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E se ninguém salvar os yanomamis?

Yanomamis. - Imagem: Reprodução | Urihi Associação Yanomami
Yanomamis. - Imagem: Reprodução | Urihi Associação Yanomami
Kleber Carrilho

por Kleber Carrilho

Publicado em 28/01/2023, às 10h59


O ex-presidente Jair Bolsonaro, antes mesmo da campanha de 2018, deixou bem claro que não se preocuparia com demarcação de terras indígenas, em programas de televisão, entrevistas e “palestras”. Portanto, era possível prever que a forma como ele trataria o tema não seria diferente do que tratou, demonstrando que não deixou de cumprir o combinado.

Anos antes, disse ainda que a cavalaria dos Estados Unidostinha sido mais competente do que a brasileira, já que tinha dizimado os povos originários, o que não tinha sido feito pelos seus conterrâneos.

Em qualquer desses momentos, amplamente noticiados, não há nada que seja diferente, de contraditório, de duvidoso. Por isso, uma coisa fica clara: muita gente entre os que  votaram nele concorda com o que foi dito (e também com o que foi feito).

Se você for para as regiões em que há terras indígenas demarcadas, e Roraima é um desses lugares, vai ver que tem muita gente por lá que acha que os indígenas atrapalham o desenvolvimento. Digo isso porque ouvi, há pouco tempo, um argumento desses de um pequeno produtor rural roraimense: “eles não gostam de trabalhar”.

Portanto, o que aparece hoje nas imagens, além do abandono que ficou ainda mais evidente durante o governo Bolsonaro, é uma forma que uma parte da sociedade brasileira vê os indígenas, ainda como o povo preguiçoso, primitivo, sem objetivos, que prefere viver do que pesca e coleta. A ideia do desenvolvimento do capitalismo que planta, cria e explora a florestae o solo para vender, para ganhar dinheiro, para enriquecer, é o que ensinaram que “gente trabalhadora” faz.

Muitas das referências dos que levam ajuda são os grupos de evangelizadores, que entregam a eles a Bíblia, a vergonha da nudez e os valores culturais que desequilibram todo o tecido social estável há séculos. E, com os novos valores, levam junto o álcool, o acesso caro a produtos industrializados, o estupro das mulheres, a exploração da mão de obra, o sequestro de bebês para serem adotados por “pessoas de bem”.

Se não fossem as imagens de crianças e adultos cadavéricos, à beira da morte, nada disso seria notícia. Como voltará a não ser assim que todos se cansarem disso.

No cuidado, na ajuda, na cobertura sensacionalista da imprensa, na ideia dos “coitadinhos” estão as mesmas formas de pensar que os condenam à morte por malária, fome ou água contaminada por mercúrio.

Eles “não têm uma fé verdadeira”, “não são civilizados”, “não conseguem se sustentar”, “não estão aptos ao trabalho”. Esses não parecem discursos de morte, mas permitem que suas vidas estejam em constante risco.

Afinal, no domingo, ao terminar a matéria especial sobre a situação dos yanomamisno Fantástico e todos forem dormir pensando nos desafios da segunda-feira, quem dará importância para o que eles estarão vivendo? Os funcionários da Funai, que vão tentar a todo o custo conseguir a atenção da mídia? Não vão conseguir, porque os repórteres estarão preocupados com a contratação do novo técnico da seleção. Não se esqueçam que a camisa amarela é que une o Brasil...

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