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O que os líderes têm a aprender com os Mestres de Bateria?

Mestre Marçal. - Imagem: Divulgação
Mestre Marçal. - Imagem: Divulgação
Kleber Carrilho

por Kleber Carrilho

Publicado em 18/02/2023, às 14h47


Se tem uma coisa que eu adoro observar no Carnavalé desfile de Escola de Samba. Mas, muito além dos destaques, das fantasias e das alas coreografadas, o que eu gosto mesmo de ver é a bateria. Sempre me deixou curioso, talvez pelo fato de ser um músico amador, a capacidade da bateria de manter o ritmo enquanto anda, com muita emoção e vários contratempos (também no sentido musical).

E, claro, isso tem um nome: liderança. Sim, absolutamente tudo o que acontece na bateria é responsabilidade do Mestre, que ensaia durante um ano. Como o número de componentes ultrapassa o de uma orquestra, e nem todos têm o talento nato para tocar instrumentos de percussão, a saída para isso é uma capacidade incrível de prever qualquer imprevisto, compreender e planejar cada segundo do desfile, inclusive o tão esperado recuo.

Um Mestre de Bateria é um líder de gente muito diferente. Em uma Escola de Samba importante, a bateria reúne as pessoas da comunidade, que se conhecem pelo nome, mas também artistas, ex-BBBs, Instagramers, YouTubers e outras celebridades que estão lá só para postar que estão “dando o sangue pelas cores da Escola”.

Neste cenário, os papéis têm que ser bem definidos. A massa dos instrumentos é de gente que não vai comprometer, enquanto os influencers ficam distantes uns dos outros, para não haver o risco de que ocorra um “buraco” sonoro.

Além disso, cada instrumento tem lideranças específicas, que ficam espertas a qualquer sinal do Mestre. O regime é militar (no bom sentido): hierarquia é a chave, e não há lugar para democracia ou gestão horizontal na hora em que as coisas estão acontecendo.

Isso faz com que a gente pense que, para um Mestre de Bateria, o desfile todo é uma grande crise, ou uma proximidade extrema de que dê tudo errado. Não há espaço para improviso, para repensar, para correr riscos. Tudo tem que sair exatamente como o que foi planejado e ensaiado.

E é por isso que os Mestres de Bateria juntam duas das principais características de um líder para este tipo de cenário: racionalidade e tradição. Todos na bateria (e na comunidade) identificam os Mestres como pessoas que entendem muito dos instrumentos, do ritmo e de música, mas, em geral, também reconhecem neles talentos que receberam de alguém que remete à história do grupo social ou do próprio samba: filhos de antigos mestres, de grandes sambistas e pessoas com grande tradição de liderança em outras áreas, principalmente sociais ou até mesmo religiosas.

Tudo isso é necessário. Uma narrativa que tem que estar presente na cabeça de quem vai para a avenida tocar. Em cada um dos instrumentistas, tem que haver o reconhecimento da liderança do Mestre, o que faz com que não haja dúvidas na hora do desfile.

E sabe por que isso é importante para quem trabalha com liderança? Porque às vezes, mesmo na mais moderna das empresas, é necessário pensar com a lógica de um desfile de Escola de Samba. Não há tempo para discutir, conversar, repensar, pivotar. É hora de ir para a avenida, dar toda a energia em torno do que a liderança diz, principalmente depois de planejar e ensaiar muito.

Tenho pensando muito nisso porque talvez seja hora de muitas pessoas (e muitas empresas) pensarem nos limites das pessoas que têm papel de liderança, mas não lideram,  apenas organizam a sequência das falas nas eternas reuniões pelo Zoom.

Afinal, quem é líder tem que se comprometer e ser responsável pelo resultado. Ou você já viu um Mestre de Bateria culpar o tocador de surdo quando as coisas não saem como o combinado?

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