por Marcus Vinícius De Freitas
Publicado em 24/04/2024, às 02h00
As últimas movimentações no Oriente Médio têm fomentado um verdadeiro exercício de poder e estratégia no xadrez global. Benjamin Netanyahu tem buscado permanecer no poder através da guerra em Gaza e, ao mesmo tempo, tentado reverter a imagem negativa construída pela atuação inefetiva no ataque do Hamas de 7 de outubro, no resgate incompleto de reféns e na trágica punição coletiva imposta aos palestinos. Os Estados Unidos têm uma postura dúbia de condenação à ação do governo de Israel ao mesmo tempo que continua fornecendo armas. Esta hipocrisia entre discurso e ação tem desencantado o público jovem, mais pró-democrata,que pode boicotar Joe Biden em sua busca pela reeleição. Diante disso, Biden vai-se enfraquecendo, paulatinamente, aumentando as possibilidades do possível retorno de Donald Trump à Casa Branca.
Vladimir Putin que, a despeito das inúmeras sanções, tem conseguido manter a Rússia numa tendência de crescimento econômico, perspectivas positivas de vitória na Ucrânia e aumento do seu peso diplomático global, particularmente na questão iraquiana. Emmanuel Macron, na França, segue em contínua queda de popularidade, e Rishi Sunak, no Reino Unido levará o Partido Conservador à derrocada eleitoral no próximo pleito eleitoral. Olaf Scholz, na Alemanha, também tem uma coalizão fraca, cuja longevidade é questionável.Neste cenário de turbulência global, a China também enfrenta o desafio da troca do modelo econômico, os desafios do desemprego e os de uma economia global que tem sido lenta em recuperar-se. Mas, ainda assim, a China surpreendeu o mundo com sua taxa de crescimento o primeiro trimestre deste ano.
É a situação de Netanyahu, no entanto, que é a mais complexa agora. Netanyahu encontra-se numa situação difícil, particularmente para explicar o enorme erro de inteligência que levou o Hamas a atuar violentamente no 7 de outubro. A população israelense, que já vinha num processo de menor apoio ao governo, em razão das alegações de corrupção e de tentativa de controle da Suprema Corte, passou a exigir uma resposta mais efetiva de Netanyahu na recuperação dos reféns. Passados seis meses de guerra, a devastação de Gaza somente reduziu a autoridade moral do governo de Israel com relação à questão do genocídio. O povo de Israel, que resistiu a atrocidade do holocausto na Segunda Guerra Mundial, tem visto seu legado de sofrimento ser colocado no banco dos réus da Corte Internacional de Justiça quanto às suas práticas de guerra e de tratamento aos palestinos. Em função disto, Netanyahu enfrenta uma opinião global ferrenha, que lhe é contrária com relação àquilo que ocorre em Gaza.
O ataque do Irã a Israel, como resposta ao ataque ao seu consulado na Síria, poderia ensejar – depois do ataque de revide em 13 de abril deste ano – uma reação ainda mais violenta do Irã. Afinal, o país que já foi considerado um membro do Eixo do Mal por George W. Bush, juntamente com Coreia do Norte e Iraque, e que vive num ostracismo global desde 1979, é um país fácil de gerar antipatia global. Qualquer reação do Irã gera duas consequências: retira o foco de Gaza, atrapalhando a causa palestina, e reagrupa os opositores ao regime de Teerã.
E assim foi com a resposta do Irã atacando Israel. A ação do Irã tem ajudado Netanyahu a realinhar os aliados para manterem-se mais firmes e próximos ao governo de Israel. Rapidamente, Netanyahu logrou obter o apoio dos parceiros tradicionais – Estados Unidos, Reino Unido e França – e conseguiu impedir que qualquer movimentação ou resolução prosseguisse no Conselho Segurança das Nações Unidas e que contrariasse Israel e favorecesse o Irã. Com isto, a Organização das Nações Unidas evidenciou, uma vez mais a fraqueza do seu mandato institucional em face do poderio sociopolítico de alguns de seus principais patrocinadores.
O ataque iraniano surpreendeu por dois motivos: o país, historicamente sancionado em seu programa nuclear, atacou Israel, um inimigo histórico, com capacidade militar superior e nuclearmente armado. Esta “ousadia” pode decorrer de três coisas: i) Teerã acredita que tanto os Estados Unidos como Israel estão politicamente fragilizados, num ano que é difícil para os dois atuarem; ii) A invencibilidade de Israel não é, de fato, aquilo que veicula diante da falha do sistema de monitoramento; e (iii) o Irã, finalmente, obteve a musculatura de armamentos – convencionais e talvez nucleares – que o mundo ignora – e que lhe permitem atingir a Israel em igualdade de condições.
A situação é difícil e pode levar a um conflito sem precedentes. Caberá aos Estados Unidos refrearem a ação de Israel, em sua resposta ao ataque imposto ao Irã. E caberá à Rússia ou à China insistir para que o Irã não aprofunde a crise e amplie o conflito. Uma guerra agora poderia assumir proporções extremas, reduzindo, ainda mais, a possibilidade de recuperação econômica, que tem sido extremamente difícil após a pandemia da Covid-19 e da Guerra na Ucrânia.
Shimon Perez, sabiamente, afirmou que a única vitória é a paz.A paz deve ser buscada a qualquer custo. Não é uma questão religiosa, mas sim de sobrevivência. Só que para alcançar a paz o único preço é a renúncia à violência. O momento histórico atual é complexo, imprevisível e desafiador. Este cenário favorece ao abuso intelectual uma vez que muitos passam a acreditar que tais eventos estão inseridos numa perspectiva escatológica de fim do mundo, a proximidade do Juízo Final, precedido de um Armagedon em Israel. Com isto, muitas lideranças religiosas abusam da fé, aumentam a arrecadação e geram um pânico coletivo, além do apoio incondicional a governos que possam estar atuando, de fato, equivocada e contrariamente aos interesses da população no curto, médio e longo prazo. Trata-se do histórico caso da mistura de religião e política, que mais prejudicam do que melhor a situação sociopolítica da humanidade.
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