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COLUNA

Democracia, Segurança e Prosperidade

Discurso de Gettysburg. - Imagem: Reprodução | Wikipedia
Discurso de Gettysburg. - Imagem: Reprodução | Wikipedia
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 31/01/2024, às 07h23


No famoso Discurso de Gettysburg, Abraham Lincoln definiu a democracia como o governo do povo, para o povo e pelo povo. Com isto, entendeu-se o regime democrático como aquele que melhor refletiria os anseios populares. No entanto, como sempre, a definição daquilo que constitui o anseio popular ficou extremamente subjetivo, particularmente atrelado aos interesses daqueles que, supostamente, deveriam representar o desejo da maioria em razão da sua escolha.

Se questionado qualquer agente político quais são os anseios do povo, as respostas serão as mais variáveis possíveis. Se a base política é um grupo religioso, certamente o eleito entenderá os anseios do povo como reflexo daquela parcela do eleitorado. Se a base for um assunto identitário, provavelmente será a plataforma sobre a qual entenderá os anseios do povo. Mas a pergunta fundamental é: E quais são, de fato, os anseios do povo?

A China, neste sentido, com seu regime que o Ocidente sempre critica, conseguiu, ao longo das últimas cinco décadas compreender quais são os anseios do povo: tranquilidade, estabilidade e prosperidade. Estes três vetores têm sido responsáveis pela retirada de mais de 800 milhões de pessoas da pobreza e estimulado o país a alcançar um nível diferenciado de desenvolvimento econômico. O país que tinha uma renda per capita dez vezes menor que a brasileira, em 1978, hoje tem o dobro da renda per capita atual do Brasil. O país que via no Brasil grandes avanços tecnológicos e importava carros brasileiros, hoje é uma fortaleza tecnológica, e, caminha rapidamente para assumir a posição de maior produtora mundial de veículos com inovação de ponta, particularmente no segmento de carros elétricos.

Nem tudo são flores na China. O país enfrenta as dificuldades resultantes da longa pandemia e das medidas implementadas que – contrariamente ao Ocidente – lograram impedir que a Covid-19 levasse milhões à morte, e da Guerra na Ucrânia que faz com que os europeus – até recentemente os principais parceiros econômicos da China – adquirirem energia de outras fontes muito mais caras do que Moscou lhe fornecia, reduzindo-lhes renda e impondo uma recessão que será sentida nos próximos anos no Velho Continente.

Num documento chamado “Pareceres sobre a continuação da flexibilização do ambiente de negócios para o investimento estrangeiro e o aumento da atração do investimento estrangeiro”, com vinte e quatro políticas em seis áreas, Beijing evidencia o compromisso e determinação do país para obter resultados mais efetivos e atender os anseios da população de tranquilidade, estabilidade e prosperidade. O objetivo é fortalecer o relacionamento da China com investidores estrangeiros, para atrair executivos estrangeiros, talentos em alta tecnologia e suas famílias para entrarem e saírem no país asiático, além da disponibilização de recursos públicos para centros de pesquisa e desenvolvimento e assegurar o livre compartilhamento do conhecimento. E, dentre as medidas listadas, ouvir as opiniões dos investidores estrangeiros para corrigirem os rumos, além de permitir-lhes a maior flexibilidade possível para operar no país.Pretende-se, além de atrair mais investimentos e aumentar o crescimento, utilizar do investimento estrangeiro para melhorar as áreas do país carentes de maior desenvolvimento, principalmente pelo fortalecimento da competitividade e o desenvolvimento regional.

O Brasil, que é um país com um potencial irrealizado enorme, deveria estabelecer as regras para maior atração de cérebros e investimentos estrangeiros, que podem diversificar a sua base produtiva, intelectual e incrementar os resultados, inclusive a questão da produtividade. Ao facilitar a entrada de cérebros e de capital estrangeiro, o governo estimularia o empreendedorismo, o trabalho, o capitalismo e o avanço no bem-estar geral da população.

Não há dúvida de que o resultado mais importante de uma democracia é o bem-estar gerado à população. Este bem-estar é representado pela tríade segurança, educação e saúde. Num estado em que estes três elementos convergem e se transformam numa realidade efetiva, o saldo positivo é sempre o desenvolvimento, paz, tranquilidade e harmonia. Mais importante do que algumas pautas importadas dos países desenvolvidos do Ocidente – nomeadamente, Estados Unidos e União Europeia, o Brasil precisa vencer desafios primários e básicos. A questão da segurança pública é de fundamental relevância. No entanto, a não ser que se adotem medidas de tolerância zero à prática de crime ou conduta delituosa – do simples furto ao homicídio ou à corrupção de milhões – o País estará condenado a uma situação instável em que o indivíduo não sabe, ao sair de casa pela manhã, se retornará vivo ao final do dia. Essa situação gera um estresse coletivo e dilui, imensamente, a qualidade de vida de uma nação.

Educação e saúde são molas propulsoras fundamentais do desenvolvimento. O Brasil precisa de universidades melhores. Deveria ser objetivo de qualquer administração pública emplacar uma ou duas universidades brasileiras entre as vinte principais do mundo. Obviamente que critérios que não sejam aliados ao exclusivamente ao mérito não deveriam ser adotados ou interferir no processo de competição para que as universidades atraiam os melhores talentos. Mas, além disso, é importante criar um sistema de competição constante durante os anos universitários para evitar a acomodação tanto de docentes como discentes, como ocorre em muitas situações no Brasil.

Se Lincoln levasse em conta a questão da melhoria efetiva da qualidade de vida do povo, certamente estaria mais preocupado com o Ocidente. Afinal, quais das “democracias ocidentais” estão, efetivamente, melhorando a qualidade de vida do povo? Falar de democracia sem prosperidade é pregar em vão valores que, de fato, se tornam vazios.

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