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Tradição familiar e cultura secular: a celebração da chance única do karatê em Tóquio

Em uma possível chance única, a inclusão do estreante karatê nos Jogos Olímpicos de Tóquio trouxe à tona o sentimento de orgulho a diversas famílias na

CELEBRAÇÃO
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Redação Publicado em 20/07/2021, às 00h00 - Atualizado às 14h27


Em uma possível chance única, a inclusão do estreante karatê nos Jogos Olímpicos de Tóquio trouxe à tona o sentimento de orgulho a diversas famílias na região. A princípio fora dos planos para as Olimpíadas de Paris, em 2024, a arte marcial foi criada no século XVIII, mas ganha, em 2021, cada vez mais praticantes.

O esporte se tornou uma filosofia de vida e, acima de tudo, tradição para famílias que moram bem longe da ilha asiática. A família Spigolon, tradicional no esporte no Brasil, iniciou a trajetória em Piracicaba com seu Otávio, de 64 anos, formado na primeira turma, na década de 1970.

– No começo, pra mim sempre foi um hobby. Eu era de uma outra profissão, mas achava importantíssima a educação milenar do karatê, princípios e tal. Aí minha família cresceu dentro e o Diego despontou, de uma forma muito interessante – relatou.

A esposa, Antonia, dava aulas de ginástica, mas vieram os dois filhos, e o mais novo queria companhia da mãe nas aulas.

– Eu só comecei a fazer karatê para levá-lo. Ele falou: “mãe, eu só vou fazer se você for comigo”. Por fim, adorei, gostei da coisa e estou até hoje. O karatê é disciplinador, é uma arte milenar, que deixa a gente mais tranquila. Eu nunca tive problema para criar os meus filhos. Você não vai ter problema com drogas, com más companhias, porque direciona as crianças só para coisas boas – salientou.

Diego era uma criança de cinco anos quando entrou no tatame com a família pela primeira vez. Hoje, já adulto, é o técnico da seleção brasileira no momento mais importante para o esporte.

Estreante nos Jogos Olímpicos

– É um momento muito especial, né? Karatê, primeira vez nos Jogos Olímpicos, os Jogos Olímpicos no Japão, de onde vem o karatê. Sem dúvida é um momento especial – celebrou o treinador.

Entretanto, ele não é o único inserido no esporte em alto rendimento. Natália Brozulatto, esposa de Diego, é uma atleta conhecida. Doze vezes campeã brasileira, ela conquistou o ouro no Panamericano de Toronto, em 2015.

O técnico da seleção brasileira de karatê, Diego Spigolon, com a esposa Antônia e os filhos Betina e Nicolas — Foto: Reprodução/EPTV

O técnico da seleção brasileira de karatê, Diego Spigolon, com a esposa Antônia e os filhos Betina e Nicolas — Foto: Reprodução/EPTV

As aulas de karatê, que juntaram o casal, renderam frutos. Atualmente, eles estão juntos há 11 anos e têm dois filhos: Nicolas e Betina, crianças que já entravam no tatame antes de virem ao mundo.

– A primeira competição que eu disputei grávida foi nos Jogos Panamericanos de Toronto, em 2015. Foi uma gestação que não foi planejada, eu ia casar em janeiro de 2016, então eu estava no meu auge como atleta, e acabei indo para a competição grávida. Quando eu voltei, descobri que já estava de um mês. Nem sabia, nem imaginava – detalhou Natália.

Com Betina, a situação foi ainda mais arriscada, quando participou de um “tour” de competições pela Europa. Porém, ela garante que uma “força superior” entrou no tatame para ajudar nas batalhas.

– Quando cheguei lá, eu não me senti bem, mas aí não percebi, disputei competições, voltei para o Brasil, disputei mais competições e, quando eu fui ver, estava de três meses, disputando muita competição. Fui disputar uma competição e, em vez de tomar chute na barriga, eu tomei no peito, então eu estava muito protegida.

A mãe soube tarde, e o pai não conseguiu ver o parto.

– Hora que eu acabei de sentar no assento do avião, toca o meu celular, meu pai dizendo que ela tinha acabado de nascer, em casa. Foi uma maluquice, porque aquilo não estava programado, fugiu do script totalmente – relatou Diego.

Para ele, esses são os sacrifícios dos atletas de alto rendimento. Como técnico da seleção, Spigolon ficou em casa durante apenas dois meses no primeiro semestre. Ele vive a vida, majoritariamente, na estrada.

