmente indefesos e sem possibilidade de escolha diante da imposição do produto Abdala, que não tem aprovação da OMS (Organização Mundial da Saúde). Exigimos vacinas aprovadas para todos”, escreveu o Centro de Comunicação Nacional, no Twitter, organização do líder oposicionista Juan Guaidó.

Os países não precisam da aprovação da OMS para usar qualquer vacina. Usá-las ou não é uma decisão “soberana” de cada nação, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) esclareceu à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.

O governo venezuelano, por sua vez, considerou que o recebimento das doses cubanas foi um “momento histórico” e anunciou que a Abdala se somaria às demais doses utilizadas no sistema de vacinação contra o coronavírus.

“Com o objetivo principal de proteger a saúde do povo venezuelano em meio à pandemia de covid-19, chegaram ao país as primeiras doses da vacina Abdala, desenvolvida por Cuba”, informou a o Ministério das Relações Exteriores da Venezuela, também no Twitter.

O que se sabe sobre a Abdala

Foto mostra freira em sala de vacinação antes de receber vacina contra a Covid-19 em Havana, Cuba, no dia 23 de junho. Ao fundo, na parede, há uma foto de Che Guevara. — Foto: Alexandre Meneghini/Reuters
Foto mostra freira em sala de vacinação antes de receber vacina contra a Covid-19 em Havana, Cuba, no dia 23 de junho. Ao fundo, na parede, há uma foto de Che Guevara. — Foto: Alexandre Meneghini/Reuters

Cuba tem uma vasta experiência no desenvolvimento de vacinas e há mais de três décadas produz grande parte dos imunizantes utilizados pela população.

No início da pandemia, o governo cubano decidiu não participar do sistema Covax, que visa levar vacinas aprovadas pela OMS às nações mais pobres, optando por desenvolver suas próprias doses.

Até o momento, as autoridades médicas cubanas afirmam estar desenvolvendo cinco vacinas contra o coronavírus. Soberana 02 e Abdala, segundo Havana, são as mais avançadas.

A única informação disponível sobre a Abdala é fornecida pelo governo de Cuba.

Até o momento, nenhuma revista científica publicou qualquer estudo sobre esse imunizante.

O imunizante foi desenvolvido por cientistas do Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia (CIGB) e leva o nome de um poema do escritor cubano e herói nacional José Martí (1853-1895).

Cuba afirma que, tanto para Soberana 02 quanto para Abdala, os cientistas usaram uma tecnologia conhecida como “vacina de subunidade”, na qual proteínas derivadas do vírus aliadas a outras proteínas são usadas para desencadear uma resposta imunológica.

Infográfico mostra como funcionam vacinas de subunidades de proteínas contra o coronavírus — Foto: Anderson Cattai/G1
Infográfico mostra como funcionam vacinas de subunidades de proteínas contra o coronavírus — Foto: Anderson Cattai/G1

As autoridades sanitárias cubanas recomendam para Abdala um esquema de imunização em três doses (o maior número de doses entre as vacinas existentes), administradas em um período de 14 dias entre elas.

A maior proteção é alcançada depois de 42 dias, segundo Cuba. Na maioria das vacinas aprovadas internacionalmente, isso ocorre duas semanas após a segunda dose.

Cuba completou a terceira etapa de estudo da Abdala no fim de abril, embora já tivesse começado a administrá-la em “grupos de risco” de sua população antes mesmo de completar os ensaios clínicos ou saber os dados de eficácia.

Na semana passada, o CIGB anunciou no Twitter que sua vacina era “92,28% eficaz, no uso de três doses”.

“Essa vitória só é comparável ao tamanho de nossos sacrifícios. E uma clarinada dos pobres da terra, uma advertência do poder que a resistência, a unidade, a consagração e o amor pela pátria tão belamente descrito pelos versos de Martí em Abdala”, escreveu o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, no Twitter.

Em seu informe, autoridades cubanas não ofereceram dados sobre a eficácia da Abdala contra variantes do coronavírus. Porém, afirma que há uma “alta probabilidade” de que ela funcione contra variantes que “estavam em grande parte em circulação”.

Os dados divulgados mostraram apenas eficácia contra a Covid sintomática.

As informações sobre a eficácia contra as formas graves e assintomáticas de Covid-19 ainda são desconhecidas. Normalmente, empresas farmacêuticas internacionais publicam esse dado junto com a eficácia contra doenças sintomáticas.

Na semana passada, a mídia oficial da ilha informou que o CIGB havia enviado a documentação ao órgão regulador de medicamentos de Cuba para obter uma autorização de emergência, que ainda não foi concedida.

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G1

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