Diário de São Paulo
Siga-nos
COLUNA

O Dilema de Zelensky

Volodymyr Zelensky - Imagem: Divulgação / Ukrainian Presidential Press Office
Volodymyr Zelensky - Imagem: Divulgação / Ukrainian Presidential Press Office
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 27/09/2023, às 05h53


A Guerra na Ucrânia aproxima-se rapidamente do seu segundo aniversário. Com a chegada do outono e inverno europeu, a preconizada contraofensiva ucraniana da Primavera, de fato, não ocorreu como esperada. O presidente Volodymyr Zelensky, que já teve o apoio entusiástico de seus aliados na defesa da Ucrânia, vem enfrentando um acumulado de reveses diplomáticos nos últimos meses, numa movimentação internacional muito diferente daquele apoio inicial manifestado globalmente. Zelensky, na ocasião, conseguira convencer o mundo a respeito do suporte na luta contra ação ilegal da Rússia ao invadir territórios ucranianos sob a alegação de uma possível expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e ameaça de uma possível ação desta contra a própria Rússia.   

Passados vários meses da guerra, a resiliência ucraniana provou-se impressionante. A expectativa inicial de uma vitória avassaladora russa, aos poucos foi reduzida. Os russos, no entanto, conquistaram territórios e os têm mantido ao longo do tempo. Houve aqui dois equívocos de narrativa: em primeiro lugar, a ação russa jamais contaria com um êxito imediato. Desde a invasão da Crimeia, a Ucrânia vinha-se preparando para uma eventual escalada no conflito. A outra narrativa equivocada, alardeada pela impressa global, era de que o exército russo estava errando em todas as estratégias e que a Rússia poderia ser brevemente aniquilada. Ignorou-se aqui o longo histórico russo no campo de batalha.

Enquanto o cenário e o apoio internacional lhe eram positivos, Zelensky preconizou que inexistiria base para qualquer negociação de paz com Moscou. Os únicos termos que poderiam ser aceitos – afirmava Zelensky – seriam a retirada total da presença russa em qualquer centímetro do território ucraniano. Obviamente que o apoio da OTAN e do presidente norte-americano, Joe Biden, empoderaram Zelensky substancialmente.

O apoio do Ocidente – mais retórico do que efetivo muitas vezes – tem sido importante para consolidar o presidente ucraniano como um herói de guerra. Zelensky desfilou por parlamentos em muitos lugares do mundo, sempre com uma mensagem vitoriosa da Ucrânia. Ao mesmo tempo, também, propunha uma troca de regime em Moscou, que poderia levar à queda de Vladimir Putin do poder e até mesmo ao desmantelamento da Rússia. Claro que essa ideia está inserida num contexto maior de uma perspectiva norte-americana – repetindo a mesma crença britânica do século XVIII – quanto ao esfacelamento da Rússia como a melhor maneira de esvaziar o poderio russo. No século XVIII, o medo era uma associação entre o cérebro alemão e os recursos russos. Atualmente, o medo é de uma associação cada vez maior entre Rússia (com recursos naturais infindáveis), e a China, que tem uma das populações mais consumidoras e inovadoras do mundo.

O fato é que Zelensky está perdendo a opinião pública internacional, a qual, passados quase dois anos de guerra, precificou o custo do conflito e passou a tratá-la como um assunto secundário. Além disso, a questão da corrupção crescente na Ucrânia, num cenário de guerra e de situação econômica deteriorada dos países europeus apoiadores da Ucrania, tem sido complicada.

Zelensky enfrenta, portanto, três grandes desafios.

Em primeiro lugar, o cenário eleitoral norte-americano poderá ter um impacto profundo sobre a duração da guerra. Biden, que tem utilizado a guerra como um trampolim importante para manutenção do apoio popular, tem descoberto que a boa vontade dos norte-americanos tem diminuído. O custo da guerra para os Estados Unidos tem feito alguns democratas também se questionarem sobre a viabilidade da continuidade do conflito. Mas um fato é certo: se Donald Trump for reeleito, a possibilidade de um ultimato para negociação e aceitação de quaisquer termos serem empurradas por Trump a Kiev é uma realidade inevitável.

Em segundo, convencer os países que estão implementando as atuais sanções a manterem as medidas, ainda que lhes coste níveis mais baixos de desenvolvimento. Para piorar, estes são obrigados a assistir a fábrica global chinesa recuperar-se e retomar o crescimento. E sofrem as consequências do custo quintuplicado da energia, além da produtividade reduzida.

Em terceiro lugar, Zelensky enfrenta a dispersão das lideranças ocidentais que, diante do relógio democrático dos mandatos, invariavelmente, serão trocadas diante dos resultados econômicos pífios alcançados neste período do conflito.

O fato é que a própria OTAN tem utilizado a guerra como importante elemento para reassumir uma relevância que havia perdido. O presidente francês, Emmanuel Macron, reconhecera, num passado recente antes da Guerra na Ucrânia, de que a OTAN sofria de morte cerebral. O problema é que, talvez na tentativa de ainda manter-se relevante, acabe forçando a continuidade do conflito. E o temor que um erro mínimo possa ocorrer e dar ensejo a uma guerra e crise muito maiores.

Zelensky, portanto, enfrenta estes problemas que lhe diminuirão, paulatinamente, o acesso às armas e aos recursos que tanto necessita. Os termos de um eventual cessar fogo também piorarão quanto mais combalido estiver em razão da guerra. Mas, com certeza, um desafio que o herói ucraniano enfrentará será convencer ao povo ucraniano de que a continuidade da guerra lhes é prejudicial e que a tão alardeada promessa vitoriosa não poderá ser alcançada.

Zelensky, por fim, está aprendendo que a solidariedade ocidental é muito curta. Talvez seja por isto que o declínio do Ocidente fica cada vez mais evidente. O Ocidente já não é mais confiável.

Compartilhe  

últimas notícias