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A Casa da Mãe Joana

Por Marcus Vinícius de Freitas*

A Casa da Mãe Joana
A Casa da Mãe Joana

Redação Publicado em 02/02/2022, às 00h00 - Atualizado às 08h01


Por Marcus Vinícius de Freitas*

A Casa da Mãe Joana

Estive, recentemente, em viagem ao litoral norte do Estado de São Paulo. Já havia quase uma década que não despendia um tempo na região. Para minha surpresa, em uma década, muito pouco mudou no cenário da região. A estrada continua ruim, com buracos, a pobreza segue abundante e muito pouco se evoluiu neste período. O esgoto segue aberto em algumas praias. Todas as promessas de prefeitos, governadores e presidentes, feitas ao longo das décadas pouco melhoraram a qualidade de vida. O litoral norte de São Paulo não está sozinho neste abandono. É inequívoco que o Brasil passa por uma deterioração global de sua infraestrutura, de suas cidades, meio ambiente e, principalmente, da renda popular. Toda essa história de que as coisas melhoraram é só estória. Se algum dia o povo teve picanha, o povo não se deu conta do custo que aquilo representaria nos anos a seguir em matéria de corrupção, incompetência e ausência de políticas públicas para transformar positivamente o País.

Sempre me pergunto: por quê? A resposta pode ser encontrada numa expressão da língua portuguesa, surgida no século XIV: a “casa da mãe Joana”. Joana I (1326-1382), que era rainha de Nápoles e condessa de Provença, aparentemente, envolveu-se numa conspiração para a morte de seu marido, André, o que a levou a exilar-se em Avignon. Outros contam que Joana foi exilada por viver uma vida sem regras.

Aos 21 anos, em 1347, Joana estabeleceu as regras dos bordéis da cidade onde se refugiou, como a punição por agressão a prostitutas e o não pagamento dos serviços prestados. Joana foi considerada por todas como uma mãe. E os bordéis passaram a ser conhecidos como “casa da mãe joana”. No Brasil, entendemos pela expressão o lugar onde cada um faz o que bem entende, sem respeitar as normas. Alteramos o sentido, até porque na casa da mãe joana havia regras.

No Brasil, nos últimos anos, exacerbou-se o conceito do individualismo e da liberdade. Num país em que cada um faz o que quer, todos perdem. O individualismo, quando prevalece sobre o coletivo, deteriora substancialmente a perspectiva de que somos parte de algo maior. Sempre haverá aqueles que podem mais porque têm mais. Nos países desenvolvidos, é a aplicação geral da regra, sem exceções, torna, efetivamente, operativo o conceito da democracia e justiça. Recordemo-nos que mesmo a democracia, que é a vontade da maioria, deve respeitar a vontade das minorias.

Mas como é que o Brasil ficou assim? Uma terra com tantas oportunidades, com um tremendo potencial e uma possibilidade infinita de construção de uma nacionalidade vencedora. Talvez esteja relacionado ao fato de, como brasileiros, havermos desistido do País, acharmos que não tem mais jeito, e que estamos fadados à eterna derrota, a ser o país de um futuro que jamais se tornará realidade. Este abandono do amor ao País pode ser observado em todas as partes: pichações, vandalismos, corrupção aceitável, uso irrestrito da máquina pública para benefício individual. Tudo, muitas vezes, utilizando o discurso da “justiça social” ou um “projeto” social.

A verdade é que isso não é justiça, não é social, nem é projeto. O Brasil precisa de regras claras e punições efetivas nas condutas delituosas. Pichação não é arte. Vandalismo não é manifestação democrática. Corrupção não é aceitável em absoluto. Já ouvi muitos dizerem que na operação Lava Jato, as empresas deveriam ser ter sido protegidas: que equívoco! Essas empresas tinham o DNA da corrupção, observado no Brasil e nos vários países em que operavam.

É importante que o estado brasileiro deixe de ser meliante. Os impostos no Brasil são um assalto ao contribuinte, particularmente considerando a qualidade dos serviços e bens públicos oferecidos. Constantemente, observamos todos os entes federativos criando mecanismos para extorquir o contribuinte. As ruas continuam sem faixas, esburacadas, com semáforos que não funcionam, enorme deficiência na sinalização e um exército de fiscais ávidos por aumentar a arrecadação de um estado cada vez maior e incompetente. Os impostos seguem elevadíssimos, com pouquíssimo incentivo ao aumento de produtividade, mérito e contribuição à sociedade. E o setor privado – desestimulado – também apresenta um nível baixo de cidadania corporativa no geral.

Há muito tempo se tornou prática do estado brasileiro utilizar meias verdades para enganar o contribuinte. Essas meias verdades sempre implicam o assalto ao bolso do cidadão, sem a devida contrapartida. O Brasil se transformou no país da “pegadinha do malandro”, com a administração pública usando-se da suposta melhoria de um determinado aspecto para aumentar o tamanho de um estado ineficiente. É essencial ao Brasil acordar para o fato de que os impostos, o Custo Brasil e, principalmente, o elevado custo de ser brasileiro sepultarão o futuro do país e de seu grande potencial. Enquanto o Brasil for o país da pegadinha, do poder público desonesto, incompetente e da empresa e do político corruptos, seu futuro e destino estarão seriamente comprometidos. A ficha limpa foi uma tentativa, frustrada pelo próprio Judiciário, de melhorar o quadro.

Comecei com o relato da casa da mãe joana. É importante ressaltar que até nos bordéis havia regras. Está na hora de colocarmos o Brasil em ordem. O litoral norte poderia estar muito melhor. E também o País. O Brasil não aguenta mais ser aquilo que já foi e muito menos ser aquilo que é. É hora de uma mudança radical.

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*Marcus Vinícius De Freitas
Professor Visitante, China Foreign Affairs University
Senior Fellow, Policy Center for the New South
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