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E depois que a onda de solidariedade passar?

E depois que a onda de solidariedade passar? - Imagem: Divulgação / Gustavo Mansur / Palácio Piratini - RS
E depois que a onda de solidariedade passar? - Imagem: Divulgação / Gustavo Mansur / Palácio Piratini - RS
Kleber Carrilho

por Kleber Carrilho

Publicado em 18/05/2024, às 06h00


Em 1983, uma enorme enchente atingiu uma parte importante de Santa Catarina. Eu me lembro claramente quando o líder da igreja que eu frequentava com meus pais disse que deveríamos enviar roupas para as pessoas que tinham perdido tudo. Aquilo me marcou, e eu passei dias pensando nas crianças que tinham perdido seus gibis. Sim, minha maior preocupação era que, se eu também passasse por uma enchente, poderia perder minha coleção de gibis. Naquela época, acho que minha coleção de gibis não passava de dez ou quinze exemplares, mas fiquei preocupado com isso.

Lembrei-me disso porque, quando tragédias como essas acontecem, como a que vemos agora no Rio Grande do Sul, as imagens (agora muito mais próximas) nos fazem pensar em como poderíamos sofrer também, ativando o mecanismo de solidariedade. Há doações em massa, pessoas indo ajudar (muitas vezes atrapalhando), e promessas de compensação das perdas sofridas.

O problema é que, assim como minha preocupação em 1983, a onda de solidariedade tem uma capacidade de resolução de problemas muito limitada. Em geral, resolve apenas algumas necessidades básicas. Assim que as pessoas retomam suas vidas ou são confrontadas com outras tragédias, o evento é lembrado apenas por quem foi realmente atingido.

Por isso, acredito que a onda de solidariedade, com toda a energia que ela carrega, precisa ser usada como uma onda de cobrança por planejamento de longo prazo. Os governos, em todas as esferas, e os membros dos poderes legislativos federais, estaduais e municipais, precisam apresentar o que será feito nas próximas décadas.

Afinal, com a crise climática que estamos vivendo, eventos como esses estão acontecendo cada vez mais frequentemente. Com as capacidades de previsão que temos atualmente, sabemos que algo semelhante ao que ocorreu no Rio Grande do Sul acontecerá em breve, em alguma outra parte do Brasil.

Mas quantos planos realmente importantes nós temos? Quantas das chamadas cidades-esponja estão em planejamento ou construção? Quais são as possibilidades de reposição de florestas e vegetação original em todos os biomas que cobrem (ou cobriam) o país?

Portanto, não adianta salvar cavalos, cachorros e gatos, abraçar crianças e beijar senhoras idosas, prometendo novas casas. O papel do poder público é apresentar planejamento. E o nosso papel é canalizar a energia da solidariedade para exigir isso.

Você já enviou um e-mail para um deputado ou vereador perguntando o que ele está fazendo para que sua cidade não sofra com uma catástrofe dessas? Cobrou o prefeito para apresentar um planejamento para os próximos 20 anos? Ou você apenas fez um pix para aliviar a consciência e continua debatendo nas redes sociais?

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