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Por que eles foram morar nas encostas?

Por que eles foram morar nas encostas? - Imagem: Reprodução | Twitter
Por que eles foram morar nas encostas? - Imagem: Reprodução | Twitter
Kleber Carrilho

por Kleber Carrilho

Publicado em 27/02/2023, às 11h34


Depois dos episódios de destruição e morte no Litoral Norte de São Paulo, esta pergunta deve ter sido feita em algum lugar em que você estava. E, dependendo da entonação, deu para saber qual era a intenção de quem a fez. Espero que ao seu redor ninguém tenha perguntado com a intenção de criminalizar quem acaba de perder, senão somente os bens, mas também a vida.

Para quem faz a pergunta com esse ar de ironia, é importante que se explique, mesmo que seja pela enésima vez, por que as pessoas constroem nas encostas. E, quando você receber como argumento uma história de um amigo do primo do vizinho que conhece um desses moradores que tem 20 terrenos e prefere morar nas encostas só para conquistar mais um, peça o contato. Diga que tem um amigo que quer escrever uma matéria para o jornal, que quer mostrar para todo o mundo como é que essas pessoas são.

Em geral, isso se segue a um “vou verificar”, e a conversa morre. Afinal, eu não conheço alguém que constrói (e mora) nas encostas de morros simplesmente para conquistar mais um terreno. E, se você conhece, por favor, me passe o contato. Garanto o anonimato, para que não haja riscos, mas faço questão de contar a história aqui e enviar para os amigos jornalistas.

Porém, a pergunta do título também é útil para que se faça importantes discussões, que vão muito além dos fatos da semana, e inclui a forma como nos desenvolvemos como sociedade, que vê com normalidade as populações locais serem empurradas para que o abismo social seja representado nos paraísos em todo o país.

Com a ideia de progresso e de desenvolvimento econômico, tiram os moradores tradicionais (às vezes povos originários) das atividades que tinham, que em geral são pouco valorizadas, e entregam a eles um sonho nunca realizado de que tudo vai ser melhor quando “os ricos chegarem”. A sensação realmente parece de melhora, porque há acesso a bens e serviços que não existiam antes, porém cria-se uma divisão geográfica que impede que haja ascensão social e estimula uma dependência, que obriga as famílias a viverem em condição de risco extremo apenas para ficarem disponíveis para quem pode pagar por serviços baratos.

E esse é um problema histórico, mesmo nas cidades de veraneio mais antigas do país. Portanto, para que situações terríveis como a que aconteceu esta semana no Litoral Norte deixem de ocorrer, é necessário repensar a forma como representamos a herança da escravidão que nos persegue, com a necessidade da elite de que haja sempre funcionários baratos e subservientes, porque a graça está em pagar pouco (ou não pagar).

Porém, enquanto não repensamos nosso perfil de sociedade, precisamos nos lembrar: quem está no poder tem que ser cobrado. Senão, a tendência é que não trabalhe como deveria. O argumento de que a chuva foi extrema é válido, mas também tem responsabilidades. Afinal, a crise climática é resultado direto da ação humana, e o Brasil tem culpa no cartório. Diversos governos que tinham consciência do problema que estava sendo causado ao permitir o desmatamento e a queima sem controle de combustíveis fósseis devem ser responsabilizados.

Também tem responsabilidade quem está na base da administração pública, as prefeituras, que ganham muito com a exploração imobiliária nas cidades litorâneas e preferem manter a população afastada da praia para cobrar altos IPTUsdos veranistas, além de diversos outros negócios nem sempre tão legítimos

E o óbvio: os governos estaduais e a Uniãoprecisam ter políticasespecíficas, inclusive com o acompanhamento próximo das prefeituras, para que os riscos sejam amenizados, porque, infelizmente, a transformação social para que esses grandes problemas deixem de existir infelizmente não será vista pela nossa geração.

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