por Kleber Carrilho
Publicado em 03/12/2022, às 09h06
Esta semana, ocorreu uma história impressionante. E talvez você nem a tenha achado tão fantástica. Isso porque as notícias que atormentam a vida política brasileira são tão surreais que, em 2022, com internet 5G, dados na nuvem e possibilidade de encriptar conteúdos de forma segura, nem parece tão estranho que alguém precise ir até o Qatar para entregar arquivos em pendrives.
Mas, pensando bem, devia ter algo importante nos dispositivos, porque senão não haveria tantos com o deputado Eduardo. Ou será que alguém pensou na história e foi comprar correndo um monte de pendrives na “Santa Ifigênia” de Doha?
Olhando para o cenário, podemos pensar em duas situações: Eduardo realmente levou pendrives do Brasil. E aí temos uma pessoa que acredita mesmo nas teorias da conspiração que multiplica para o seu público. Ou Eduardo mandou alguém arranjar os pendrives na hora e criou a narrativa que poderia justificar por que tinha viajado para a Copa.
O depoimento que ele divulgou nas redes sociais é algo bem pensado. A afirmação de que os vídeos estão em inglês, por exemplo, parece ter sido construída como um recurso argumentativo. Então, se havia um roteiro, temos uma interpretação digna de Óscar. A mudança de rumo da conversa, quando ele passa a, em vez de justificar, perguntar sobre o que o público acreditaria, também parece muito bem estruturada.
Voltemos então à estratégia. E repito aqui para não deixar passar: será que a desculpa já estava criada quando Eduardo saiu do Brasil para ir curtir um joguinho da seleção? Ou foi uma ideia desenvolvida na hora? Realmente, é algo a se observar.
Principalmente porque este acontecimento, entre tantos outros nos últimos anos, faz a gente refletir sobre os princípios da confiança, e por que algumas pessoas podem acreditar em algo tão estapafúrdio.
Os motivos para essa confiança cega são estudados há séculos: ambientes em que a racionalidade não é desenvolvida nas diversas interações dos indivíduos, principalmente na educação formal, abrem espaço para a necessidade da crença “confortável”, sem questionamentos. E isso, todos sabemos, sempre foi um projeto no Brasil: menos educação, menos questionamentos, mais controle.
Portanto, não importa muito o grupo político que ocupa as cadeiras e usa as canetas do poder. Com raríssimas exceções, a ideia é sempre manter uma massa de pessoas que não sabem racionalizar e, por isso, podem ser manobradas.
O problema é que a mesma grande massa pode ser controlada por qualquer grupo político que consiga desenvolver narrativas mais convincentes, inclusive os adversários de quem está no poder no momento.
É por esse motivo que projetos políticos que querem se manter relevantes por um grande período precisam entender que o controle de pessoas sem informação é instável. Então, manter histórias racionais, bem contadas, é muito mais interessante no longo prazo. Na história, sempre foi assim. E talvez seja este o motivo pelo qual a versão bolsonarista do projeto político reacionário (e não conservador) no Brasil esteja tendo uma história tão curta.
Que os próximos projetos políticos que cheguem ao poder pensem no longo prazo e na racionalidade dos argumentos!
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