Um filme em 3D

Hernani Veríssimo, atleta de karatê que teve um dia de "Daniel Sam" — Foto: Reprodução/EPTV

Hernani Veríssimo, atleta de karatê que teve um dia de “Daniel Sam” — Foto: Reprodução/EPTV

“Distancia da família”, “dedicação” e “disciplina”. Esse é o 3-D de um esporte que é uma das artes marciais mais populares do mundo. Só no Brasil, a estimativa da confederação é de um milhão de praticantes.

Conhecido como a arte das mãos vazias, o karatê começou justamente no Japão, o país das Olimpíadas, no século XVIII. Contudo, foi na década de 1980 que o esporte ganhou o mundo, a partir das telonas, com um golpe certeiro dos produtores de Hollywood que deram vida à história de Daniel San e do mestre Miyagui em Karatê Kid.

Na academia onde Diego Spigolon é o mestre entre os discípulos, também existe o “Karatê Kid” local. Hernani Veríssimo saiu das sombras no esporte, quando conquistou uma medalha de Pan-Americano com o ligamento do joelho rompido.

– Estava inchando, mas quando você rompe o joelho, o movimento de sair do local acontece em movimentos laterais, então a gente fez um trabalho de lutar em linha, então todos os golpes eu batia sempre indo e voltando e não fazendo movimentos de saída lateral – relatou.

Essa foi apenas uma das diversas lesões que um carateca tem de conviver. Na mesma academia, Diego afirma ter uma lista de contusões e sacrifícios que vão além de ficar longe de casa.

– Já tive fratura no nariz, fratura na mandíbula, mão, dedo do pé. Não são corriqueiras nas categorias de base, pais e mães podem ficar tranquilas, mas no esporte de rendimento, na categoria adulta, acontecem essas lesões – disse o treinador Diego.

Atletas de karatê na academia de Diego Spigolon — Foto: Reprodução/EPTV

Atletas de karatê na academia de Diego Spigolon — Foto: Reprodução/EPTV

Também foi dolorida a longa espera para o esporte chegar às Olimpíadas. São muitos estilos, como “shorin ryu”, “goju ryu”, “wado ruy” e “shotokan”, uma divisão que pode ter atrasado a chegada ao tatame olímpico.

– Eu acho que a Olimpíada é o topo do esporte, a gente está há muitos anos nessa luta de estar nas Olimpíadas. O karatê é um esporte de muita tradição, então merece muito estar nos Jogos Olímpicos por ter toda essa história de desenvolvimento. Então é muito importante para o esporte para ter essa visibilidade, um desenvolvimento maior, pra gente ser mais visto, pra ter mais patrocínio. Enfim, um crescimento geral – analisou.

Paciência oriental

O karatê é dividido entre o kumitê, a luta e o katá, os movimentos imaginários que tem uma atleta referência no interior. Nicole Yonamine, natural de Jaboticabal, também treina com a família e disputou a seletiva para Olimpíadas.

No entanto, com apenas três classificadas no “qualifying” da modalidade entre as mais de 100 participantes, além de outras seis que vieram do ranking internacional e uma que representará o país sede, não foi a vez do Brasil, que não terá atletas no esporte.

A família da carateca Nicole Yonamine Mota reunida na academia do sensei Yonamine em São Paulo  — Foto: Marcel Merguizo

A família da carateca Nicole Yonamine Mota reunida na academia do sensei Yonamine em São Paulo — Foto: Marcel Merguizo

– Fica para próxima. Karatê exige paciência e a sabedoria dos ensinamentos do zen budismo para o equilíbrio entre corpo e mente – disse Nicole.

Como as calmas, porém intensas águas do rio Piracicaba, o karatê impõe respeito. De acordo com Diego, é uma ferramenta que vai além da autodefesa, e passa pela filosofia de vida do praticante.

– É uma ferramenta que a gente utiliza para formação do caráter, da cidadania e de uma sociedade mais justa, mais honesta, menos agressiva também. Através do karatê, a gente ensina a canalizar essa agressividade pro esporte. Quem está aprendendo a luta não está aprendendo a brigar, mas a ser mais relevante, ter mais respeito pelo próximo, ter respeito pelos pais, coisas que são importantes para a sociedade – concluiu o herdeiro de uma antiga paixão pelo tatame.

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Fontes: Ge – Globo Esporte.

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