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COLUNA

A guerra à desinformação

Imagem: Freepik
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Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 07/12/2022, às 08h20


A Guerrada Ucrânia trouxe à tona a triste realidade da batalha de narrativas que geram desinformação, particularmente num período em que a verdade é a grande vítima. Dos dois lados do campo de batalha surgem informações inverídicas, com o objetivo de manipular não somente as populações envolvidas mas também globalmente. Acreditava-se que com a Internet e a maior rapidez na possibilidade de verificação da informação a situação mudaria. No entanto, nunca se viu tanta desinformação, teorias conspiratórias ou erros factuais prosperar como temos observado nestes quase dois meses de guerra.

A manipulação da informação – algo que não é novo na história – leva a uma polarização da sociedade e, em muitos casos, impacta a democracia de maneira substancial. Afinal, tomamos decisões conforme o nível de conhecimento que temos sobre os assuntos. A manipulação, no entanto, traz embutida em si a mensagem do extremismo como forma de convencer os vários grupos da sociedade quanto à superioridade de alguns valores ou grupos, como uma eventual justificativa para ação destrutiva. No caso da Guerra da Ucrânia, por exemplo, um dos elementos de justificação da ação russa teria sido uma desnazificação da Ucrânia e o medo do expansionismo da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). E no caso ucraniano, a enfatização exagerada de determinados momentos de resistência. Não são inverdades – enfatize-se – mas sim fatos que, adicionados ao temor coletivo, são ampliados substancialmente e incrementam o medo para justificar determinado procedimento ou comportamento.

A repetição de inverdades – cuja multiplicade de vezes pode fazer-nos crer que se transformou em verdade – jamais logra, de fato, a transformar algo errado em correto, falso em verdadeiro. Temporariamente se pode ter a perspectiva distorcida, mas, eventualmente, a realidade se impõe. No entanto, o período de confusão e névoa gera incertezas quanto às informações existentes. E em tempos de mídia, acadêmicos e formadores de opinião tendenciosos, a desconfiança aumenta em razão da coletivização da mentira.

A Guerra da Ucrânia não é a primeira desta onda recente de desinformação. No caso da pandemia, muitos hão de recordar-se das várias teorias conspiratórias – mais tarde rechaçadas – sobre a criação do coronavírus num laboratório na China, ou ainda quanto à inefetividade das vacinas, ou até mesmo dos equívocos das medidas sanitárias adotadas. Num mundo em que paradigmas já sobrepujados voltaram à discussão impressiona, ainda, quantos ainda tendem a acreditar na quantidade de teorias conspiratórias que abundam e que podem deteriorar gravemente a sociedade como um todo.

A pior guerra não é somente aquela travada nos campos de batalha, que são trágicas porque ceifam milhares de vidas e impactam globalmente, mas também aquela que se trava quanto à informação. A Guerra da Ucrânia e a pandemia da COVID-19 constituem um momento oportuno para refletir a melhor forma de enfrentarmos a guerra à desinformação. Não será somente bloqueando os meios de compartilhamento de informação que isto acontecerá, mas aumentando, ainda mais, o acesso à informação factual e o favorecimento à informação não tendenciosa.  A guerra da desinformação, sem dúvida, poderá ter um impacto mais sangrento, mais violento e de mais longo prazo. Afinal, a desinformação é a arma dos poderosos para se manterem no poder.

Ao mesmo tempo que deve ser combatida, a guerra à desinformação – tratada no Brasil como guerra às Fake News – não será vencida somente através da tentativa de se conterem os meios de divulgação da desinformação. Tal estratégia não poderia ser mais equivocada. Assim como todas as guerras contra inimigos cujo nome se inicia com uma letra minúscula – guerra às drogas, ao narcotráfico, ao terrorismo – a guerra à desinformação é uma batalha perdida, porque as fontes produtoras são múltiplas numa sociedade em que a informação circula com tanta facilidade. Tampouco o aparato estatal tem a capacidade de combatê-las, até porque se o fizer de maneira mais radical, correrá o risco de romper a linha tênue que separa o combate à desinformação e a efetiva censura, algo que é lastimável e dever ser evitado.

Há alguns anos, quando Nancy Reagan era primeira dama dos Estados Unidos, na tentativa de conter a proliferação do uso de drogas, o governo norte-americano lançou uma campanha “Just say No!” (Só diga não!). Embora a campanha fosse simplista na forma de lidar com o problema – e muitos a entenderam como falha – a realidade é que há pouco que se pode fazer no combate a determinadas situações, a não ser que se crie no indivíduo a capacidade e o conhecimento necessários para não se tornar vítima de determinada situação.

A melhor forma de combater a desinformação não é simplesmente com a perseguição aos desinformadores, mas sim através de uma melhoria substancial na qualidade educacional de uma população que, diante de uma notícia, tenha sempre a capacidade verificar, em fontes adicionais, a veracidade dos fatos apresentados. A guerra da desinformação não se vence pela prisão de indivíduos, mas pela libertação que somente a boa educação oferece.  

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